Discurso de Spike Lee Sobre Gentrificação Pega Fogo

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Veja a matéria original por Chris Michael e Ellie Violet Bramley em inglês no The Guardian aqui.

Discurso persuasivo de improviso, do ardente Spike Lee, contra a transformação do Brooklyn pela chegada de descolados e ricos levanta pontos-chave sobre as tensões da gentrificação–especialmente sobre respeito. Aqui está a transcrição completa.

 

‘Nós estivemos aqui!’ … Spike Lee volta no tempo. Foto: Moviestore Collection/Rex

 

Mais do que talvez qualquer outro cineasta, Spike Lee fez das questões urbanas, o seu pão com manteiga. Então, o que fez com que o diretor de Faça a Coisa Certa e Clockers, em uma aparição em um evento no Mês da História Negra no Pratt Institute no Brooklyn, ficar enraivecido contra um membro da platéia tentando argumentar sobre os benefícios da gentrificação?

Chamando o processo como “síndrome de Cristóvão Colombo” e acusando ricos recém-chegados de desrespeitar a cultura das áreas predominantemente negras e que têm sido seu reduto–com a alteração de nomes de bairros, o cancelamento de um tributo a Michael Jackson por causa de temores de que os negros fariam muito bagunça, ou reprimindo as sessões de tambores africanos realizadas no parque Mount Morris por 40 anos–Lee teve uma recepção calorosa da multidão. Alguns noticiários norte-americanos eram menos aprovadores, acusando Lee–um Brooklynite nativo–de “não ter o direito” de reclamar.

 

Aqui está a transcrição completa do discurso de Spike Lee:

[Membro da audiência: Você mencionou a gentrificação com algumas conotações ligeiramente negativos e eu me perguntava se você já olhou para ela por um outro lado? Que é, se a sua família ainda estivesse em uma casa de US$40.000 que agora passasse a valer US$3,5 milhões para US$4m …]

Lee: Deixe-me, deixe-me, deixe-me, deixe-me apenas matá-lo agora.

[OK, vá em frente.]

O New York Times publicou um artigo de merda falando bem da gentrificação. Eu não acredito nisso.

Aqui está o meu ponto: Eu cresci aqui em Fort Greene. Eu cresci aqui em Nova York. A cidade mudou. E porque é preciso um influxo de nova-iorquinos brancos no sul do Bronx, em Harlem, em Bed Stuy, em Crown Heights para que a infraestrutura melhore? O lixo não era retirado todos os dias quando eu estava morando em 165 Washington Park. P.S 20 não era bom. P.S 11. Rothschild 29. A polícia não estava por perto. Quando você vê mães brancas empurrando seus bebês em carrinhos às três horas da manhã na 125th Street, isso tem que te dizer alguma coisa.

[E eu não contesto que… ]

Ei, ei, ei, ei, ei, ei, ei, ei. E ainda mais. Deixe-me matá-lo um pouco mais.

[Eu posso falar sobre alguma coisa?]

Não ainda.

Aí vem a porra da síndrome de Cristóvão Colombo. Você não pode descobrir esse lugar! Nós já estávamos aqui! Você simplesmente não pode vir e se apropriar. Tinham irmãos tocando tambores africanos em Mount Morris Park por 40 anos e agora não podem mais fazer isso porque os novos moradores dizem que os tambores são muito altos. Meu pai é um grande músico de jazz. Ele comprou uma casa em 1968, e as porras das pessoas que se mudaram para lá no ano passado chamaram a polícia contra o meu pai. Ele nem sequer toca baixo elétrico! É acústico! Nós compramos a porra da casa em 1968 e agora você chama a polícia? Em 2013? Sai daqui porra!

Nah. Você não pode fazer isso. Você não pode simplesmente entrar no bairro e começar a se apropriar e dizer, como se você fosse a porra do Colombo e matasse os índios americanos. Ou o que eles fazem no Brasil, o que fizeram com os povos indígenas. Você tem que vir com respeito. Há um código. Há pessoas.

Você não pode simplesmente–aqui está outra coisa: Quando o Michael Jackson morreu eles queriam fazer uma festa para ele na porra do Fort Greene Park e, de repente, as pessoas brancas em Fort Greene disseram: “Espere um pouco. Nós não podemos ter negros dando uma festa para celebrar a vida do Michael Jackson. Quem vem para o bairro? Eles vão deixar muito lixo.” Lixo? Você já viu Fort Greene Park de manhã? É como um a porra de um show de cachorros de Westminster.Tem 20.000 cachorros correndo. Uau. Então tivemos que mudar a festa para o Prospect Park!

Quero dizer, eles apenas se mudam para o bairro. Mas eles não podem simplesmente entrar assim. Eu sou a favor da democracia e de deixar todo mundo viver, mas você tem que ter um pouco de respeito. Você não pode simplesmente entrar, quando as pessoas têm uma cultura que tem sido criada por gerações, e você entra e agora a merda toda tem que mudar, porque você está aqui? Sai fora daqui. Você não pode fazer isso!

Então você está falando sobre a mudança do valor dos imóveis? Mas e as pessoas que estão pagando aluguel? Eles não podem pagar mais! Você não pode permitir isso. As pessoas querem viver em Fort Greene. As pessoas querem viver em Clinton Hill, no Lower East Side. Eles se mudam para Williamsburg. Eles não podem sequer bancar a porra de Williamsburg agora por causa dos mauricinhos. O que eles chamam de Bushwick agora? Qual é a palavra? [Audiência responde East Williamsburg]

Isso é outra coisa: porra…Esses filhos da puta das imobiliários estão mudando o nome dos lugares! Stuyvestant Heights? 110th-125th, tem outro nome agora para o Harlem. […] Que porra é essa? Como simplesmente mudar o nome?

E nós tivemos uma bola de cristal, no ‘Faça a Coisa Certa’, com o personagem do John Savage, quando ele rolou a bicicleta sobre o tênis do Buggin’ Out’s sneaker. Escrevi esse roteiro em 1988. Ele foi o primeiro. Como você pode andar no Brooklyn com uma camisa do Larry Bird? Você não pode fazer isso. Não em Bed Stuy.

Então, olha, você pode dizer: “Bom, tem mais proteção policial. As escolas públicas estão melhores.” Por que as escolas públicas melhoraram? Em primeiro lugar, nem todos podem pagar–mesmo para quem tem dinheiro ainda é difícil conseguir matricular seus filhos em escola particular. Todo mundo quer ir a Saint Ann–é quase impossível entrar na Saint Ann. Não consegue na Friends também. Qual é a outra? Em Brooklyn Heights? Packer. Se você não consegue colocar o seu filho lá… É uma loucura. Não é um negócio agora, as pessoas pagam, elas nem sequer têm filhos ainda e já estão fazendo este curso sobre como conseguir uma vaga para o seu filho em uma escola particular. Não é mentira! Então, se você não pode colocar o seu filho em escola particular e você é branco aqui, e você não pode pagar, qual é a próxima melhor coisa? Tudo bem, agora vamos ir para escolas públicas.

Então, por que demorou este grande afluxo de pessoas brancas para melhorarem as escolas? Por que há mais proteção policial em Bed Stuy e Harlem agora? Por que o lixo é recolhido com mais regularidade? Nós sempre estivemos aqui!

Tudo bem, vá em frente. Vamos ver você responder a isso.

[Eu concordo com tudo o que você disse.]

Nah, nah, nah, nah.

[Eu deixei você falar, agora me deixa falar…. Meu único ponto é a criação de riqueza na comunidade Afro-Americana, algo que tradicionalmente já foi bloqueado–você comprou uma casa no gueto e três gerações depois a casa continuava sem valer nada. Então, para aqueles proprietários que se mantiveram em Bed Stuy–quando meus pais se mudaram para lá era um bairro judeu, então eu vi tudo acontecer por ali–assim, para aquelas pessoas que ficaram apesar de tudo, agora elas têm uma oportunidade de criação de riqueza que não era anteriormente possível. Então, agora, apesar disso não ajudar os locatários, e tudo que você disse é absolutamente verdade, o que acontece com esse aspecto de criação de riqueza para as pessoas que pagaram seus impostos, que lutaram para manter o crime fora de suas ruas, e todas as outras coisas que eles fizeram para manter o bairro… porque os brancos não estão se mudando para cá porque é um gueto, eles estão se mudando para cá porque são belos bairros, cheios de bonita arquitetura que foram bem mantidos pelos negros que sempre moraram aqui.]

Sim, mas aqui está uma coisa para esvaziar a sua resposta. As pessoas sobre as quais você falou não existem em grande número. Número um, muitas dessas pessoas não têm mantido os seus impostos em dia, então eles não têm dinheiro para manter suas casas agora. Número dois, quando esses caras de imobiliárias vem por aqui e abrem uma mala com um monte de dinheiro, ele vai vender. Essas pessoas que você está falando são idosos. E eles pegam o dinheiro, e esse dinheiro vale muito mais no sul. Os negros estão saindo em massa de Nova York, é a chamada migração reversa. Eles estão se mudando para Atlanta, Carolina do Norte. Lá eles compram uma casa, com quintal, pagam menos impostos… Nova York é um lugar difícil e se você trabalhou a sua vida toda e está agora aposentado, eles estão vendendo suas casas e eu não os culpo. Eu não posso dizer: ‘Você não pode vender a sua casa.’ Eles vão dizer ‘Vai se fuder, Spike’.

Você tem que fazer uma pesquisa e olhar os números. A população negra norte-americana de Nova York está diminuindo. É a migração reversa.

O que temos é isso… e isso é algo que o De Blasio… Quero dizer, ele não pode tirar a neve das ruas, mas ainda assim… o que precisamos, precisamos de habitação a preços acessíveis para todos. As pessoas não podem pagar, quero dizer, aqui está a coisa… o mais longe de Manhattan. Brooklyn Heights é o bairro mais caro. Aí você tem Park Slope, Fort Greene, Cobble Hill, Clinton Hill e depois, então, funciona assim… os alugueis ficam mais baratos a medida que você se afasta de Brooklyn. E a realidade é que, depois da areia de Coney Island, é a porra do oceano Atlântico.

Então, para onde você vai? Para onde? Os porto-riquenhos dizem a mesma coisa. Um monte de gente disse ‘bom, vamos nos mudar para Bucks County. Ou voltar para Puerto Rico.’ As pessoas não podem mais se dar ao luxo de viver aqui. […] Havia um tempo que você poderia…quando US$2 e US$1 dava para você sobreviver. Você não pode mais fazer isso. Então, se Nova York não é mais acessível, então a grande arte que temos aqui não vai mais estar aqui, porque as pessoas não podem pagar para ficar.

Então, eu sei o que você está dizendo, mas eu não vejo muita coisa boa vindo da gentrificação para as pessoas que vivem nesses bairros.Temos um novo bairro no sul do Bronx agora, o que podemos chamá-lo? O quê? SoBro. É uma farsa! Falcatruas, trapaças, pessoas sendo enganadas.

Fim da transcrição.