Uma comunidade marcada pela solidariedade entre os moradores no centro do Rio de Janeiro sofre riscos de remoções de diversas casas. Lugar de moradia hereditária, ou seja, os pais vão passando suas casas para os seus filhos e assim por diante. Lugar cheio de atributos, atrações e diversões. Tem de quase tudo! Festa caipira, cruzeiro, catecismo, pagode, filme na praça, futebol, pique–esconde, churrasco e uma vista maravilhosa. A mais antiga favela do Rio, o Morro da Providência abrigou soldados que voltaram da Guerra de Canudos, terminada em 1897, no sertão da Bahia.
Uma das áreas mais afetadas pelas remoções previstas pelo projeto Porto Maravilha é a escadaria, ao longo da qual quase todas as casas trazem a estigmatizante pichação da Secretaria Municipal de Habitação – um SMH seguido de um número. As que ficam à esquerda de quem sobe, serão removidas com base no laudo que enquadrou aquela área na categoria de risco, vulneráveis a desastres naturais. As que ficam à direita de quem sobe vão dar lugar a um plano inclinado e um teleférico até meados de 2013. No dia em que visitamos a favela, o fotógrafo e líder comunitário Maurício Hora estava comemorando a notícia de que o lado direito da escada seria poupado das remoções.
A íngreme escadaria poderia servir para dividir a reação dos moradores da Providência em relação à remoção: de um lado, os inconformados; do outro, os conformados. Aqueles que se importam e os que pouco se importam, contanto que tenham onde morar. Ana Maria Ferreira, dona de casa, mãe de seis filhos, moradora da Providência há mais de 20 anos, lamenta o risco de se separar dos vizinhos tão queridos com que convive a tanto tempo. “É um verdadeiro pesadelo. Uma dor sem explicação ter que abandonar o lugar onde eu cresci, onde eu criei meus filhos . O relacionamento com a comunidade é tão bom! As famílias se juntam, a gente faz festa, fica até tarde na rua batendo papo sem perigo nenhum” contou Ana, que desconhece seus direitos e as razões para as remoções e por isso, não questiona nem contesta as decisões da Prefeitura.
Organizador das famosas chopadas da comunidade, Luís Cláudio Monte ficou indignado com a frieza dos técnicos da SMH, que marcam as casas e vão embora sem maiores esclarecimentos aos moradores do que o de que a Prefeitura vai pagar um aluguel social de R$ 400 entre a remoção e a construção de um conjunto habitacional nas proximidades. “Daqui eu não saio! Não saio mesmo! Sou contra a má administração desse projeto. A Prefeitura fala que a gente invadiu aqui, mas foi a gente que construiu. Eles não deram satisfação, ninguém veio conversar. Eles estão tirando algo nosso”, vociferou Monte, indignado.
Por outro lado, há aqueles que encontraram nas remoções a solução para os seus problemas. Alguns moradores insatisfeitos com a vida dentro da comunidade aguardam ansiosamente para serem realocadas ou indenizadas. Um caso curioso é o nordestino José Pedro dos Santos, 56 anos, há 10 anos na Providência. Desde a morte de sua esposa, que sofria de fibrose pulmonar, ele só não voltou para a Paraíba, seu lugar de origem, por não ter dinheiro. “A minha vida toda foi de sofrimento, de dor e de tormento. A minha estrela não brilhou. A vida é frágil e nesse mundo tudo é ilusão”, cantou ele a canção de um autor desconhecido, que conta a história da sua vida. Ele não faz questão da sua casa, nem tampouco do Morro da Providência. No lugar de casa nova, ele quer uma indenização para poder voltar para sua terra e rever seus filhos.
O caso da dona de casa Maria Eliane dos Santos, 30 anos, mãe de 3 filhos, não é muito diferente. Com dificuldade de subir e descer a escadaria da Providência desde que um acidente comprometeu os movimentos de sua perna esquerda, ela aguarda ansiosamente o dia em que a coloquem em um lugar plano. “Além disso, meu filho mais velho está correndo risco de vida aqui, depois que se envolveu com os traficantes“, diz ela, que quer sair da comunidade mesmo que a cirurgia de alongamento da perna, marcada par breve, seja bem-sucedida.
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