Esta matéria faz parte de uma série sobre veículos de comunicação comunitária.
Dezesseis comunidades. 130 mil moradores. 40 mil cópias do jornal. Esses números demandam uma estratégia operacional altamente organizada, e isso é exatamente o que Silvia Noronha e Luiz Gonzaga têm. Em meados de setembro, em uma sexta-feira à tarde, Gonzaga entra no pequeno escritório onde a equipe de redatores do Maré de Notícias procuram Noronha, a editora do jornal. Dois deles estão revisando a planilha que divide o número de jornais que irão para cada comunidade do Complexo da Maré e detalha um plano de ação. Os 40 mil exemplares da edição de setembro esperam por Gonzaga no andar de baixo na entrada para o impecável prédio de três andares com salas de aula da Redes de Desenvolvimento da Maré, pintado em um lilás característico que identifica as diversas propriedades da ONG espalhadas pelo bairro. As pilhas de jornal ultrapassariam a altura da maioria das crianças.
A equipe de distribuição de Gonzaga vai em grupo a cada comunidade e então se separam para entregar de casa em casa em cada rua. Eles estimam que entregam o jornal para aproximadamente 85% das famílias do Complexo da Maré. “Os distribuidores são membros fortes da equipe, muito importantes”, diz Noronha, “porque eles vão de casa em casa, passam por pessoas na rua que pedem pelo jornal, que querem comentar sobre algo, que querem oferecer sugestões de conteúdo”. Outros moradores ainda visitam o escritório da Redes ou mandam e-mail para os redatores para dar seu feedback direto. Noronha ri enquanto relata como a publicação de uma história focando em uma das comunidades do Complexo inevitavelmente levará a moradores de outra comunidade a entrar em contato com o jornal para dizer: “Mas aqui a gente tem isso também!”. Assim, os conteúdos de cada edição geram entusiasmo e idéias para novas edições.
Assim como outro importante jornal da Maré, O Cidadão, Maré de Notícias é construído a partir da ideia de que a opinião da comunidade deve ser fundamental na formação da direção das próximas publicações. A organização de base comunitária Redes de Desenvolvimento da Maré, ou ‘Redes’, que executa o jornal, é dedicada à transformação estrutural da Maré por meio de projetos que promovem educação, cultura, emprego e o fim da violência.
Antes de fundar o jornal mensal em 2009, a ONG conduziu uma pesquisa para saber mais sobre os hábitos de leitura dos moradores. A pesquisa possibilitou que soubessem que 9 a cada 10 moradores liam jornais e que queriam ler notícias sobre sua própria comunidade, mas que muitos ficavam incomodados pela maneira que as favelas da Maré eram retratadas pela mídia. Os moradores queriam informações sobre os eventos problemáticos e o rumo das comunidades, mas não queriam ler notícias carregadas de estereótipos sobre a Maré e favelas em geral. Portanto, o principal objetivo do jornal é o de combater os estigmas que aparecem frequentemente na mídia em massa.
Redes também projetou o Maré de Notícias de maneira que respondesse ao desejo dos moradores de “ver mais moradores nos jornais”. Portanto, os artigos da edição de setembro de 2014 variaram de entrevistas com dois moradores antigos que contam sobre chegar na Maré em 1952 e resistir aos esforços de remoção nos anos 1970, até uma notícia sobre a popularidade crescente do skate como meio de transporte e lazer na comunidade.
Na pesquisa, os entrevistados também queriam ouvir mais histórias positivas das favelas, e alguns mencionaram que queriam ver mais piadas e receitas. Na edição de setembro, notícias sobre personalidades locais estavam em peso, assim como a notícia de que o carteiro que entregou cartas na comunidade por mais de 30 anos e que brincava que cachorros não gostavam de carteiros porque nunca trazia carta para eles, se aposentou. O jornal ainda inclui uma charge com uma ironia no sistema de saúde pública, uma receita para shampoo antiparasita e notícias dos eventos culturais que estão para acontecer.
O jornal é administrado por uma equipe editorial de quatro pessoas, sendo três delas moradoras do Complexo de favelas. Além de Noronha, a equipe principal é composta de outros dois jornalistas e um fotógrafo, com um estagiário proporcionando apoio adicional. Mas o jornal não é composto só por eles: uma rápida olhada em qualquer edição revela que muito mais gente contribui com artigos e imagens ao jornal. A página de trás em particular é chamada de “Espaço Aberto” e pede desenhos, fotos, poemas, piadas e receitas e outros materiais aos moradores.
A equipe do jornal é responsável por manejar plataformas de mídia social, apesar de a página do Facebook e do Twitter existirem sob o nome da Redes, e não do jornal especificamente. Apesar de não ter um site correspondente, todas as edições do jornal podem ser encontradas no site da organização. O canal online mistura notícias pertencentes às comunidades da Maré, em geral com atualizações e eventos, especialmente atividades da própria ONG. Essa é uma diferença marcante entre o site e o jornal, que não enfatiza os projetos da Redes, e Noronha dá uma simples explicação para essa decisão editorial: “O jornal não pertence à Redes, pertence à comunidade”.
Dito isto, o jornal se beneficia imensamente das conexões estabelecidas pela Redes, com uma variedade de patrocinadores. Em particular, a Petrobras e a ONG internacional ActionAid têm dado apoio financeiro significativo ao jornal, cobrindo os custos de impressão, do processo de distribuição e a remuneração ao pessoal envolvido.
Apesar de garantir o financiamento ser sempre um desafio, em dezembro o Maré de Notícias completa 5 anos, e Noronha reconhece que a habilidade de sustentar um veículo de mídia comunitário durante todo esse tempo é um “privilégio”. Ela aponta para a recente pesquisa conduzida pela organização parceira, Observatório de Favelas, que constatou que mais de dois terços dos veículos de mídia comunitária e alternativa entrevistados por eles nunca tiveram financiamento. Até mesmo blogs com custos operacionais baixos demandam muito tempo. Comprometer-se à trabalhar na mídia sem pagamento, como muitos que trabalham nos veículos de mídia comunitária, é um grande desafio que ameaça a sustentabilidade e desenvolvimento dessas iniciativas.
O processo de manutenção do Maré de Notícias até agora tem sido um processo de revisões regulares, moldando continuamente e em seguida reformulando para atrair mais leitores com variados interesses. Noronha e sua equipe conduzem seu trabalho com a convicção de que “é uma característica de comunicação coletiva estar sempre em mudança,” encarando a necessidade de mudar junto com as rápidas mudanças da comunidade. Enquanto eles impulsionam o debate público fundamental para o fim do estigma das favelas, a equipe editorial está disposto a ser conduzida por seus leitores.
Para mais informações visite o site da Redes de Desenvolvimento da Maré, ou siga suas novidades no Facebook e no Twitter.
Esta matéria faz parte da série sobre veículos de comunicação comunitária.