Ao menos quatro pessoas foram mortas e duas pessoas ficaram feridas no Complexo do Alemão no dia 1 de abril, durante intensos tiroteios que começaram à tarde e continuaram pela noite. Uma criança foi morta no último dia 2.
Segundo relatos iniciais da mídia comunitária sobre o dia 1 de abril, quatro pessoas foram atingidas pelo tiroteio em torno das 3:30 e 4:00 da manhã, sendo duas delas mãe e filha, que estavam em casa quando levaram os tiros.
A mãe, Elizabeth Alves de Moura Francisco, faleceu a caminho do hospital, e sua filha, Maynara de Moura Francisco, de 15 anos, recebeu tratamento no hospital e está agora morando com parentes. Imagens perturbadoras dos últimos momentos da mãe foram filmados por um morador enquanto três homens a carregavam até um carro para o hospital, deixando para trás um caminho de sangue.
Perto da casa de Elizabeth, Rodrigo Farini, 24 anos, foi fatalmente atingido na cabeça. Imagens e vídeos de seu corpo estendido no chão foram amplamente compartilhados nas redes sociais. O Voz da Comunidade, jornal do Complexo do Alemão, relatou que outro homem foi atingido na mesma localidade em torno da mesma hora, mas ele não foi identificado e a sua morte não foi confirmada.
O Coletivo Papo Reto relatou no Facebook: “Moradores gritam pelas ruas: ‘covardes!’, porque eles [a Polícia Militar] atiraram no rapaz enquanto ele estava saindo de um beco. Eles começaram a atirar no ar para que os moradores não chegassem perto, arrastaram o rapaz para o beco e mataram-no. Covardes”.
Horas depois, moradores declararam que dois jovens foram executados pela Polícia Militar na Rua Canitar. Fotos repletas de sangue da cena do crime foram amplamente divulgadas nas redes sociais, e foi relatado que os corpos foram empilhados em um carro de polícia e levados para outro local. Versões divergentes desse acontecimento emergiram. Segundo O Globo, pelo menos um dos dois rapazes foi atingido durante um tiroteio. De acordo com o jornal, Mateus Gomes Lima, 18 anos, foi levado ao hospital porém faleceu enquanto a outra vítima, de 16 anos, estava no hospital depois que ele foi atingido.
De acordo com posts nas mídias sociais, alguns moradores arrumaram suas malas e deixaram a favela porque estão cansados da violência diária que eles têm de enfrentar morando lá.
O Coletivo Papo Reto postou no Facebook: “Estou cansado dessa guerra, cansado de todo dia ter a notícia de que outro jovem foi morto! Estou cansado de ser impossibilitado de ficar em frente a minha casa e não ser atingido! Nós estamos vivendo no Complexo do Alemão em um tempo de números… número de mortes que cresce todo dia”.
Um post no site Alemão Notícias, escrito por Viviane Ribeiro, relatou o terror que se mantém presente na comunidade: “Os mais novos e as crianças convivem com essas cenas todos os dias, e eles crescem sem esperança de mudança em sua qualidade de vida por causa do Estado e dessa sociedade, que fecha os olhos todos os dias para a realidade nas favelas”.
Moradores usaram a mídia social para questionar o conceito de pacificação e a efetividade da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Complexão do Alemão. “Isso é um pesadelo”, postou Alemão Morro. “Um pai segura a mão de sua criança morta. Uma mãe morre dentro de casa e sua filha é atingida enquanto tenta ajudá-la. Moradores tentam ajudar e são torturados com spray de pimenta e bombas. Isso é pacificação?”
Uma mãe da comunidade expressou seu medo: “Tudo que nós temos é tragédia. Se minhas crianças vão pra esquina da rua, eu fico com medo. Eu nunca mando eles comprarem pão porque eu fico com medo. Eles vão pra escola porque eles têm de ir, mas eu fico ligando pra eles até eles chegarem em casa.”
Voz da Comunidade resumiu a situação: “Com essas mortes, nós alcançamos o número de 22 pessoas atingidas por balas somente esse ano no Complexo do Alemão, com 10 mortos e 12 feridos. São 90 dias sem trégua, sem paz nenhuma para os moradores do Complexo do Alemão. No dia 19 de março outra jovem foi atingida em frente a sua casa. Vanessa dos Santos, 38 anos, foi fatalmente atingida enquanto conversava com vizinhos na porta de sua casa”.
En seguida, ontem, dia 2 de abril, a mídia comunitária documentou que um menino, Eduardo Jesus Ferreira, de 10 anos de idade, foi fatalmente atingido na cabeça por policiais. Vídeo e fotos do corpo do menino e do desespero da mãe se tornaram virais nas redes sociais.
Moradores também foram às mídias sociais para reclamar sobre a cobertura dos conflitos pela mídia, frustrados com o fato da grande mídia não estar interessada em entrevistar moradores ao vivo.
O ativista e empreendedor Anderson França Dinho explicou porque a violência é pior do que era antes do programa das UPPs.
Ele escreveu: “Eu posso dizer, pegando o Alemão como referência, que a gravidade da situação da violência relatada pelas mídias coletivas evoca o contexto de 2006 e 2007. Apenas naquela época o Comando Vermelho era visível. Nós sabíamos quem estava atacando quem. Agora, apesar de o público não ter nenhum conhecimento sobre quem a polícia esteja atacando, há uma cota diária de moradores morrendo. Entenda o conflito: as vítimas são, quase exclusivamente, moradores. Estudantes, trabalhadores, homens e mulheres, chefes de família. E isso pode ser provado por suas famílias na delegacia, com seus documentos”.