Aos sábados na comunidade do Pavão-Pavãozinho, com vista para a praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio, crianças sobem os degraus até o pátio arejado da casa de Gabriel Abreu com cadernos em mãos. Eles se reúnem em uma mesa com suas canetas e lápis, enquanto um jovem voluntário escreve o plano de aula no quadro. Os estudantes são meninos e meninas de todas as idades que vivem na favela em que Gabriel cresceu e viveu sua vida inteira. No ano passado, Gabriel usou com sucesso os lucros do seu negócio de guia turístico na criação e instalação de uma pequena escola de inglês do lado de fora de sua casa. Embora a modéstia de Gabriel o impediria de aceitar essa descrição, ele é um empreendedor social extremamente brilhante, com um modelo de negócio fantástico para criar mudanças em sua comunidade.
Desde o começo dos seus tours na comunidade, ficou evidente que Gabriel se preocupa profundamente com a comunidade onde ele cresceu. Quando ele desenvolveu o tour, há cinco anos, uma de suas maiores preocupações era se esta atividade poderia trazer pessoas estranhas e indesejadas na comunidade de quase 20.000 habitantes. Ele temia que, aproveitando suas habilidades com línguas, outras pessoas da comunidade se sentiriam invadidas, ou pior, exploradas. Este é um medo legítimo, dado que o turismo em favela é justamente um assunto profundamente controverso, especialmente no Rio. Gabriel tem cuidado ao transcorrer sobre esta questão, abordando e corrigindo alguns dos problemas de outros tours. Ele começa abordando o grupo, assegurando-lhes que “favelas são lugares onde você se sente em uma comunidade, e por isso, deve sentir-se mais confortável do que ao andar pelas ruas e praias de Copacabana e Ipanema. Não é preciso se preocupar se o seu telefone será roubado, pois não será”. Em seguida, ele acrescenta: “Mas você está entrando em uma comunidade em que você precisa ser respeitoso com fotos. Não é legal tirar fotos de qualquer pessoa passando. Você também vai notar que muitas pessoas mantém suas portas abertas. Por isso, tenham respeito com casas e suas vidas pessoais”.
Além de fornecer as habilidades de como se portar para todos visitantes, Gabriel passou a aceitar o turismo nas favelas porque ele baseou sua missão não na obtenção da piedade ou da atenção de turistas, mas ao invés disso, ele buscou gerar compreensão, mostrando como as favelas são bem diferentes de como são retratados na mídia. “Eu só quero que as pessoas vejam com seus próprios olhos. Eu não quero mudar a percepção de ninguém”, afirma. Gabriel sabe que a sua comunidade e as outras favelas no Rio tem qualidades que são invisíveis, negligenciados ou mal interpretados: “Para os turistas que vêm visitar o Rio, não importa para eles se irão para o Santa Marta, a Rocinha ou Vidigal–desde que eles vejam uma favela”. Por isso, é responsabilidade do guia de turismo, na opinião de Gabriel, proporcionar uma experiência informativa, sustentável e positiva para todos os envolvidos.
A verdadeira paixão de Gabriel é a educação. Quando criança, ele teve a sorte de ter aulas particulares de inglês, mas lamenta que este não é o caso para a maioria das crianças em favelas. Gabriel, desde então, aprendeu sozinho francês e espanhol e está trabalhando para realizar seus tours em alemão também. Para Gabriel, a educação está entre os maiores problemas na comunidade, juntamente com recolhimento de lixo e questões de acessibilidade–aspectos que não são devidamente tratados pelo governo. Ele diz: “As crianças vão à escola apenas cinco horas por dia, quando seus pais gastam pelo menos oito horas no trabalho. São três horas em que as crianças não estão sem cuidadas ou acompanhadas”.
Gabriel para o grupo em um canteiro de obras onde máquinas de cimento, tratores e poeira branca marcam o início de uma estrada, controversa, destinada a ligar as favelas do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo à estação de metro e o elevador. “Como você pode ver, o governo ainda está trabalhando neste projeto“, ele diz com humor. “A estrada chegou a quase 50 metros…nos últimos oito anos”. Quando ele diz isso, um jovem rapaz pula de um parapeito atrás dele, fazendo movimentos de mão e repetindo palavras em inglês com erros, ganhando atenção e risos mal ocultos da audiência. Gabriel sorri e vira, ajudando o garoto descer. “E agora você vê! Esta é exatamente a razão pela qual eu comecei a escola de inglês. A ideia começou quando eu estava fazendo tours como este, e eu vi as crianças interessadas em aprender sobre o que eu estava dizendo”. Gabriel abraçou esta demanda da comunidade, reunindo suas habilidades com as línguas e seus lucros turísticos. Ele admite que neste estágio inicial de sua escola ainda existem problemas e as dores de crescimento que precisam de solução. “O maior problema que tenho é encontrar alguém que saiba ensinar e desenvolver um currículo adequado e duradouro para os alunos”, ele observa.
Ao longo dos últimos seis meses, Gabriel tem trabalhado em seu modelo de negócios com seis estudantes da faculdade de MBA da Universidade da Carolina do Norte, EUA. Sob a direção da professora Lynne Gerber, esses alunos têm fornecido uma consultoria atenciosa, inclusive passando duas semanas no Rio com Gabriel para conhecer sua comunidade, aprender com outros tours em favelas, e ajudar com a marca e o marketing. Eles também trabalharam para definir um plano curricular e um plano de expansão para a escola de inglês. Os estudantes, compostos por quatro candidatos de MBA e dois alunos de graduação, apresentaram suas recomendações, sugestões e alterações para o Gabriel antes da sua partida. Uma das recomendações foi lançar, rapidamente, um site oficial em português, inglês e espanhol; e também novos nomes e logotipos para sua empresa de turismo e escola e folhetos de marketing para aumentar a visibilidade.
Além disso, eles sugeriram parcerias educacionais para ajudar a fornecer orientação curricular, e também para fazer conexões com possíveis voluntários. Favela Connection, o novo nome da empresa de turismo de Gabriel, agora tem presença em diversas plataformas de mídia social e está pronto para atrair visitantes curiosos e respeitosos para as vibrantes favelas do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho.
Deste ponto em diante, Gabriel pretende expandir sua escola de inglês, agora oficialmente chamada “Pavão Acima”, para a incorporação crucial de aulas após o horário escolar, visando acomodar muitos estudantes que queiram aprender. Ele ressalta que com conhecimentos de inglês, seus alunos um dia terão a oportunidades para dar continuidade a educação, dar assistência nos principais tours ou começar suas próprias pequenas empresas. Ele observa: “Não posso mudar tudo. Eu sou apenas um, mas estou tentando mudar pequenas coisas para ajudar de qualquer maneira que eu puder. [A favela] precisa mudar, é claro.Precisa de uma série de mudanças. Eu só estou tentando fazer um pouco para torná-la melhor”. Gabriel está dando um exemplo para as crianças e jovens de que o desenvolvimento eficaz pode vir de dentro da favela.
Para saber mais sobre Gabriel, seus tours e programas, visite seu site, Facebook, YouTube e Instagram @favelaconnection.