“Sinto saudades da minha Providência”, exclamou Eron César dos Santos, morador do morro há 44 anos ou simplesmente toda sua vida. O homem de óculos, com marcas de uma queimadura no braço esquerdo é o responsável pela igreja de Nossa Senhora da Conceição, no alto do lado direito – quando a referência é a Central do Brasil – da favela de 104 anos.
O pai sergipano e a mãe portuguesa se encontraram na capital da nação em 1950. Ele, que já havia procurado emprego em São Paulo, por azar transformado em sorte veio ao Rio para se apaixonar por ela, a jovem portuguesa com um transtorno mental cujo tratamento era impossível de ser feito em sua terra natal, e que migrou escondida – com a passagem e o passaporte de outra pessoa – para o Brasil, atrás de tratamento na Santa Casa de Misericórdia.
Casados estabeleceram-se na antiga favela da ladeira e posteriormente na casa paroquial que é moradia de Eron, o filho mais novo, até hoje. “Aquela igreja é uma das mais antigas do Rio. Lembro que o pároco daqui na época em que meu pai era o zelador contava que a construção era de 1913, mas tanto eu quanto meu pai acreditamos que ela vem de antes”, conta.
A casa de Eron, mesmo pertencendo à igreja, não tem título de posse. “Muitos moradores terão de ir embora por causa da prefeitura, isso esta dando uma briga feia. Não me meto muito nessas questões, tenho alguns pensamentos diferentes dos que estão a frente desse movimento”, explica ele que não possui sua casa marcada pelo SMH, “Gostaria de ter a propriedade do terreno, isso facilita muitas coisas. Meu pai que reformou toda essa casa e eu que mantenho – com auxilio de doações – seu funcionamento, tanto quanto o funcionamento da igreja”.
O Morro da Providência, gigantesco geográfica e historicamente, despertou em Eron o desejo de escrever um livro com seus contos e lendas. Já há um ano ele recolhe, apaixonado pelo projeto, memórias da infância, histórias dos mais antigos moradores. “O rascunho já esta quase pronto. Vou correr atrás de uma editora para lançá-lo”, conta com animação.
“Toda minha vida, minha infância, meus namoros, tudo se passou aqui. Sinto falta da Providência onde as crianças brincavam sem medo, onde se batia papo no portão até a hora que o sono chegasse”, relembra enquanto descíamos as escadas levando as crianças para a escola – Arthur, seu filho de três anos e Beatriz uma sobrinha de dez. “Eu sempre levo eles e quando mais alguma criança cujo pai, mãe, tia esta muito ocupado. Da mesma forma como fazem por mim. Na volta, quem os traz é minha irmã”.
Pacificada já há um ano, a Providência conta ativamente com uma Unidade de Policia Pacificadora, mas a memória dos moradores do morro com os desmandos do poder público permanece em carne viva, “aqui, como em qualquer outra favela, se tem mais medo de policial que de bandido”, diz em tom mais baixo.
Uma das grandes reclamações, não apenas de Eron, com a chegada da UPP, é com o espírito de instabilidade que sonda agora as vielas. “Sou a favor do poder público, quando atuando corretamente, dentro da favela. Temos que caminhar de forma legal. Mas nesse projeto tem muita, muita coisa errada”, comenta, “Na rua fica esse ar de dúvida do que vai acontecer em dez minutos. Somos privados de, por exemplo, comemorar aniversário com festa que passe das dez da noite. E ficamos com medo de deixar as crianças sozinhas. Por que com o morro partido a gente sabia o que fazer, pra onde ir. Com esses homens de farda não se sabe como se comportar”, confessa e muda rapidamente de assunto.
Chegando a Escola Padre Francisco da Motta, conhecido pelos moradores como ADRIO, aos pés do Morro da Conceição, Eron se despede das crianças e antes de partir para o supermercado, e se despedir também de mim, conta sobre seu projeto de capoeira na praça da igreja. “São, na maioria, crianças de três a oito anos. Todos os sábados nós estamos lá com nossa roda. Acho muito importante, não apenas a prática do esporte, como o resgate cultural da Providência. Nossas músicas de capoeira são compostas de acordo com o que acontece na comunidade, além de que incentivo às crianças a pesquisarem a história do morro”, conta orgulhoso o capoeirista há dezesseis anos.
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