Uma Primavera Feminista? Mulheres e Suas Causas em Marcha no Brasil

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Mulheres no Brasil estão em marcha. Isso é uma verdade no sentido literal, com as mulheres nas ruas de Brasília hoje para o encontro nacional da Marcha das Mulheres Negras, e nas últimas semanas em protestos contra uma proposta de lei para restringir o aborto em casos de estupro. Também é verdade no sentido de que as questões das mulheres, histórias e opiniões ganharam um destaque poderoso em debates públicos este mês.

Embora as questões em debate não sejam novas, o volume das conversas e o dinamismo do ativismo estão crescendo. Esta compilação de histórias tem como objetivo mostrar por que é um momento difícil, mas emocionante para as mulheres no Brasil.

Mapeando a violência contra a mulher

Os dados de 2014 sugerem que só 10% dos brasileiros acreditam que a questão da violência contra a mulher recebe mais atenção do que merece. Mas um novo estudo intitulado “Mapa da Violência 2015: Os homicídios contra mulheres no Brasil” oferece evidências que sugerem que a violência contra as mulheres necessita desesperadamente de soluções com urgência. Apresentado em Brasília em 9 de novembro, o estudo compila dados nacionais sobre mortes de mulheres no país, estados e cidades, de 1980 a 2013. Após a aprovação da lei Maria da Penha contra a violência doméstica em 2006, o número de “femicídios caiu de 4,2 mortes por 100.000 pessoas para 3,9 em 2007“, mas depois subiu para 4,8 mortes em 2013. Estes números fazem do Brasil o quinto país mais letal para as mulheres das 83 nações estudadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os resultados mostram que 50,3% dos 4.762 homicídios registrados contra as mulheres em 2013 foram cometidos por parentes, tornando a violência doméstica ou familiar a forma de violência letal mais comum contra as mulheres brasileiras.

No geral, o número anual de femicídios cresceu 22% entre 2003 e 2013, mas essa estatística esconde discrepâncias raciais. No mesmo período de tempo, os homicídios contra mulheres brancas caiu cerca de 10%, mas homicídios contra mulheres negras cresceu mais de 54%. As mulheres jovens também são mais vulneráveis ​​do que a média: mulheres de 18 anos de idade tiveram a maior incidência de homicídios, enquanto de 18 a 30 anos de idade responderam por 39% de todos os femicídios.

Mães e violência policial

Terezinha e Ana Paula em Londres

A versão de 2012 do mesmo Mapa da Violência apontou para quedas nas taxas de homicídio de jovens brancos e aumento das taxas de homicídio para jovens negros de 2002 a 2010. As mães de jovens negros mortos têm vindo a crescer em visibilidade, particularmente aquelas que perderam seus filhos para a violência policial. Esta semana, Terezinha de Jesus e Ana Paula Oliveira, mães que perderam seus filhos para a violência policial no Alemão e Manguinhos, respectivamente, estão viajando pela Europa com a Anistia Internacional para falar sobre suas perdas e crise de segurança do Brasil. A história de Terezinha recebeu recente atenção da mídia internacional desde que a polícia concluiu que os policiais que mataram seu filho, em abril, estavam agindo em “legítima defesa”.

Mulheres negras se posicionam

A violência contra as mulheres negras e suas famílias é uma questão chave na Marcha das Mulheres Negras que aconteceu hoje em todo o país. Os organizadores contaram com milhares de manifestantes em Brasília se pronunciando em nome das 54.9 milhões de mulheres brasileiras que se identificam como negras ou pardas. As mulheres marcharam por salários iguais, por respeito pelo papel social das mulheres negras, contra o racismo, contra a violência, e para o seu bem-estar. Em um artigo intitulado ‘Por que marcham as negras‘, a colunista Flávia Oliveira ressalta que, além de altas taxas de homicídios, as mulheres negras sofrem mais mortes relacionadas a complicações na gravidez e menores salários médios: 60% do salário médio das mulheres brancas, 75% dos homens negros e 40% dos homens brancos.

As questões que as mulheres negras brasileiras estão enfrentando são intensificadas nas favelas. Em um artigo intitulado, ‘O Grito de Socorro da Mulher Favelada’, da jornalista do Complexo da Maré, Gizele Martins, explica que a mulher normalmente em uma favela vive um ‘dia por dia’, porque “é sua casa que há mais de cem anos é removida nesta cidade maravilhosa, é o seu filho que há um século está sendo assassinado por causa da criminalização da pobreza”. Embora sua cultura, identidade, forma de falar e vestir e até mesmo o seu papel na gravidez são desvalorizados–o ex-governador Sérgio Cabral certa vez descreveu favelas como “fábricas para a produção de criminosos”–Gizele escreve que as mulheres da favela continuarão “falando, escrevendo, gritando e exigindo” seus direitos. Para a escritora Juliana Borges, o feminismo negro permite as mulheres a “bravamente amar”, realizar a “subversão de imagens e construções históricas”, e, finalmente, “destruir e transformar qualquer realidade opressora” frente a elas.

Tecnologia contra o assédio

Quando uma menina de 12 anos, concorrente no programa MasterChef Júnior foi alvo de tweets assustadores de homens, a jornalista e feminista Juliana de Faria começou a twittar sobre suas experiências de assédio quando era criança. A hashtag #MeuPrimeiroAssédio viralizou com mais de 90.000 tweets. Dezenas de milhares de mulheres compartilharam suas histórias de assédio e agressão enquanto crianças. Algumas mulheres compartilharam experiências em idades tão jovens quanto cinco anos, muitas vezes em espaços cotidianos desde o supermercado até à praia.

Nuvem de palavras do tweets #PrimeiroAssedio. Imagem por Think Olga

Outra resposta criativa para o assédio veio da estudante de 17 anos, Catharina Doria. Catharina criou um aplicativo chamado Sai Pra Lá onde se pode documentar o assédio e gravar a experiência (comentários verbais, contato físico, assobiando, etc.) e onde ele ocorreu. A criadora do aplicativo aponta a falta de informação sobre o assédio até agora: “Como ninguém nunca realmente denuncia o assédio, é como se não tivesse acontecido, então não conseguimos saber quantas vezes isso já ocorreu”. O resultado da coleta de dados do seu aplicativo é um mapa do assédio, o que deverá permitiras pessoas a combaterem melhor o problema.

#ForaCunha, #ForaPedroPaulo

Também este mês, as mulheres tomaram as ruas do Rio, São Paulo e Brasília para protestarem contra uma lei proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha–recentemente implicado no escândalo de corrupção federal–que visa restringir ainda mais os direitos das mulheres ao aborto. Atualmente, o aborto só é legal no Brasil nos casos em que a vida da mãe está em risco, o feto tem danos cerebrais ou a gravidez é resultado de estupro. O projeto de Cunha, lei 5069/13, exigiria a vítima de estupro uma testemunha para provar que ela foi estuprada, a fim de se qualificar para um aborto legal, através de provas de danos físicos ou psicológicos. Manifestantes discutem que fornecer a evidência não é sempre possível e que os métodos de provas exigidos poderiam ser invasivos. Muitas das manifestantes pedem a legalização do aborto como uma escolha da mulher, mas se o aborto deve ser restringido, elas se recusam a ver limitações adicionais colocadas sobre os direitos já existentes das mulheres, exigindo a remoção de Cunha do cargo com a hashtag #ForaCunha. Uma estudante e manifestante de 19 anos, afirmou: “Estamos aqui para barrar os retrocessos dele [de Cunha].

Cunha não é o único político recebendo protestos por parte de grupos de direitos das mulheres. As manchetes recentes destacam que o candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, bateu em sua ex-esposa, Alexandra Mendes Marcondes, em duas ocasiões, em 2008 e 2010, o que levou o ex-casal a organizarem juntos uma coletiva de imprensa. Alexandra Marcondes admitiu que ela tinha apresentado dois boletins de ocorrência à polícia contra o marido por violência física, mas ainda garantiu aos jornalistas que ele “não é um cara agressivo”. Ela evitou o escrutínio da mídia dizendo: “Qualquer casal tem briga”. Paulo acrescentou: “Quem às vezes não perde o seu controle?… Fomos um casal como outro qualquer. Quem não passa por isso?”. Estas declarações de desculpar o abuso doméstico, normalizando-o, enviam a mensagem distorcida que está tudo bem, que isso é comum ou até normal. Apesar de não ser tão popular como #ForaCunha, #ForaPedroPaulo também fez sua marca nas mídias sociais e nos cartazes e cânticos do protesto. Ambos os políticos foram alvos de slogans na quinta, anual, Marcha das Vadias no dia 15 de novembro, onde algumas centenas de mulheres protestaram contra a violência, discriminação, e a noção de que a roupa das mulheres instiga agressão sexual.

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Uma primavera feminista?

Juntas, as marchas, os dados, os artigos da mídia, os debates de mídia social e os aplicativos amplificaram uma necessidade forte e urgente de maior respeito pelas mulheres, independentemente das questões específicas em jogo. E a ação ainda não acabou. Na próxima semana, por exemplo, o Observatório da Prostituição vai sediar um curso intitulado ‘Uma Revolução Particular: O Movimento Brasileiro de Prostitutas‘, destacando uma outra faceta complexa dos direitos das mulheres que precisa de uma discussão maior e mais aberta.

Ativistas reivindicam espaço na mídia para declarar uma “primavera feminista”, afirmando que “o lugar da mulher é na política“. As  ativistas Helena Zelic e Sarah de Roure argumentam que esta “primavera feminista”, que vem na esteira de um “inverno conservador”, terá resultados duradouros. “Nossa luta cotidiana ganha força como uma ação permanente na defesa de nossas vidas, nossos corpos e uma agenda que se propõe a mudar o mundo através do feminismo”. O sucesso do feminismo, no entanto, deve ser avaliado de acordo com sua capacidade de consolidar suas posições e respeito à todas mulheres, especialmente as mais marginalizadas.