Esta é a segunda de uma série de três matérias sobre o coletivo de fotografia Imagens do Povo.
“Eu acho que a grande missão de um documentarista é ser um elo de bem querer entre quem fotografa e quem recebe a foto” – João Roberto Ripper, fotógrafo-documentarista
Baseado na Maré, na Zona Norte, o Coletivo de fotografia Imagens do Povo e a escola de Fotógrafos Populares priorizam a ideia de que a prática da fotografia é um “ato de companheirismo”. Enquanto que o primeiro artigo desta série destacou os fotógrafos ‘ativistas-repórteres’, este artigo realça os fotógrafos ‘arquivistas-documentaristas’ que trabalham com a preservação da memória e a celebração da vida cotidiana, examinando os eventos diários e as festividades da comunidade, com menos atenção para os distúrbios excepcionais como os megaeventos e as ocupações militares. Apesar desta série propor uma categorização dos fotógrafos, geralmente o trabalho de ambos os artistas possui características tanto do ‘ativista-repórter’ como do ‘arquivista-documentarista’.
Os Arquivistas-Documentaristas:
Paulo Barros
Fotógrafo e cineasta oriundo da Maré, Paulo Barros se formou pela Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo em 2009 e pelo programa de Educadores de Fotografia em 2010. Ele documenta a cena de música rock da Maré, produzindo filmes e seguindo as turnês de bandas da Maré, como o Canto Cego e a Banda Algoz, assim como também bandas internacionais. O trabalho de Paulo foi incluído na exposição Caçadores de Sonhos, da apresentação inaugural da galeria de arte da Maré Galeria 535. Ele também é membro do coletivo Favela em Foco.
Imagens do Povo ensinou Paulo “tanto sobre questões de ética e política quanto sobre fotografia”, ele conta numa entrevista que: “A fotografia também serve para expor o que é bom nas favelas, não só a violência e o tráfico de drogas que já estamos cansados de ver”. Paulo tem em alta consideração “a parte política, o lado mais engajado da fotografia humana”, que ele vê como uma “linha crítica” sobre as favelas ao denunciar questões importantes. Contudo, sobre o seu próprio trabalho, ele explica que continua fazendo isso mas que “faz as coisas um pouco de outra forma, focando mais na arte em si”.
Junto com uma cobertura da vida cotidiana e de eventos sociais, também têm destaque tanto na sua página no Flickr quanto no seu portfolios pessoal a música, a arte e os esportes urbanos, incluindo BMX, skate, grafite, e break. Paulo documenta o “grafite junto com outros elementos do hip-hop”, assim como também “algo muito específico na Maré, que é o rock”. Enquanto a maioria das representações dominantes sobre a cultura das favelas só fala sobre o funk, o pagode e o samba, na Maré “podemos encontrar uma realidade completamente diferente”, Paulo afirma: “Tem uma diversidade imensa, um montão de artistas de várias áreas, muitos músicos… e muitos músicos fazendo Rock”. Como ele diz, seu trabalho não é só sobre estar “acompanhando a arte e a cultura na Maré dando uma força com o que eu consigo fazer hoje em dia, que é fotografia dos shows e de divulgações”, é mais sobre a construção e a celebração “de redes, onde todo mundo é muito amigo e andam juntos, correndo atrás com talento, na briga, para fazer as coisas acontecerem”.
Confira o trabalho de Paulo Barros no Flickr.
Monara Barreto
Moradora do Complexo do Alemão, Monara Barreto se formou pela Escola de Fotógrafos Populares em 2009. Atualmente ela gere o banco de dados do Imagens do Povo e estuda Biblioteconomia na UFRJ. De 2008 a 2009, Monara participou da oficina ‘Memórias do PAC’, que documentou os resultados do PAC nas favelas do Complexo do Alemão. Ela também faz parte do coletivo Favela em Foco.
Monara explica que sua motivação vem do seu “interesse em organizar a memória, de preservar a memória da Maré, não só da Maré mas de todos espaços”. O banco de dados do Imagens do Povo que ela gere “é específico, pois é um pouco mais voltado para espaços populares, festas. É um acervo que muitos bancos de imagens não têm, pois temos acesso a vários lugares e registramos suas imagens e levamos para o público”.
Como moradora ela tem noção do estigma que as favelas recebem da mídia e sempre se perguntou: “por que os outros lados das favelas não são mostrados?” Ela documentou a cena de grafite da Zona Norte do Rio, sempre com o intuito de “mostrar o que as pessoas não estão acostumadas a ver”. Ela acredita que favelas e espaços populares “não são partes integradas na cidade, mas são partes dela”. Através da fotografia ela lida com as desigualdades históricas e desafia a mídia que ainda “separa a favela da cidade”.
Confira o trabalho de Monara Barreto no Flickr.
Ratão Diniz
Ratão Diniz foi capacitado pela Escola de Fotógrafos Populares e também é membro do coletivo Favela em Foco. Desde 2007 ele vem trabalhando no projeto Revelando os Brasis do Ministério da Cultura. Seu primeiro livro de fotografia, Em Foto, é uma coleção de imagens, depoimentos, entrevistas e reportagens de lugares, pessoas e eventos por todo o Brasil.
Numa entrevista, Ratão expressou que tem grande determinação em “tirar fotografias, conhecer lugares e pessoas, contar [suas] histórias, fazendo algo que possa contribuir com a sociedade de alguma forma”. Ele gosta de “pensar sobre fotografia mais como uma ferramenta cultural e política do que como um trabalho”. Sua fotografia pode ter um componente político, mas ele diz que “não é uma denúncia, ou vamos dizer que seja… Mas é uma denúncia mostrando a beleza, a beleza da favelas!”. Mostrar a beleza, a felicidade e a boa vontade, independentemente do contexto social e geográfico é a chave para enfrentar os estigmas.
“Eu me considero favelado porque favela é uma planta do sertão baiano, que resiste ao calor e o frio rigoroso do sertão. Então, meu irmão, assim como a planta eu acho que eu resisto à diversidade climática e a diversidade do ser humano. Essa diversidade tão complexa. Temos que ser favelados para viver a loucura dessas contradições nas nossas vidas.”
De acordo com Ratão, “a fotografia só fortaleça a identidade da favela”. Por isso, Ratão “nunca negou suas origens, sua história”, mas ele a tem reverenciado e usado na luta contra a discriminação e o preconceito.
Confira o trabalho de Ratão Diniz no Flickr.
Francisco Valdean
Da primeira geração de fotógrafos do Imagens do Povo, Francisco Valdean se formou pela Escola de Fotógrafos Populares em 2004. Formado em Ciências Sociais, atualmente ele é professor de arte e blogueiro. Ele também coordena o banco de dados do Imagens do Povo e dá aulas sobre produção de conteúdo web. Desde 2007, ele tem postado fotos e textos sobre cidades, especialmente as favelas do Rio de Janeiro, no seu blog O Cotidiano.
“Quando a questão da ocupação militar na Maré começou, um amigo propôs da gente organizar algumas atividades”, Francisco relembra durante uma entrevista. Aí eu respondi: “Sinceramente… Eu gostaria muito de ignorar!”. Francisco sempre manteve “que a favela não é ‘outra cidade,’ mas é parte da cidade”. Por isso, ele decidiu “não perder tempo com a militarização”. Como ele explica: “Eu desprezo um pouco essa realidade [da militarização], então decidi não documentar nada daquilo”. Documentar essa militarização do espaço seria “entrar na área do jornalismo fotográfico”, que ele acredita que, por natureza, aborda a favela do ponto de vista da “violência e catástrofe, sempre naqueles momentos que eu considero que o cotidiano é interrompido”.
Ainda assim, a ocupação da Maré pelas forças militares “não foi uma ruptura total”. Francisco acredita que a “vida mais pulsante das favelas não mudou!”. Ele trabalha para preencher o vácuo de “130 anos de memória visual de atividades e celebrações nas favelas” o que são “partes importantes da vida nas favelas e que são ignoradas”. Acima de tudo, Francisco procura capturar “a vida nos seus momentos mais complexos e completos”.
Confira o trabalho de Francisco Valdean no Flickr.
Andrea Cangialosi realizou um mestrado internacional em Sociologia nas universidades de Freiburg, Buenos Aires e Bangkok. Esta série é baseada em sua pesquisa como repórter para o RioOnWatch e trabalho de campo para sua tese Vida Pulsante: Rio’s Mega-Events Footprints, Oppressions and Resistances in Maré Favelas as Pictured by Imagens do Povo Photographers (Vida pulsante: As pegadas dos Megaeventos, Opressões e Resistências na Favela da Maré no Rio de Janeiro Retratadas por Imagens de Fotógrafos Populares).