No dia 25 de julho, um tipo diferente de luta aconteceu no ginásio de artes marciais da organização sem fins lucrativos Luta pela Paz: uma luta contra a violência e a discriminação contra as mulheres afro-brasileiras. Em um seminário intitulado “Marielle Franco, Mulheres Negras: Representatividades e Resistências”, moradores do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio se reuniram para discutir a identidade afro-brasileira feminina e as diversas lutas que as mulheres negras enfrentam. O seminário concluiu uma série de dois dias de eventos patrocinados pela Luta pela Paz, que refletiu sobre o legado de Marielle e celebrou a cultura afro-brasileira.
“Por que esse dia?” Perguntou a moderadora Juh Machado iniciando o seminário. “[Porque] no dia 25 de julho é celebrado o Dia Internacional das Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, que relembra a luta e resistência internacional das mulheres negras contra a opressão de gênero”, ela concluiu.
O dia da celebração foi estabelecido há 26 anos (em 1992) pela Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas. O grupo internacional de mulheres ativistas se reuniu em Santo Domingo, República Dominicana, e criou o feriado para chamar atenção para a singular intersetorialidade do sexismo e do racismo enfrentado pelas mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas. A Luta pela Paz escolheu realizar o seminário nesta data específica como uma forma de se solidarizar com os movimentos sociais de toda a região, que lutam contra os mesmos sistemas de opressão contra as mulheres negras.
Como a realização do seminário nesta data foi uma escolha intencional, Juh explicou que o título do seminário não foi coincidência. “O seminário recebeu o nome de Marielle porque ela é uma força na nossa comunidade.” O legado duradouro de Marielle Franco como feminista negra e defensora das favelas foi homenageado no seminário com uma breve compilação de alguns dos seus discursos mais veementes sobre questões de brutalidade policial, segurança pública nas favelas e violência sexual contra as mulheres. Seu slogan de campanha “Eu Sou porque Nós Somos” permaneceu na tela depois que o vídeo foi concluído, enquanto os participantes do seminário gritavam juntos: “Marielle, presente!”
Após o vídeo, a companheira de Marielle Franco, Mônica Benício, foi convidada a vir à frente para fazer um breve discurso. Benício agradeceu à Luta pela Paz por homenagear Marielle com o título do seminário e também agradeceu aos moradores da Maré por seus esforços em promover os movimentos políticos pelos quais Marielle lutou. “Está sendo muito bonito ver as campanhas que estão sendo construídas nas ruas, principalmente inspiradas no ato de violência feito à Marielle”, afirmou. Mônica ressaltou o poder do ativismo e a esperança pelo progresso político, apesar dos muitos perigos envolvidos. Ela conteve as lágrimas enquanto fazia seus comentários finais, enfatizando ao grupo que, em termos de “resistência, é importante que vocês continuem”.
A discussão que aconteceu em seguida foi tão eclética e inspiradora quanto as mulheres que a lideravam. Com perspectivas que variam em idade, profissão e nacionalidade, as sete palestrantes discutiram os desafios que enfrentam por causa de seu gênero e raça.
A Dra. Cíntia Mariano, nascida na favela de Nova Holanda, na Maré, detalhou como sempre lhe foi dito que os espaços acadêmicos não eram para pessoas como ela–mulheres de favelas. “Eu cresci dizendo: ‘Não, aquele espaço é para mim sim'”, contou Cíntia, que agora tem três graduações. Ela destacou esse sentimento expressando suas frustrações com a desigualdade estrutural perpetuada por atitudes racistas: “Eu e meu filho não temos a oportunidade de mudar nossa história, porque moramos neste país racista”.
A instrutora de capoeira Cristina Nascimento reiterou a mensagem de que as mulheres negras–especialmente as das favelas–têm oportunidades negadas por uma sociedade que inclusive as leva a acreditar que elas não são capazes de atividades fora dos papéis domésticos tradicionais. Quando lhe pediram para dar um exemplo de uma mulher afro-brasileira que a inspira, ela falou sobre a falta de representação de mulheres negras em suas aulas de capoeira. “Há poucas mulheres [nas suas aulas], menos ainda mulheres negras… sempre menos possibilidade de alcance”.
Uma das falas mais espirituosas e comoventes da noite foi a de Julia, de 32 anos, uma estudante de biologia que emigrou para o Brasil. Quando solicitada a identificar um modelo feminino negro em sua vida, ela escolheu a si mesma. Ela explicou que poderia ter escolhido sua avó ou mãe–ambas superaram desafios próprios–mas que ela é verdadeiramente seu maior modelo. Ela veio para o Brasil sem nenhum conhecimento de português e sem amigos ou família no país. Ao longo dos anos, ela superou inúmeros obstáculos antes de chegar à universidade. “Eu tenho uma história, eu tenho um nome.”
No espírito da vida de Marielle, essas mulheres estão desafiando a noção de que existe um único espaço, ocupação, cor da pele ou narrativa que as define coletivamente. Elas são tão diversas quanto são capazes.