Quase sete anos após a implementação da primeira UPP no Santa Marta, a ambiciosa política de segurança que visa a tomada do controle dos territórios das favelas do tráfico de drogas mostra grandes sinais de fraqueza. Iniciando o ano de 2015 com disparos diários em favelas pacificadas, no dia 6 de fevereiro, o governo do Estado do Rio publicou um decreto oficial estabelecendo um programa encarregado de garantir a institucionalização e o impacto das políticas de pacificação.
O decreto oficialmente cria a Comissão Executiva de Monitoramento e Avaliação da Política de Pacificação (CEMAPP) um corpo técnico responsável pela implementação das políticas públicas no interior dos territórios controlados pelas UPPs. O objetivo principal da comissão é encorajar o diálogo entre a sociedade civil e as diferentes secretarias governamentais–como as de: educação e prevenção de consumo de drogas, cultura, esporte, saúde, habitação, serviços sociais e direitos humanos–para fortalecer os programas sociais dentro das comunidades. O CEMAPP é presidido pelo Governador Luiz Fernando Pezão e está formado por 14 secretarias estaduais junto com representantes do setor privado.
O governador Pezão admitiu: “É inegável que tivemos problemas com as UPPs. Construo o CEMAPP como um meio para discutir esses assuntos”. Ele declarou: “A meta é somar esforços para resgatar o projeto inicial das UPPs de garantir um legado social para as comunidades”.
Cada secretaria participante no CEMAPP tem 90 dias para apresentar um plano de intervenções para melhorar as políticas de pacificação do Estado. O decreto fundador afirma que cada plano deve envolver diferentes gabinetes técnicos em um ambiente de colaboração e trabalho multidisciplinar. O CEMAPP, em estreita colaboração com a Secretária de Segurança do Estado (Seseg), priorizará então os assuntos mais urgentes. O Seseg é responsável pela implementação atual do programa de pacificação, e por promover e fiscalizar a comunicação entre os conselhos de segurança comunitários, a parte interessada da sociedade civil, departamentos governamentais e agentes da segurança pública.
A comissão se reúne a cada 15 dias, para assegurar um progresso constante e o monitoramento.
Segurança Cidadã: Um avanço em relação ao policiamento de proximidade
O decreto estabelecendo o CEMAPP também alinha as políticas de segurança do Estado ao conceito de segurança pública proposta pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Do ponto de vista dos direitos humanos, a segurança é concebida como um direito ao qual todos os membros de uma sociedade estão autorizados, para poderem viver suas vidas com o mínimo de ameaça a sua segurança pessoal, seus direitos civis e seu direito de utilizar e desfrutar de suas propriedades.
A manifestação prática da Segurança Cidadã implica planejamento e implantação de políticas que considerem contextos locais únicos através de processos participativos, com a colaboração de atores institucionais e da sociedade civil. Isto inclui ações para prevenir e controlar a criminalidade e a violência através de processos de desenvolvimento individual e social. O PNUD sugere que programas satisfatórios de segurança cidadã requeiram um governo local forte, um forte apoio institucional para as plataformas de participação, e como resultado potencial destes dois pontos, políticas de integração social que veem os assuntos de segurança inerentemente entrelaçados com outras áreas chaves de desenvolvimento econômico e social.
O CEMAPP reflete este foco em uma liderança forte do governo e acentua a importância da participação comunitária juntamente a colaboração efetiva de vários departamentos governamentais e as partes interessadas. No início de março deste ano, Pezão disse: “Queremos retomar esse processo, mais forte, e ver como o Estado, a Prefeitura e o governo federal podem estar se somando ao entrar nessas comunidades com serviços. E tirar a carga da Polícia Militar em uma série de serviços que são demandados hoje e que não tem nada a ver com segurança pública”.
Uma pergunta significativa ainda sem resposta, no entanto, é como exatamente a comissão fornecerá aos membros da comunidade oportunidades substanciais para participar e influenciar a política de segurança.
Do Café Comunitário ao Conselho de Gestão Comunitária
Atualmente, uma mudança significativa que impede a integração entre os territórios formais e informais do Rio de Janeiro é o fracasso do Estado em aplicar políticas e programas às necessidades reais das favelas. Em particular, o Estado fracassa em garantir os serviços sociais básicos, apesar de promessas de programas novos repetidamente. Como consequência direta, os moradores de favela normalmente têm pouca fé na capacidade do Estado de fornecer soluções viáveis a seus problemas e para melhorar a sua qualidade de vida.
Marcelo Silva, presidente da Associação de Moradores do Vidigal explicou: “A participação dos moradores nas resoluções dos problemas que afetam o território representa um verdadeiro desafio hoje. As pessoas vêm à Associação só para reclamarem sobre os problemas. E muita vezes, isso acontece só quando eles são diretamente afetados. É muito difícil para os moradores se organizarem para uma ação coletiva”.
Buscando superar as lacunas técnicas na relação entre os cidadãos e as instituições públicas, o CEMAPP pretende transformar o Café Comunitário–o espaço existente de participação dentro das favelas–em um novo tipo de plataforma: o Conselho de Gestão Comunitária.
De acordo com Roberto Valente, comandante da UPP da Providência, “O Café Comunitário é organizado e administrado por policiais da UPP. Nestes encontros, as pessoas reclamam de problemas que não estão relacionados às responsabilidades da polícia, como água, rede de esgoto, eletricidade, transporte. Eu não sou o prefeito. A gente não pode dar soluções a este tipo de problema”.
A principal mudança proposta para o Conselho de Gestão Comunitária é que os oficiais da UPP e os líderes da comunidade colaboram na liderança e mediação das reuniões. Além disso, durante cada sessão do Conselho os assuntos expressados pelos participantes são escritos em um registro oficial e comunicados ao Governo do Estado e as instituições públicas diretamente responsáveis pelas resoluções dos problemas. Valente disse: “Este novo sistema permite monitorar e dar soluções imediatas aos problemas colocados por moradores. Isso se da devido a um diálogo direto com as instituições públicas. A idea do Conselho de Gestão é de colocar a comunidade como protagonista do processo. Nestes encontros, a polícia é só um participante, um suporte para a comunidade“.
São João: A primeira favela a receber o CEMAPP
O Morro do São João, localizado na Zona Norte, é a primeira comunidade a receber um programa de ações sociais e serviços públicos promovidos pelo CEMAPP. Conforme o estabelecido pelo decreto, os oficiais da UPP de São João participaram de um curso de treinamento com o Comando de Operações Especiais (COE), um braço da Polícia Militar. Os treinamentos cobrem técnicas de batidas e revistas, busca de armas, policiamento de proximidade, direitos humanos e mediação de conflitos. No dia 30 de março, a comissão visitou a comunidade para saber sobre as principais demandas dos moradores e realizar uma primeira avaliação dos investimentos a serem priorizados.
“O objetivo deste grupo de trabalho é garantir o acesso da população de áreas pacificadas aos serviços públicos, fortalecendo a política de pacificação. Desta forma, vamos ampliar a comunicação com os moradores e assegurar a expansão das UPPs”, declarou o secretário de segurança, José Mariano Beltrame.
O CEMAPP emerge no meio da crise de segurança no Rio de Janeiro. Agora mais que nunca esta crise mostra a negligência de um Estado incapaz de garantir aos seus cidadãos um acesso democrático e igualitário aos direitos humanos. Neste contexto, existem dois resultados possíveis. Ou o CEMAPP poderá vir verdadeiramente a construir plataformas para a colaboração entre cidadãos e governo restaurando a confiança no Estado e gradualmente aliviando a crise, ou poderá seguir o caminho das falidas tentativas prévias que parecem ter boas intenções, mas que no fim naufragam devido à falta de participação autêntica e vontade política.