Comitê Popular Lança Último Dossiê Pré-Olimpíadas Sobre Violações de Direitos Humanos Frente aos “Jogos da Exclusão”

Publicado no Dia Internacional dos Direitos Humanos

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Só não é best-seller porque não está à venda”. Um dia antes do lançamento oficial na terça-feira, 8 de dezembro, a página do Facebook do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, orgulhosamente, postou uma imagem do seu dossiê–com pesquisas meticulosas–de 190 páginas sobre os megaeventos e as violações de direitos humanos no Rio. A quarta edição da série, ele também é o primeiro dossiê desde a Copa do Mundo de 2014. Essa nova publicação de novembro de 2015 se diferencia das versões anteriores por seu foco intensificado nas Olimpíadas de 2016. Este é o primeiro dossiê com um título único–“Olimpíada Rio 2016, os jogos da exclusão“–e o primeiro a ser publicado em português e inglês.

Do Dossiê: “São 22.059 famílias já removidas na cidade do Rio de Janeiro, totalizando cerca de 77.206 pessoas, entre 2009 e 2015, conforme dados apresentados pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em julho de 2015”. O Comitê Popular Rio estima que “pelo menos 4.120 famílias já foram removidas e 2.486 permanecem ameadas de remoção, por razões direta ou indiretamente vinculadas às intervenções do Projeto Olímpico”.

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Um poderoso painel no lançamento do evento

O Comitê Popular lançou o dossiê na terça-feira à noite com a apresentação de um painel no Gabinete da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Cerca de 100 membros da platéia ouviram oito palestrantes, incluindo Marcelo Edmundo da Central de Movimentos Populares (CMP), que facilitou o evento.

Membro do Comitê Popular e do Observatório das Metrópoles, a pesquisadora Mariana Werneck foi a primeira a tomar o microfone com uma breve visão geral do novo dossiê. Ela explicou que o título “Jogos da Exclusão” é uma resposta direta a um artigo do Prefeito Eduardo Paes, que classificou o evento como os “jogos da inclusão”, seguindo um discurso positivo semelhante ao do presidente do COI, Thomas Bach. Destacando as várias violações de direitos documentadas no dossiê, ela resumiu:“Quando a gente coloca tudo junto… a gente vê qual é o projeto que a cidade está construindo”, com “privatização, militarização… e as mortes, principalmente, da juventude pobre e negra”.

Do Dossiê: Números do orçamento atualizados, divulgados pela Autoridade Pública Olímpica (APO) em 21 de agosto, 2015, sugerem que o setor privado está pagando cerca de 57% do orçamento dos Jogos Olímpicos e do legado olímpico. O Comitê Popular argumenta que o governo excluiu diversos gastos públicos relevantes, e que o setor privado está realmente pagando menos do que 38% dos custos relevantes.

O próximo a falar foi o 2º subdefensor público-geral, Rodrigo Baptista Pacheco, que admitiu que o governo “tem que recuperar a legitimidade que perdeu ao longo dos últimos anos”. Ele destacou que o Gabinete da Defensoria Pública deve lutar para combater políticas exclusivas, como a preconceituosa detenção de jovens em ônibus indo da Zona Norte para as praias da Zona Sul, e o debate sobre a redução da maioridade penal.

Do Dossiê: A BRT TransOlímpica ainda ameaça mais de 1.300 pessoas em três comunidades. “Parece que a implantação dos dois BRTs (Transoeste e Transcarioca) e dos BRS’ não têm capacidade alguma de tirar das ruas os carros particulares, principais causadores dos congestionamentos”.

A próxima a apresentar foi Edneida Freire, treinadora de atletismo do Estádio Célio de Barros, um centro público de atletismo no complexo do Maracanã, que foi fechado sem aviso prévio ou explicação em 2013. O Estádio Célio de Barros oferecia atividades extensivas para crianças, muitas das quais não tinham recursos para outras atividades, por isso era um lugar onde “transformamos vidas”. Ela ressaltou a ironia de que “todos os esportes estejam sofrendo um pouquinho com esse legado de uma cidade olímpica“, perguntando “que legado é esse?”.

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Ana Paula Oliveira contou como seu filho Jonatha foi morto por um policial da UPP em Manguinhos em 2014, enfatizando que sua morte não foi um incidente isolado, mas um resultado recorrente de “um projeto mentiroso, falido, racista”. Ela disse: “É importante falar isso: racista. Sim. Por que quem morre? Nossos filhos, filhos negros. É inaceitável”. Ela explicou que, quando a polícia mata uma criança, “eles não só levam nossos filhos, eles levam pedaços de nós… é uma necessidade falar do meu filho, não estou falando do meu filho só, mas de vários filhos. Eu vi que têm muitas mães que não podem fazer isso”. Ela concluiu com uma frase poderosa que tem sido repetida em protestos contra a Copa do Mundo e Olimpíadas: “A festa no estádio não vale as lágrimas na favela”.

Do Dossiê: “O número de ‘autos de resistência’ sobe entre 2012 e 2013 de 381 para 416 no Estado, subindo novamente para 584 em 2014, e para 349 mortes apenas na primeira metade de 2015″. A morte de Eduardo Felipe Santos Victor em setembro de 2015 e tantos outros agora documentados mostra que muitos casos de ‘autos de resistência’ são justificativas falsas.

Camila Marques da ONG Artigo 19, falou em seguida, fornecendo o contexto da lei controversa, atualmente em debate, para definir o terrorismo, uma lei que preocupa os ativistas por poder criminalizar os manifestantes. Revisões na linguagem das normas do direito, que escapa à lei, estão sendo utilizadas contra os movimentos sociais, e Camila Marques alertou que isto deixará um espaço problemático para juízes rotularem um determinado ato de protesto como o terrorismo, ao invés de uma atividade do movimento social.

A moradora da Vila Autódromo por 23 anos, Sandra Maria, começou com a afirmação de que “o que está acontecendo na Vila Autódromo não é por causa das Olimpíadas”. Em vez disso, ela argumentou que a formação histórica “do povo brasileiro já foi uma formação injusta“, desde a colonização, passando pela escravidão, até o abandono do governo às favelas. “A cidade é planejada pelos ricos“, disse ela, enquanto “os pobres, que construíram esta cidade, não tem o direito à ela”. No caso da Vila Autódromo, títulos de terra foram dados “quando ninguém queria morar lá”, porém mais tarde o crescimento da vizinha Barra da Tijuca tornou a terra ali valiosa. “Se [o problema] fosse só as olimpíadas”, Sandra afirmou,”seria muito mais fácil!”. Ela acredita que após os Jogos Olímpicos haverá simplesmente novas justificativas para a elitização da cidade.

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Do Dossiê: O Ministério Público do Trabalho do Rio identificou situações análogas ao trabalho escravo na Brasil Global Serviços de Empreiteira, responsável pelas obras do complexo residencial Ilha Pura, local onde ‡será a Vila Olímpica e que servirá de alojamento para atletas e organizadores durante os Jogos Olímpicos de 2016”.

O último palestrante a falar foi Jules Boykoff, professor de ciência política da Pacific University. Ele traçou um paralelo entre as transformações no Rio e o custo de vida crescente, a militarização, as remoções e gentrificação que ocorreram antes dos Jogos Olímpicos de Londres de 2012 e Vancouver de 2010. Os legados prometidos pelos anfitriões dos megaeventos, concluiu ele, são “bonitos, grandes, ambiciosos. O único problema é que eles não são verdadeiros”.

Do Dossiê: Após admitir que a promessa feita, na candidatura olímpica, de reduzir a poluição da Baía de Guanabara em 80% é impossível até os Jogos Olímpicos, “a prefeitura trabalha com uma meta em torno dos 40% de despoluição”.

O intensificado foco olímpico do dossiê

Grande parte deste último documento reflete a estrutura e as evidências dos dossiês anteriores: de março de 2012, maio de 2013, e junho de 2014, bem como o dossiê de setembro 2015 sobre as violações ao direito ao esporte. No entanto, a introdução do mais recente dossiê destaca quatro novos recortes focados nas Olimpíadas:

  1. Remoções ligadas aos Jogos Olímpicos continuam afetando ou ameaçando milhares de famílias, ao contrário do discurso oficial do governo.
  2. Ao invés da promessa de que toda a cidade beneficiará com um legado esportivo, espaços públicos desportivos foram privatizados.
  3. A militarização crescente da cidade e políticas de segurança pública racistas afetam predominantemente jovens negros nas favelas, e geralmente intensificam a segregação e a criminalização dos movimentos sociais.
  4. Embora a prefeitura declare que os gastos públicos são menores do que as despesas privadas “a Olimpíada expressa a transferência de recursos públicos para o setor privado, subordinando o interesse público à lógica do mercado“.

Além das atualizações das estatísticas e dos processos em curso, alguns dos quais são apresentados ao longo deste artigo, o Comitê Popular também revisou e ampliou suas propostas “para uma cidade para todos, com justiça social e democracia”. Em resumo essas dezesseis recomendações clamam pelo:

  1. Fim das remoções
  2. Fim da perseguição da Prefeitura do Rio aos camelôs
  3. Reconstrução e reabertura do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare
  4. Maracanã público e popular
  5. Reflorestamento da APA de Marapendi
  6. Direito de se manifestar sem criminalização, com a libertação de todos os presos políticos
  7. Fim da militarização, ocupação da favela, o extermínio da população negra e da violência policial
  8. Esporte como educação, saúde e lazer, e não como negócio
  9. Construção de habitação popular e bens comuns em todos os terrenos remanescentes de obras públicas
  10. Fim da privatização e gentrificação do Estádio de Remo da Lagoa e da Marina da Glória
  11. Substituição das Parcerias Público-Privadas por projetos populares para o Porto Maravilha e o Parque Olímpico
  12. Despoluição da Baía de Guanabara, das lagoas Rodrigo de Freitas e de Jacarepaguá
  13. Transportes públicos de qualidade para todos(as) com tarifa zero
  14. Readmissão imediata dos garis e professores demitidos injustamente por lutarem por seus direitos
  15. Fim do recolhimento forçado de crianças e adolescentes em situação de rua
  16. Fim da “Lei da Copa do Mundo”, que permite a FIFA, o COI e patrocinadores a obter lucro sem pagar impostos, e sem preocupação com a justiça social e a participação democrática.

Estas propostas reforçam a mensagem dos Comitês Populares de que os dossiês não deveriam servir apenas como uma documentação de violações, mas também como um convite para participar de um movimento para que as Olimpíadas e cidades sejam para às pessoas.

Leia o Dossier completo aqui.