Neste Mês da Consciência Negra e até o final de janeiro de 2016, o Museu Afro Brasil em São Paulo está exibindo uma exposição a respeito da vida e obra de Carolina Maria de Jesus, a única escritora brasileira moradora de favela a ser publicada na língua inglesa durante os anos 1960. Em 1958, partes de seu diário foram descobertas e transformadas em seu primeiro livro, Quarto de Despejo, conhecido em inglês como Child of the Dark, que desde então foi traduzido para outros 13 idiomas.
A exposição “Carolina em Nós” contextualiza a vida de Carolina através de painéis, fotos e cenários construídos ao lado do Museu e de uma exposição livre na parte de dentro. O trabalho de Carolina Maria de Jesus foi aclamado internacionalmente e permanece como um testamento da batalha contra a pobreza, ao mesmo tempo em que realça as dificuldades inerentes à vida na favela durante aquele período.
“De manhã eu estou sempre nervosa. Com medo de não arranjar dinheiro para comprar o que comer. Mas hoje é segunda-feira e tem muito papel na rua. (…) O senhor Manuel apareceu dizendo que quer casar-se comigo. Mas eu não quero porque já estou na maturidade. E depois, um homem não há de gostar de uma mulher que não pode passar sem ler. E que levanta para escrever. E que deita com lápis e papel debaixo do travesseiro. Por isso é que eu prefiro viver só para o meu ideal.”
Carolina Maria de Jesus nasceu em 1914, na cidade de Sacramento, no Estado de Minas Gerais, em uma família de arrendatários e descendentes de escravos. Ainda que Carolina tenha sofrido por ser filha de mãe solteira, aprendeu a ler e escrever sozinha, depois de cursar a escola primária por apenas dois anos. Em 1937, sua mãe faleceu e Carolina mudou-se para São Paulo. Em 1948 Carolina engravidou de um marinheiro e, depois de abandoná-lo, foi morar em uma favela. Carolina lutou de todas as maneiras que encontrou para manter-se, algumas vezes trabalhando como empregada doméstica, cozinheira e arrumadeira pela sua nova vizinhança de Canindé.
Carolina, como muitos moradores de favela, construiu sua casa utilizando materiais da época, que ela tinha disponível–metal, latas, madeira compensada e tábuas que ela encontrava em um ferro-velho próximo–com seus filhos agarrados às suas costas. Usando sua escrita e leitura limitadas, Carolina registrava as atividades do dia-a-dia da sua vida na favela. Os vizinhos sentiam-se cada vez mais desconfortáveis por ela estar escrevendo sobre eles, e tratavam mal a sua família. Como uma mulher independente, ele se recusou a obedecer a certas normas sociais, negando-se a se casar devido a excessiva violência doméstica que ela havia presenciado e celebrava sua herança afro-brasileira, o que não era comum na época.
“Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Êles respondia-me:
— É pena você ser preta.
Esquecendo-se eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até acho o cabelo de negro mais educado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na cabeça êle já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações, eu quero voltar sempre preta.”
O diário de Carolina incluía comentários sobre detalhes da vida dos “favelados”, e a sua luta para manter sua humanidade, mesmo encarando uma pobreza esmagadora. As descrições de pobreza, fome e o destino da mulher pobre e negra durante os anos 60 feitas por Carolina, expunham a realidade que não era mostrada em outras literaturas do seu tempo. Quarto de Despejo foi extensivamente lido ao redor do mundo, fornecendo argumentos contra sistemas capitalistas e como uma evidência irrefutável da pobreza intransponível. Carolina começou a escrever seu diário nos anos 50 e explorou problemas de habitação, alimentação e cuidados médicos, além de outros direitos humanos que continuam problemáticos nas favelas ainda hoje.
Apenas três dias depois da publicação inicial, as primeiras 10.000 cópias foram esgotadas em São Paulo. Isso fez com que as impressões aumentassem em 90.000 cópias, indicando o sucesso que a obra teria no âmbito internacional. Colocando em um contexto, Carolina chegou a fazer concorrência nas vendas de seu colega brasileiro, o autor Jorge Amado. As demais obras de Carolina incluem outros diversos livros publicados, centenas de textos incluindo poesias, peças e marchinhas de carnaval.
O principal argumento de Carolina ao longo de toda a sua obra é focado na constante luta do pobre para superar sua realidade, e na sua busca pessoal por comida para sua família. Ela disse em seu livro “e então, em 13 de maio de 1958, eu lutei contra a atual escravidão–a fome!” Carolina lutou contra a pobreza de todas as maneiras que pôde e, embora tenha sido reconhecida internacionalmente, não conseguiu os direitos autorais da editora pelas suas versões traduzidas e batalhou para dar conta das suas despesas até o dia de sua morte em 1977.
Tamara David, coordenadora da exposição Carolina em Nós, disse: “Nossa intenção é reconhecer e dar a devida importância para a imagem de Carolina como escritora, não apenas porque ela era negra e catadora de material reciclável, mas para sua valiosa contribuição para a literatura brasileira.” Carolina emprestou sua voz para os menos afortunados. Mais do que um diário que mostra a jornada de uma mãe para alimentar seus filhos e evitar a fome, Quarto de Despejo foi um grito de socorro que precisa ser ouvido. Como escritora de sua própria história, mãe solteira e mulher negra, ela retratou uma realidade frequente até os dias de hoje.
A exposição Carolina em Nós está aberta ao público até o dia 31 de janeiro de 2016 no Museu Afro Brasil, em São Paulo. Para mais informações, clique aqui.