Esta é a segunda de duas matérias que apresentam a Baixada Fluminense, pela pesquisadora Stephanie Reist*, com foco na cultura, no ativismo e a integração da região. Não perca a primeira, publicada ontem, com foco na história e economia da região.
Cultura e Ativismo na Baixada
A caracterização da Baixada Fluminense como periferia violenta e dominada pela pobreza falha ao não reconhecer a importância econômica, histórica e cultural da região na formação do Rio de Janeiro e do Brasil como um todo. Devido ao grande número de imigrantes nordestinos, majoritariamente negros, a Baixada tem uma das maiores concentrações de terreiros de Candomblé e Umbanda do estado do Rio. Casa-Grande de Mesquita é a continuação de um dos terreiros mais antigos da região, e importantes sacerdotisas do Candomblé, como Mãe Meninazinha de Oxum, em São João de Meriti, e Mãe Beata de Iemanjá, em Nova Iguaçu, vêm atuando na Baixada há décadas. O famoso poeta e artista afro-brasileiro Solano de Trindade também considerou Duque de Caxias seu lar, e uma das mais famosas ocupações da cidade tem o seu nome.
A Baixada é também considerada a casa de vários outros produtores culturais importantes. O coletivo anti-sexista Roque Pense! organiza um festival anual de bandas de rock femininas que coincide com o Dia Internacional da Mulher, tendo como objetivo combater a violência contra as mulheres. Território Baixada é uma sequência de debates e exposições que envolve produtores culturais, ativistas e pesquisadores que visam integrar e reformular a região.
Muitos líderes comunitários locais e organizações estão também trabalhando para reformular a imagem da Baixada. Após um dos massacres mais violentos da história do Rio, no qual a Polícia Militar matou 30 pessoas de forma indiscriminada, na noite de 31 de março de 2005, em Nova Iguaçu e Queimados, as dioceses de Nova Iguaçu e Duque de Caxias se uniram aos ativistas locais para criar o Fórum Grita Baixada, para denunciar a violência e monitorar os abusos dos direitos humanos na região. A Casa Fluminense, criada em 2013, conclama por políticas públicas que contribuam para o “fortalecimento da democracia e do desenvolvimento sustentável” na Baixada e Grande Rio como um todo. As duas organizações uniram forças durante o mês de abril deste ano para oferecer um curso sobre segurança pública, ministrado por ativistas locais e pesquisadores.
Integração Regional: Um Caminho a Seguir?
Muitos ativistas e formadores de políticas públicas vêem a ampliação da integração regional como o caminho a ser seguido na Baixada Fluminense. Em agosto de 2014, o governador do Rio de Janeiro, Luis Fernando Pezão, assinou um decreto que cria a Câmara Metropolitana de Integração Governamental. Representantes de todos os 21 municípios da Grande Rio discutiram e promoveram políticas públicas que terão impacto sobre toda a área metropolitana.
Para dar o primeiro passo do trabalho, a câmara, juntamente com a VozeRio e o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), organizou uma série de debates abertos, denominada Rio Metropolitano: Desafios Compartilhados, que contou com a presença de autoridades do município e da sociedade civil para discutirem a integração regional. Quatro debates foram organizados em quatro municípios diferentes da região: saneamento foi discutido no dia 5 de maio em Duque de Caxias, transporte no dia 11 de maio em Nova Iguaçu, segurança pública em Niterói no dia 20, e saúde no dia 28 de maio em São Gonçalo. A série de debates terminou no dia 11 de junho, na sede da Federação das Indústrias (FIRJAN), no Centro do Rio.
A questão da integração, entretanto, é quase tão antiga quanto as demandas pela reforma urbana que levam em conta as favelas do Rio. O Rio vem tentando integrar a governança da região desde que seu status de capital foi transferido para Brasília em 1960. E mais ainda a partir de 1975, quando o estado da Guanabara, que hoje corresponde ao município, e o Estado do Rio de Janeiro–que inicialmente abarcava todos os outros municípios do Estado, tendo a cidade de Niterói como sua capital–se fundiram como um só Estado.
Apesar da transição de capital nacional e estadual para capital do Estado e metrópole regional ter acontecido há 40 anos, o Rio de Janeiro continua a lutar com seu papel de metrópole. Atualmente o planejamento para megaeventos como as Olimpíadas não abarca a região metropolitana como um todo. Este planejamento está concentrado na capital, com alguns argumentando que nem isso é verdade, que apenas a rica Zona Sul e a Barra da Tijuca, bairro modelados em sistemas de condomínios fechados, são contemplados.
Para a Parte 1 sobre a história e economia da região, clique aqui.
*Stephanie Reist está pleiteando um Mestrado em Políticas Públicas e um doutorado em Estudos Latino-Americanos na Universidade de Duke, EUA. No Rio, ela tem trabalhado como bolsista Felsman no Projeto Raízes Locais, um projeto comunitário gerido pela Associação Terra dos Homens, em Mangueirinha, Duque de Caxias. Sua pesquisa analisa a dinâmica centro-periferia, pertencimento, cidadania e direitos sobre a terra.