A região do Porto do Rio tem recebido muita atenção nos anos que antecedem os Jogos Olímpicos com projetos de infraestrutura maciços, como a construção de um sistema de veículo leve sobre trilhos (VLT), inúmeros novos edifícios de vidro e a destruição de uma parte da Perimetral, em 2014. Infraestrutura cultural, como o Museu de Arte do Rio, o Museu do Amanhã, e o AquaRio, que será o maior aquário da América Latina, também estão surgindo na região do Porto em esforços para revitalizar esta área da cidade.
Menos visíveis, contudo, são as profundas raízes históricas da região do Porto, cujos defensores continuam trabalhando para chamar atenção e gerar reconhecimento. Em 16 de janeiro, o Instituto de Pesquisa e Memorial Pretos Novos (IPN), também localizado na Região Portuária, celebrou o 20º aniversário da descoberta importante de um cemitério de escravos na área.
Em 1996, quando a família Guimarães foi renovar a sua casa, os trabalhadores descobriram restos humanos localizados abaixo da casa. Após mais investigação, a casa foi confirmada ter sido localizada em cima do que foi chamado de Cemitério dos Pretos Novos, que refere-se a um grande túmulo comum onde os restos foram depositados de africanos escravizados que não sobreviveram até a venda, morrendo ou na viagem da África para o Novo Mundo ou no próprio Porto do Rio de Janeiro. Tinham rumores que o cemitério existia, e agora ele foi encontrado.
Oficialmente, os registros indicam que 6.122 pessoas foram enterradas no cemitério. Mas estima-se que os restos de entre 20.000 e 30.000 pessoas foram depositados lá, a maioria dos quais eram crianças ou adultos jovens. A família Guimarães é a única família que dedicou sua área para a preservação histórica, apesar de todo o quarteirão cobrir o cemitério. Uma reflexão brutal é inevitável ao visitar o local onde nenhum cuidado foi tomado com os corpos que foram esmagados ou desmembrados e queimados junto com o lixo.
O evento de aniversário representou o culminar de 20 anos de pesquisa, ativismo e resistência para preservar a memória desse importante pedaço da história mundial. O IPN usa seu espaço para educar os visitantes sobre a história afro-brasileira e o Cemitério dos Pretos Novos. Sua programação inclui passeios, eventos e, recentemente, uma série de exposições de arte apresentando artistas negros locais.
Cerca de 70-80 pessoas estiveram presentes dentro e fora do espaço no dia 16 de janeiro para pagar seus respeitos ao IPN e oferecer parabéns à família Guimarães pelo seu trabalho árduo. Às 4 da tarde os participantes se reuniram em torno dos memoriais no centro da casa para oferecer orações aos Pretos Novos. Depois, eles se reuniram no salão principal para uma mesa redonda onde ativistas, pesquisadores e outros que trabalham com o IPN comentaram sobre a importância do Instituto e do trabalho feito lá. Dança, comida e festa seguiram a discussão até a noite.
Thawan Dias, estudante de arte e morador do Rio, participou no evento para aprender sobre o Instituto e sua história.
“[Vim] porque sou negro e por saber a importância desse lugar como divulgador da historia dos meus antepassados. Quando você conhece o outro, você começa respeitar. A função do museu é passar uma mensagem da história do negro no Brasil. Quem visita respeita os negros. Aí, a gente consegue diminuir o racismo e desigualdade existente. Então o museu tem essa finalidade, para contar a história desse fato torturado e violento que aconteceu com os nossos antepassados”.
O tom do evento foi cheio de emoção e paixão. A família Guimarães contou a história de como as suas vidas mudaram com essa descoberta e a responsabilidade que sentiam para contar a história do espaço. Sua filha também explicou como crescendo em sua casa a inspirou a estudar arqueologia.
Uma participante e pesquisadora do IPN, Célia Santos, disse que a descoberta do Cemitério dos Pretos Novos é o que a levou a voltar para a escola. Ela agora está escrevendo sua tese de História intitulada “O Resto Reconhecido: A Morte Não Era o Fim” sobre o IPN e o Cemitério dos Pretos Novos.
“Aqui é um ponto de encontro para tomar conhecimento sobre os escravos”, explicou Célia, dizendo como ela era capaz de aprender mais sobre seus próprios antepassados através de sua pesquisa na IPN também.
Alberto Gomes Silva, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), também estava presente. Ele reconheceu que deve haver um maior esforço para aprender mais sobre a história do Cemitério dos Pretos Novos. Ele também falou sobre a importância da preservação do patrimônio imaterial do sítio e da necessidade de trabalhar duro para todos sermos melhores cidadãos e representantes da história. Notavelmente, não houve menção de como o CDURP irá trabalhar com o IPN em relação à remodelação da Região do Porto.
Outros ativistas comunitários enfatizaram a importância crítica do IPN não apenas para o Rio ou o Brasil, mas para o mundo inteiro. Cerca de 10 milhões de africanos foram escravizados e transportados para o Novo Mundo da África. Destes, 4 milhões chegaram pelo Brasil e cerca de 70%, ou 2,4 milhões vieram através de Rio. Isso faz com que o Rio seja o maior porto de escravos em toda a história humana e indica a importância do Cemitério dos Pretos Novos para o mundo. O palestrante enfatizou a importância de trazer mais desses patrimônios africanos sob proteção como o Cais do Valongo e o Quilombo da Pedra do Sal, e elogiou os esforços recentes para a candidatura destes espaços à Património Mundial da UNESCO. “Todo mundo precisa fazer mais, de trabalhar mais, para fazer que estas histórias sejam ouvidas”, expressou o alto-falante.
No futuro, o IPN espera expandir sua programação de exposições de arte para artistas negros locais e realizar mais tours. Santos, que passa muito tempo no museu para sua pesquisa, espera que o museu se torne mais conhecido e grupos de todo o mundo virão vê-lo e aprender sobre os Pretos Novos. Uma série de oradores na mesa-redonda também falou sobre a importância do IPN em influenciar debates sobre políticas para preservar a memória do lugar e do discurso público em torno do passado turbulento do Brasil.
“Não é apenas sobre a importância simbólica, é sobre a história real e o que aconteceu aqui.”