Nesta sexta-feira, 25/02/2011, finalmente os lacaios da Prefeitura do Eduardo Paes conseguiram chegar ao último foco de resistência dentro da Vila Harmonia. Entraram no terreno da Dona Sueli, onde moram cerca de 10 famílias – todas descendentes diretas de sua avó, que já reside na região há muitas e muitas décadas. Trata-se de uma grande vitória da barbárie sobre a resistência popular, dado o caráter simbólico da conquista e o significado que isso terá para as próximas campanhas de remoção em massa dos nazi-fascistas municipais. Mas por que esse fato é tão simbólico e significativo?
Todas as comunidades do Recreio dos Bandeirantes que estão sendo atacadas nos últimos meses, são vitimadas sob o argumento da necessidade da obra do corredor Transoeste, que nada mais é do que a duplicação da Avenida das Américas com a instalação de uma via segregada para ônibus expressos. Entretanto, a área da Vila Harmonia, além de não ser necessária para a referida obra, era a que melhores condições reunia para um processo definitivo de regularização fundiária e urbanística, que poderia se tornar exemplo e contribuir fundamentalmente para desconstruir o discurso imperioso de que “não há lugar para pobres no Recreio dos Bandeirantes”.
Não bastassem esses dados, vale ressaltar que a obra da Transoeste é uma das que mais possui indícios de irregularidades, desde o seu processo licitatório até o início da instalação dos canteiros de obras, passando pelo processo de licenciamento ambiental, junto ao INEA. Suas vergonhosas liberalidades já estão suficientemente documentadas e prontas para se transformar em peça judicial, matéria jornalística ou qualquer outra forma de denúncia.
Na Vila Harmonia, ainda residem famílias descendentes diretas dos primeiros moradores fixos do bairro que, como nos ensina a própria toponímia, foi, durante séculos, passagem para as caravanas que subiriam as serras gerais em busca das riquezas da eterna colônia brasiliana. Desde o início do Século XX, essas famílias vivem e sobrevivem por ali e esse fato é amplamente conhecido dos administradores públicos. Eles sabem que todas essas informações, reunidas e apuradas, podem levar a embaraços e atrasos em seus planos perante os compromissos internacionais assumidos pela municipalidade em relação aos preparativos para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, além dos interesses de seus mecenas da incorporação imobiliária. O ataque covarde aos dois terreiros de Candomblé e as constantes ofensas e ameaças à família da Dona Sueli configuram o tamanho do racismo e da covardia com que a Prefeitura do Rio continua agindo.
Infelizmente, os movimentos sociais mais organizados, as forças populares do Rio de Janeiro não perceberam isso a tempo. Em suas desorientadas e fragmentadas ações, não se constituiu, por exemplo, uma rede suficientemente potente para apoiar aquelas comunidades e a devida pressão aos órgãos públicos competentes, tal como ocorreu na comunidade Canal do Anil em 2007. Perdemos a chance de levar os tiranos às cordas e obrigá-los a repensar seu projeto macabro de segregação social na cidade do Rio de Janeiro.
Com a queda da Vila Harmonia (e também da Restinga, Notre Dame e Vila Recreio II), verifica-se uma saturação da capacidade de ação dos Defensores Públicos do Núcleo de Terras e Habitação. São apenas seis defensores para apoiar juridicamente centenas de comunidades, dezenas delas sob ataque direto da Prefeitura, com requintes de crueldade. Além disso, é patente uma certa letargia das organizações comunitárias para unirem-se em torno de um projeto comum que afronte diretamente o Prefeito Eduardo Paes, o principal fiador do projeto do Capital para o Rio de Janeiro nos próximos vinte anos. Essa dispersão deixa margem para negociações parciais, individualismos, falta de solidariedade e, finalmente, vitória da barbárie!
Sobre o Judiciário e o Ministério Público, não há muito o que dizer. Sua associação direta com o comandante-em-chefe dos criminosos da Prefeitura lhes esvai qualquer possibilidade ou legitimidade para mediar os conflitos ou simplesmente corrigir as posturas dos agentes públicos antes, durante e após as ações de violência e terrorismo de estado impostas às comunidades.
Há que se registrar também, a ainda descoordenada atuação dos poucos parlamentares envolvidos diretamente no apoio às resistências populares e nas denúncias contra as arbitrariedades. Não é possível entender, por exemplo, como não se estruturou, até agora, frentes parlamentares e comissões sérias, nos três níveis, para congregar e atuar de forma mais incisiva na apuração e encaminhamento de denúncias sobre os crimes cometidos pelos representantes da Prefeitura do Eduardo Paes. Espaços como esses, dentro dos parlamentos, poderiam funcionar também como núcleos de pressão política direta sobre o próprio Judiciário e o Ministério Público.
O momento atual é de uma reavaliação profunda das táticas e estratégias adotadas pela resistência até agora. Os esforços para saber “o que vem por aí” da corja que administra a Prefeitura do Rio são importantes, mas menos urgentes do que fazer-mos um grande inventário de potencial político e jurídico que ainda nos resta para organizar nossa atuação e, se possível, uma grande ofensiva. Nos próximos dias, vou explorar um pouco essas idéias introduzidas aqui, tentando registrar como processos de grande e de pequena escala se combinam para configurar os territórios de exceção em que se transformaram as favelas e comunidades pobres da Cidade.
Seja o primeiro a comentar