Pelas avenidas, pelas calçadas, pelas praças, becos e pontes de São Gonçalo, lá estão eles! Sempre cheios de sacolas e seus pertences entulhados, os moradores de rua, estigmatizados “mendigos” pela sociedade, seguem seus dias sem rumo e sem destino. Dependentes de doações de alimentos e esmolas, assim, eles vão vivendo…
Cada um tem sua história, seus “podres”, seus sentimentos e seus sonhos. Por vezes, morar na rua é uma escolha, por outras, é uma solução. Há aqueles que perderam tudo e foram abandonados por suas famílias. Há também outros foragidos da justiça ou do tráfico, que precisaram deixar suas residências em busca de segurança.
São Gonçalo é uma cidade com aproximadamente 800 moradores de rua. Eles costumam se agrupar em si e compartilhar dos mesmos alimentos e das mesmas distrações. No inverno, eles se protegem do frio com papelão e alguns lençóis vindos de doações. No verão, eles esperam pela chuva da tarde para tomarem seus banhos.
Espertos, esforçados e persistentes, eles lutam dia a dia pelo sustento de diversas formas. Apesar de existirem muitas instituições que distribuem quentinhas no fim da noite, eles não ficam contando com isso. “Trabalho no ferro velho, cato frutas no lixo e mato um leão por dia para me virar”, diz o ex-presidiário F. N, 23 anos, que está foragido da Justiça depois de um período de quatro anos preso. Ele explicou que se ele voltar para sua casa, os policiais vão prendê-lo. F. N afirmou que desde os seus 13 anos, já foi gerente de boca de fumo, defensor de patrão e “olheiro” (atividade que consiste na vigilância da chegada da polícia na favela). Hoje, disposto a abandonar o tráfico, ele sonha em recomeçar a vida e entrar para a Marinha do Brasil. “Isso aqui não é vida! Não quero pra ninguém! Do jeito que está a gente vai se mantendo. Se vou estar vivo amanhã? Só Deus sabe”, comenta ele, emocionado.
Além dos mendigos foragidos, há casos de pessoas que perderam suas casas por causa das chuvas, enchentes e desabamento. Há também uma quantidade significativa de pessoas expulsas de suas casas por desentendimento familiar e que não tiveram para onde ir. “Quando eu tinha 14 anos, fiquei grávida. Aí meu pai quase quis me matar e me expulsou de casa. Não tinha para onde ir e também não quis ficar dependendo do favor de ninguém. Hoje estou aqui e sobrevivi. Quero distância da minha família, ainda que para isso tenha que morar na rua”, explica Mariana Pereira, 19 anos, que está na rua há três anos. Quando seu filho nasceu, ela o abandonou na porta de uma igreja e sumiu. Arrependida e desesperada, ela tenta reencontrá-lo até hoje.
Um dos maiores problemas enfrentados pelos desabrigados é o preconceito. Sujeitos a maus-tratos e ignorados pela sociedade, eles sofrem com a indiferença da população em relação a eles. “A falta de humanidade com o próximo é uma dor que não tem remédio que cure. Se eu estou deitado e levanto, as pessoas da calçada correm, com medo. Quando chego em uma lanchonete, as pessoas saem de perto”, desabafa Marcelo Batista, 27 anos, ex-presidiário e integrante do grupo de pagode “Os Gamadinhos”. Ele nunca perdeu sua esperança de uma nova vida. O pagodeiro tem casa, família e filhos, porém não pode voltar para sua casa. Antes de ser preso, a facção predominante na sua área era CV (Comando Vermelho). Quando saiu da prisão e voltou para sua comunidade, a comunidade havia sido tomada pela facção ser ADA (Amigos dos Amigos). “Os bandidos já invadiram minha casa várias vezes. Até hoje eles vigiam a casa da minha mãe. Confesso que já fiz muitas maldades, mas me arrependi e sei que nunca é tarde para consertar os erros do passado”, finaliza ele, com um suspiro de esperança e um sorriso meio inibido.
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