No dia 4 de maio foi realizada, no Colégio Caic Theóphilo de Souza Pinto, uma audiência pública para investigar as violações de direitos humanos no Complexo do Alemão. A reunião foi organizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) devido aos três primeiros meses de 2015 repletos de assassinatos violentos cometidos pela polícia no Alemão.
A escola aonde ocorreu a reunião, atualmente, está sendo utilizada como base da UPP enquanto o prédio oficial está em reforma. Uns dias após o evento, os coordenadores da UPP anunciaram que removerão a base da escola.
Vestígios de tiroteios entre a polícia e os traficantes podem ser observados no edifício da escola: a parede principal está coberta de buracos de bala. A retirada da base da UPP, programada para algum momento deste mês, foi uma das muitas demandas dos lideres da comunidade na reunião da segunda-feira dia 4.
Mais de 200 pessoas assistiram à reunião, que foi a primeira da CPI realizada fora de Brasília. A CPI, a comissão de direitos humanos e educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e 17 associações de moradores colaboraram na organização do evento, que trouxe discussões acaloradas acerca do recente aumento da violência policial na comunidade. O objetivo do evento, de acordo com os organizadores, era gerar ideias concretas para mudanças e para permitir a criação de um espaço onde as vozes da favela possam ser “escutadas e respeitadas”. No entanto, alguns moradores abandonaram o evento decepcionados, já que só quatro moradores na platéia foram dados à palávra ao fim do evento de três horas de duração.
Representantes da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Alerj, da Polícia Militar, das secretarias estaduais de Educação, Assistência Social e Direitos Humanos estavam na mesa de 12 palestrantes. A mesa também incluía três moradores da comunidade selecionados por lideres ativistas do Alemão.
O evento durou mais de três horas. Cada membro da mesa foi permitido tempo para falar em uma discussão moderada pelo Deputado Estadual e dirigente da Comissão de Direitos Humanos, Marcelo Freixo.
Denize Moraes, mãe de um jovem motorista de mototáxi alegadamente assassinado pela Polícia Militar, deu início a discussão com o seu relato sobre sua experiência com a UPP e pedindo ao governo que repensasse o projeto de pacificação. Ela disse que as forças de segurança que supostamente deveriam proteger aos membros da comunidade estão matando-os.
Thiago Matiolli, um pesquisador, disse em seguida que a violência policial atual no Alemão procede da percepção comum de que a violência é uma característica inevitável de uma favela, não um produto social. Esta atitude é proveniente da criminalização institucional da pobreza, afirmou.
Udson Freitas, representante da organização Juntos Pelo Complexo do Alemão, adicionou que as pessoas na comunidade perderam toda a confiança que tinham nas autoridades.
“Toda base [da UPP] tem os bons e os maus e infelizmente aqui dentro estão propagando os maus e eles estão mandando os bons para a Zona Sul”, ele disse.
Depois que um morador relatou um episódio forte sobre como foi espancado pela polícia, o Coronel Íbis Silva Pereira respondeu a todas as críticas se desculpando pelo comportamento das forças policiais.
“Nenhum policial é educado, é formado pra dar soco na cara de ninguém, nenhum. Nenhum de nós tem esse tipo de formação, o que não impede, apesar disso, que esse tipo de desmando aconteça na prática, então eu quero pedir desculpas por isso.”
Marquinhos Pepé, Presidente da Associação de Moradores de Palmeiras, disse que inicialmente ele apoiava o projeto de pacificação da UPP. No entanto, ele afirma que agora é evidente que a UPP traz violência à comunidade se não estiver acompanhada por outros projetos sociais.
Os professores Matheus Mendes e Guilherme Moreira, da Escola Caic Teophilo da Souza, disseram que a chegada da UPP teve efeitos negativos na segurança e frequência de professores e estudantes. Moreira revelou que antes da implantação de UPP 1400 estudantes frequentavam a escola, agora esse número caiu para 700. A base da UPP que em breve será retirada do terreno da escola foi um fator nesta queda de frequência.
“Ou a escola ou a UPP porque os dois juntos não é possível”, disse Moreira.
A mesa foi interrompido várias vezes por membros da platéia, frustrados, que queriam relatar suas próprias experiências com a violência policial. No entanto, a maior parte do tempo foi empregada pelos representantes políticos da mesa. Ao fim da audiência, quatro membros da platéia selecionados–a ativista comunitária Mariluce Mariá, o fundador do Instituto Raízes em Movimento Alan Brum Pinheiro, o ativista comunitário Leonardo Souza, e o morador Andre Luiz Fernandes–receberam o microfone para expressarem suas preocupações e demandas.
Mariluce Mariá disse que gostou do evento e o considerou extremamente simbólico para a comunidade. No entanto, ela admitiu que muitas pessoas saíram insatisfeitos com a falta da participação do público.
“Quando chega ao morador a informação que vai ter uma reunião como essa, o morador entende que é para ele vir aqui pra falar, que todo mundo pode falar. É por isso que as pessoas estavam agoniadas. A maioria que estava aqui era mãe de aluno desta escola, todo mundo queria falar alguma coisa”.