Na terça-feira, 16 de janeiro, o Prefeito Eduardo Paes recebeu perguntas de um grupo de aproximadamente 80 pessoas no OsteRio, evento organizado pela revista virtual Vozerio e o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).
O tom do encontro foi amigável, porém muitas perguntas foram críticas. A discussão abrangeu tópicos desde a Vila Autódromo e o legado das Olimpíadas para as favelas do Rio, tanto quanto a violência urbana, os investimentos da cidade em museus e a escolha do prefeito para o candidato que o sucederá, Pedro Paulo, que nega acusações de violência doméstica contra sua esposa.
A jornalista Julia Michaels perguntou ao prefeito sobre os planos para a Vila Autódromo durante e depois dos Jogos Olímpicos. Uma vez pressionado a tomar uma posição, Paes refez seu discurso de que a Vila Autódromo é o único caso de remoção que ocorreu diretamente por conta dos megaeventos, e acrescentou que o processo está quase no fim: “Só resta uma [família] que não quer sair, que é obrigada a sair. E das outras todas, que não precisam sair, têm trinta. Querem ficar e vão ficar. Não tem problema nenhum”.
O Prefeito Eduardo Paes tem afirmado repetidamente que parte da comunidade irá ficar, mais recentemente ao público para O Globo em outubro do ano passado e para a BBC Brasil em agosto. Entretanto, as atividades recentes das tropas de choque e da guarda municipal na comunidade, crescentes ameaças das autoridades municipais, e um aparente descaso com os danos causados no bairro pela construção do Parque Olímpico têm deixado os moradores em estado de pânico e na espera de truculência. Após saberem das últimas reafirmações do prefeito, os moradores postaram na página da comunidade no Facebook:
“Cadê o plano de urbanização prefeito? De nada adianta afirmar que as famílias que desejam ficar terão sua vontade respeitada, se na prática o que a prefeitura faz é tornar a vida na Vila cada vez mais difícil!”
Moradores e aliados que seguem a comunidade de perto ficaram chocados na manhã de 21 de janeiro, menos de 48 horas após a declaração do prefeito, quando 150 integrantes da tropa de choque entraram na comunidade, visitando os moradores das trinta casas que o prefeito disse que ficariam, informando que eles deveriam parar a construção. O comprometimento do prefeito de manter a Vila Autódromo parece constituir um “Cavalo de Tróia”, uma das estratégias documentadas pelo RioOnWatch usadas pela Prefeitura em locais onde pretendem remover uma comunidade muito visível. Nestes casos, declarações públicas são usadas para difundir a preocupação do público, enquanto por trás dos panos cenas de despejo apenas se intensificam.
No OsteRio, o prefeito continuou: “E os outros, todos saíram, voluntariamente”. Embora alguns moradores da Vila Autódromo receberem ofertas das primeiras indenizações a preço de mercado na história da favela, as ameaças dos oficiais da Prefeitura combinadas com a deterioração dos espaços públicos da comunidade fizeram com que mais moradores foram forçados a sair da comunidade do que a quantidade de indenizações aceitas sugere. O RioOnWatch documentou a história de vários moradores, incluindo a Heloisa Helena, Jane, Tadilmarco, Barrão, José, entre outros–que se sentiram forçados a aceitarem as ofertas para irem embora enquanto desejavam permanecer.
O prefeito lembrou a platéia que os que deixaram a Vila Autódromo tiveram a opção de aceitar apartamentos no Parque Carioca, um condomínio de habitação pública do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) localizado a um quilômetro da comunidade. “Para as pessoas que adoram fazer esses dossiês”, ele disse, provavelmente se referindo aos dossiês do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, sobre as violações dos direitos humanos à frente da Rio 2016, “eu convido eles a passar comigo no condomínio”. Enquanto algumas famílias antigas da Vila Autódromo com certeza estão agradecidas pelas novas casas, o RioOnWatch tem documentado um alto grau de insatisfação entre diversas famílias realocadas ao Parque Carioca e em outros condomínios do MCMV, devido a queixas de má construção, dificuldade de cobrir os custos, distância e violência.
A família mencionada pelo prefeito como a única que ainda falta ser removida vive no caminho de uma estrada de acesso recém-planejada para o Parque Olímpico. Eles estão entre os moradores que tem sido mais vocais ao longo dos anos, e se mantiveram fortemente envolvidos nas reuniões da comunidade, inclusive na geração do Plano Popular da Vila Autódromo, plano de urbanização popular premiado internacionalmente. O plano participativo, inicialmente projetado para urbanizar toda a comunidade, trazendo-a para o padrão e garantindo a todos os moradores a permanência ao lado do Parque Olímpico, foi atualizado por moradores e as duas universidades federais envolvidas de forma iterativa, a cada passo ao longo do caminho.
Quando pressionado sobre o que vai acontecer com a Vila Autódromo e a área do Parque Olímpico após os Jogos Olímpicos, o Prefeito Eduardo Paes disse que uma das arenas esportivas poderia ser transformada em uma escola. Ele negou especulações de que prédios de apartamentos de luxo serão construídos na área de imediato, enfatizando que é uma “área pública”.
Já sobre o legado das Olimpíadas para as favelas em geral, Paes destacou os avanços feitos nas favelas da Zona Norte e Zona Oeste no acesso primário aos cuidados de saúde pública, assim como a melhora da urbanização. Ele referenciou o programa de urbanização das favelas Morar Carioca e foi além listando as melhorias em relação a água, esgoto e iluminação pública.
Morar Carioca foi um plano municipal popular e premiado internacionalmente para a urbanização participativa das favelas, e ainda é promovido como um legado social fundamental das Olimpíadas de 2016. O objetivo foi urbanizar todas as favelas do Rio de Janeiro até 2020. Ele também prometeu um processo de seleção rigoroso para os escritórios de arquitetura responsáveis pelos projetos e sua implementação, e um grau de participação popular alto e influente na parte da comunidade.
Infelizmente, Morar Carioca na sua forma promissora original foi abandonado, conforme os meios de comunicação internacionais já reconheceram. A pesquisadora Kate Steiker-Ginzberg do RioOnWatch encontrou em 2014 que a marca do Morar Carioca foi usada para projetos que não cumprem as normas do programa.
As melhorias que o Prefeito Eduardo Paes listou não foram implementadas através do processo prescrito. Um robusto envolvimento da comunidade e significativa urbanização de favelas não têm sido características da sua administração. Ainda assim, ele insinuou que sua administração já levou a urbanização para todas as favelas através do Morar Carioca quando argumentou que “a única coisa que não foi cumprida, que era uma promessa olímpica… é a questão da Baía de Guanabara“.
Enquanto os depoimentos do Prefeito visam oferecer tranquilidade aos moradores do Rio e aos defensores das favelas por toda a cidade e o mundo, também dão um lembrete de promessas não cumpridas. Não são apenas os moradores da Vila Autódromo que estão perguntando: “Onde está o plano de urbanização, Sr. Prefeito? ” Todos nós podemos perguntar: Onde está o legado das Olimpíadas para as favelas, Sr. Prefeito?