Edson Cardoso da Silva, 31 anos, ou Edinho, é um morador de Três Corações, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Ele atualmente trabalha como consultor para a UNESCO, coordenando o diálogo com as comunidades onde a UNESCO trabalha. Ele ganhou essa posição depois de passar 12 anos nos setores privado, público e em organização comunitária sem fins lucrativos. Durante seis desses 12 anos, ele também atuou no conselho de administração da associação de moradores de sua comunidade, AMATRECO. No entanto, você nunca imaginaria a sua influência transformadora em sua comunidade a partir do seu modesto comportamento e estilo de vida. O RioOnWatch.org teve o privilégio de passar uma tarde com ele e sua família ao longo de um clássico almoço brasileiro, uma feijoada, ouvindo sobre as partes de seu trabalho que são mais desafiadores e gratificantes, assim como o conselho que ele tem para os jovens que procuram fazer a diferença em suas comunidades.
ROW: Por favor, descreva a sua comunidade.
Três Corações é um bairro, como a maior parte dos bairros da Baixada Fluminense, bairros muitos familiares, existem muitas famílias que moram aqui há muito tempo. Então é um bairro que um boa parte das pessoas já te conhecem. É um bairro do subúrbio do Rio, a gente sempre pode brincar na rua, nossa área de lazer sempre foi a rua. Três Corações, também é um bairro de classe média baixa, de classe C. São pessoas que, em geral, estão no mercado de trabalho, mas não estão em posição de importância, porém conseguem manter um padrão de vida razoável.
ROW: Quais são as maiores mudanças que Três Corações passou nestes 12 anos?
A Baixada Fluminense, a região onde esta Três Corações em Nova Iguaçu, é uma região que não tem um histórico de muito planejamento por parte dos governantes. O planejamento deles é se re-elegerem para continuarem no poder ou re-elegerem alguém no grupo político deles. Então, não tem grandes transformações. É claro, do período que eu nasci, trinta anos atrás para hoje, Três Corações melhorou em alguns aspectos. Por exemplo, na questão do calçamento das ruas. Também, quando eu nasci não tinha coleta de lixo, era uma bagunça total. Então cada um jogava lixo onde podia, onde tivesse um terreno baldio, lá jogava. Isso melhorou, de fato. Mas acho que tem muita coisa para ser feito.
ROW: O que te levou a se engajar com a AMATRECO na época? Teve um evento ou acontecimento especifico que te levou ao engajamento? Como foi essa história?
Eu tive a oportunidade de estudar em colégio muito bom, o Pedro II, que é um colégio público, mas esta acima da média dos colégios públicos aqui no Rio de Janeiro, porque ele é da rede Federal de ensino. Em minha época, era o único colégio do Brasil de educação básica que era do Governo Federal. Então os professores recebem mais, são mais capacitados. No Pedro II, eu tive esse interessa pela militância no movimento social, foi esta a causa do meu envolvimento no movimento estudantil. Foi essa a minha porta de entrada, o que para mim foi uma grande experiência.
Em um determinado momento, eu me desiludi com o movimento estudantil, porque é um movimento muito romântico, de idealismo. Você luta por causas muitos grandes, como por exemplo mais recursos para educação, mas não é ligado com o dia-dia das pessoas. E quando eu voltava para o bairro, eu via que o movimento comunitário poderia ser um movimento importante de transformação social. Eu conheci o movimento comunitário em Nova Iguaçu e me interessei por essa questão da associação dos moradores.
A associação dos moradores, a AMATRECO, estava desativada, por volta do ano 2000. Então comecei a reunir um grupo de vizinhos pra mobilizá-los, para reativar a associação, e fazer com que a associação fosse um instrumento de cobrança por melhorias na qualidade de vida do bairro. Eu achei fantástico lidar com a associação dos moradores porque a associação, ao contrário do movimento estudantil onde eu comecei, lida com os problemas do dia-dia.
ROW: Quais projetos a AMATRECO realizou durante os anos em que você trabalhou lá?
Nós tivemos um projeto muito legal na associação chamado Gari Comunitário. Uma das deficiências do nosso bairro é não ter serviço de limpeza das ruas. A gente tem um caminhão de lixo, que passa três vezes por semana para recolher o lixo da sua casa, mas a gente não tem um gari que varre a rua, que limpa as folhas que cai, ou do mal-educado que jogou o lixo no chão. Nós fizemos um projeto, o primeiro pequeno projeto que foi patrocinado pelo Brazil Foundation.
Nós escrevemos um projeto no qual quatro moradores do bairro, que não tinham muitas qualificações e que estavam desempregados, fossem contratados. A gente contratou eles, pagando um salário mínimo, e eles cuidavam da limpeza das ruas. Esse projeto durou um ano. E foi muito legal, porque fazia uma diferença muito grande. As ruas estavam limpas, as pessoas sentiam a diferença.
Acho que nós pecamos, porque alguns moradores não conseguiam perceber que aquele projeto era da associação, alguns acharam que era da Prefeitura. Acho que faltou naquele época uma comunicação melhor entre a associação e os moradores. No final de um ano, a Brazil Foundation suspendeu o patrocínio porque era financiamento com prazo determinado. Mas, nós não tínhamos capacidade de criar sustentabilidade do projeto depois de um ano, isso foi muito ruim, mas o projeto foi muito bacana no tempo que durou.
Tivemos um outro projeto que foi bem interessante que foi o criação de um viveiro de mudas. Produção de mudas para plantar nas calçadas, para arborização urbana, e para plantar nas áreas altas que tem um risco muito grande de ocupação irregular. Promovendo o plantio de mudas cria-se um espaço para o bairro com aves e tudo mais, e evita ocupação irregular. Este foi um projeto bem interessante.
A associação tem um papel muito importante na interligação com o poder público. Então, por exemplo: a associação, frequentemente, fazia uma vistoria em todos os pontos de iluminação pública do bairro, pra ver se eles estavam apagados e encaminhava para a Prefeitura, solicitava o serviço e acompanhava. Se tivesse alguma rua com muito barro, muito entulho, muito lixo, a associação encaminhava para Prefeitura pra solicitar limpeza. Então, esse papel de interligação com o poder público, também, é uma coisa bem importante.
ROW: Por que você acha que foi bem sucedido?
Nossa diretoria era composta por mim, que era muito jovem, e aposentados. Então tinha os dois extremos que era muito legal nessa integração, porque os nossos diretores que eram aposentados tinham mais tempo pra se dedicarem a associação por que eles não trabalhavam mais. Então tínhamos pessoas permanentes cuidando da imagem do trabalho da associação. Isso fez uma diferença grande, uma equipe bem construída.
ROW: O que você aprendeu durante os anos em que esteve na diretoria da AMATRECO?
Poder entender o interesse ou a postura que cada pessoa tem com um problema. O custo da participação de uma pessoa é muito alto. Porque cada um tem sua vida, seus problemas pessoais, seu trabalho. Eu acho que uma das coisas que eu aprendi foi entender esses nuances: o que que faz uma pessoa participar, qual é o interesse que ela tem, o que motiva ela a deixar de fazer suas coisas pessoais para participar de uma coisa coletiva. Para mim, foi um aprendizado muito grande entender essas diferenças.
Motivar as pessoas sempre foi um grande dilema para a associação. É preciso usar algumas estratégias, como fazer eventos sociais, festas, almoços, para estar próximo das pessoas de uma forma lúdica, festiva. E também por ser uma deficiência do bairro, o bairro não tem espaços planejados para lazer e cultura. Então, a associação promovia alguns almoços, algumas festas, para tentar trazer os moradores e nesse espaço divulgar o trabalho da associação, explicar o que que é, o que a gente queria fazer.
ROW: Qual tem sido o maior desafio que você viveu como gestor social?
O maior desafio era fazer com que as pessoas participassem. Esse sempre foi um desafio muito grande. As pessoas querem os benefícios mas não querem trabalhar para isso acontecer. As pessoas acham que eles caem do céu. Elas não conseguem entender que a participação dela faz diferença. Ela não consegue entender que ela pode mudar o rumo das coisas. Elas são muito acomodadas, em geral. Então para mim, o maior desafio sempre foi mobilizar as pessoas, fazer com que elas acreditassem que junto com a gente, com a associação organizada, reunida, a gente conseguiria melhorias para o bairro.
ROW: O que te manteve dedicado a este trabalho por tanto tempo?
A vontade de ver o meu bairro melhor. Eu acho que isso é possível. Quanto mais as pessoas que moram no bairro tiverem imbuídas desse interesse, mais fácil isso acontecerá. Então, independentemente de estar na associação, eu sempre procuro estar envolvido com as atividades sociais, que acontecem, no município e trago essa melhoria para o bairro.
ROW: Quais trabalhos você vê pela frente?
Eu gosto muito de comunicação comunitária. Eu já apresentei programas locais em duas rádios. Nós tivemos uma rádio chamada Rádio Riviera. Eu apresentava um programa chamado Comunidade em Ação. Era semanal, e a gente conversava sobre os programas do bairro. Essa rádio foi fechada, infelizmente. Apresentei um outro programa, em uma rádio chamada Bate Papo com Edinho, era semanal também, e eu entrevistava pessoas do poder publico, para explicar, prestar informações para a sociedade. E as pessoas também podiam fazer reclamações no programa, e o programa encaminhava essas reclamações para o poder público.
Eu acho fantástico o poder que a rádio local tem, porque se você tem uma rádio local de qualidade, o público não vai ouvir a grande rádio, ele vai ouvir a rádio local, porque a rádio local fala o nome dele, manda parabéns pra ele no dia do aniversário, divulga a oportunidade de emprego próxima a casa dele.
ROW: De que maneira você lidera de forma diferente de outros?
Quando eu liderei a associação dos moradores, eu compartilhava muito com a equipe, dava responsabilidade as pessoas para que elas tivessem também protagonismo na história. Eu não tinha nenhum interesse de ser o protagonista. Eu acho que essa é uma diferença importante. Muitos lideres são centralizadores, acho que isso é ruim. Então eu sempre dava liberdade com responsabilidade. Você dá liberdade para as pessoas atuarem, e as pessoas serão responsáveis por suas ações.
ROW: O que você considera o aspecto mais importante de uma boa liderança?
Facilidade de comunicação é um aspeto muito importante e a capacidade de mobilizar.
ROW: Finalmente, o que você passaria como o recado mais importante para um jovem frustrado com o estado das coisas em sua comunidade ou interessado em se engajar com questões sociais?
Primeira coisa é buscar informação, informação é tudo. Você só consegue atuar se você tiver informação, e hoje tem diversas maneiras de acessa-las, além das mídias tradicionais, em que você não pode confiar muito. Tem as mídias sociais, que são difíceis de confiar muito, porque as pessoas escrevem o que querem, mas é uma forma interessante. Eu acho melhor a fonte direta, do cara ir atrás nos fóruns, nos canais, nas reuniões abertas. Existem diversos conselhos comunitários, fóruns de discussões, cafés da manhã em batalhões da policia, onde há discursos sobre segurança. Eu acho que o jovem tem que se apropriar desses espaços, porque quando ele tem informação, ele tem o arsenal para atuar.