Ativistas, estudantes e membros da comunidade se uniram no domingo, 2 de novembro, na Rua Alcindo Guanabara, na Cinelândia, Centro do Rio, para comemorar o sétimo aniversário da Ocupação Manuel Congo. Organizada e liderada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), a ocupação resultou em um dos casos de maior sucesso de desapropriação de um prédio público para fins de moradia na cidade do Rio de Janeiro.
Ocupado em 2007, após ficar abandonado por mais de 15 anos, o edifício Manoel Congo–anteriormente propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)–agora abriga 42 famílias, cerca de 127 pessoas. Após seis difíceis anos lutando pelo reconhecimento do governo, enfrentando potenciais despejos e serviços públicos deficientes, os moradores da Manoel Congo alcançaram uma rara vitória quando o Estado e o Governo Federal prometeram R$2.9 milhões para reformar o prédio e melhorar as condições de habitação. A festa na rua, no domingo dia 2, não foi apenas uma comemoração pela perseverança da ocupação, mas também pelo acesso a esses recursos.
Embora existam leis no Brasil instituindo que prédios públicos abandonados por um determinado número de anos devam ser priorizados para habitação popular, na prática as ocupações destes imóveis pelos cidadãos geralmente terminam com despejos. A Manoel Congo gerou um farol de esperança para as ocupações urbanas, sobretudo pela sua localização no bairro central do Rio.
Na ensolarada tarde de domingo, os moradores juntos a ativistas, apoiadores, comerciantes locais e trabalhadores passaram na ocupação Manoel Congo para conversar, beber e comer, gratuitamente, churrasco. Dentre eles estava Gerson Almeida, representante do MNLM no estado do Rio, que discutiu as melhorias que virão para a ocupação.
Segundo Almeida, o primeiro esforço será desenvolver os quartos das 42 famílias que ocupam o prédio. Durante os primeiros seis anos da ocupação, cada um dos dez andares possuía apenas um único banheiro, pia e área de serviço que eram compartilhados por diversas famílias.
“Com as reformas, procuramos garantir um lugar digno de se viver para as famílias da Manoel Congo”, disse Almeida, ao entrar no pequeno corredor do prédio. Quando as construções terminarem, cada família terá um apartamento com banheiro, lavanderia e cozinha.
Uma das prioridades para o desenvolvimento da ocupação Manoel Congo é a geração de renda para os moradores. Os recursos do Governo Federal e Municipal serão também investidos para transformar os dois primeiros andares do edifício em um restaurante e casa de samba, um cybercafé, um salão de beleza para os moradores trabalharem e um escritório do MNLM. Parte dos recursos será destinada para expandir o espaço educacional do prédio, chamado “Criarte”, onde os filhos dos moradores assistem aulas após a escola, bem como tem educação cultural com membros do MNLM e professores voluntários da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal Fluminense.
Os trabalhadores da Manoel Congo que irão atuar nesses novos espaços se organizaram como a Cooperativa Liga Urbana, junta ao MNLM, com o objetivo de desenvolver “relações de trabalho e produção baseadas na solidariedade e benefícios coletivos sobre os bens e ganhos” decorrentes da geração de renda nos negócios do edifício.
“Nós estamos trazendo movimento e cultura de volta ao Centro”, disse Almeida durante um passeio pelo prédio. “O restaurante não vai apenas empregar moradores e ser uma fonte de recursos, mas também vai revitalizar a vizinhança”. Os ativistas do MNLM acreditam que outros irão seguir o exemplo da Ocupação Manoel Congo, promovendo uma maior movimentação no Centro da cidade do Rio–área que possui problemas de segurança devido ao pequeno fluxo de pedestres em horário não comercial.
Lurdinha Lopes, que lidera o MNLM em nível nacional, também esteve presente na comemoração. Em uma entrevista anterior ao jornal Brasil de Fato, ela explicou que as famílias agora residentes na ocupação Manoel Congo vieram de comunidades carentes na periferia do Rio e que a maioria dos moradores que trabalham não ganham mais de um salário mínimo.
Visto que os moradores vêm de comunidades historicamente marginalizadas, a ocupação Manoel Congo se inseriu nas grandes lutas pelos direitos dos cidadãos mais oprimidos e pobres do Rio. Bem como o próprio MNLM, a comunidade é “ligada intrinsecamente ao movimento dos trabalhadores e a movimentos pela justiça racial”, diz Almeida. Até mesmo o nome presta homenagem a um importante líder negro na história do Brasil. Manoel Congo foi um rebelde que liderou um dos maiores levantes de escravos na história do país, em um território que agora faz parte do Estado do Rio de Janeiro. Duas outras ocupações organizadas pelos MNLM no Rio–Maria Crioula e Solano Trinidade–também escolheram nomes de importantes afro-brasileiros, relacionando suas lutas históricas com as de hoje, enfrentadas, sobretudo, por estes afro-brasileiros, que são a maioria nos movimentos sociais. A casa de samba que em breve ocupará o primeiro andar da Manoel Congo se chamará “Casa de Samba da Maria Crioula” em homenagem a esta importante mulher que se rebelou ao lado de Manoel Congo.
O sucesso da Ocupação Manoel Congo gerou um animador contraponto à proliferação de empreendimentos para a classe média e para os negócios em favelas destinadas anteriormente à classe trabalhadora. Em seu site, o MNLM compromete-se em lutar contra a “remoção branca”–o sinônimo local para gentrificação–que vem sistematicamente alterando a paisagem urbana do Rio de Janeiro. Muitos estrangeiros e brasileiros mais ricos estão se interessando por estes locais, anteriormente fora de seus territórios, após a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Moradores de favelas como o Vidigal, Santa Marta e Rocinha veem o aumento do valor da terra em que vivem devido à especulação imobiliária e pela grande demanda externa. Este aumento do custo de vida muitas vezes obriga moradores, sobretudo aqueles que não são proprietários de suas próprias casas, a procurar novos lugares para ocupar, como as famílias da Manoel Congo.
Continuando seu trabalho contra a desigualdade e a criminalização da pobreza, o MNLM recebeu um “sarau divergente” na Ocupação Solano Trinidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, dia 20 de novembro. Os evento de resistência vão ao encontro da comemoração do Mês da Consciência Negra. Para maiores informações sobre este evento, clique aqui.