Esta matéria de Thamyra Thâmara faz parte de uma série de cinco matérias de opinião sobre o impeachment por comunicadores populares publicadas no RioOnWatch.
Thamyra Thâmara, moradora do Complexo do Alemão, é jornalista, fotógrafa, trabalha com mídias sociais e é idealizadora do GatoMÍDIA e do AfroFuturista. Thamyra escreve para Anastácia Contemporânea e Revista DR.
Um dia comum é assim, ela acorda ás 6h da manhã e toma café da manhã com os filhos antes deles irem para escola. Se arruma e pega o busão. Uma hora e meia até o Centro, isso se o trânsito ajudar. Em pé quase dormindo entre um passageiro e outro. Trabalha, trabalha, trabalha. Na volta para casa a mesma coisa, em pé, trânsito, sono. Sai para o trabalho às 6h e chega às 21h em casa por causa do acidente na Avenida Brasil. Na rua ouve a notícia que o filho do vizinho morreu de bala perdida, ou melhor, achada. No outro dia, tudo outra vez. Essa bem que poderia ser a rotina de muitas moradoras de favela ou periferia do Brasil. O sistema é feito de um jeito que a violação de direitos é um dia após o outro e a gente fica assim sem ter “vida” para reclamar, lutar, ir às ruas.
Grande parte da população brasileira é analfabeta política. Não sabe como funcionam os três poderes (legislativo, executivo e judiciário), e qual a atribuição de cada cargo político. O que os deputados fazem? Senadores, prefeitos, governadores e o presidente? A constituição então, essa passa longe de qualquer matéria na escola e não é a toa que isso acontece. Muita gente se beneficia da nossa ignorância. Por outro lado, os mais pobres podem até não saber como funciona a máquina pública, mas sabem quando o preço do arroz, feijão e da carne sobem. Sabem o preço de viajar de avião, de comprar o primeiro eletrodoméstico, casa própria, carro, mudanças sociais que não chegaram apenas pelo consumo, mas também pela educação. Muita família teve filho, sobrinho, familiar pela primeira vez entrando na universidade pública. Conquistas no governo Lula, que todo mundo pensou que iam se ampliar no governo da Dilma e que estagnaram. O governo do PT não fez mais que a obrigação, mas fez menos do que prometeu. Poderia ter feito mais, muito mais.
Se com uma mão o governo dava, no Rio de Janeiro com duas ele tirava. A aliança PT e PMDB no governo do Rio só rendeu opressão, violação de direitos aos mais pobres, famílias inteiras removidas, morte de jovens negros, diariamente, tudo legado da Copa do Mundo e das Olimpíadas que ainda nem chegou, mas já se sabe que será um fracasso.
E a gente fica cambaleando entre defender uma “esquerda” que não nos representa mais e se omitir dando força para um lado cada vez mais fascista do Brasil. Gente que odeia pobre, preto, gay, mulher e se tivesse chicote na mão dava, prendia, matava. E parece que eles surgiram do nada. Não! Eles sempre tiveram ali.
E aí o que nos resta fazer? Quebrar tudo e construir de novo? Reinventar outra esquerda, outro sistema político, outra forma de representatividade, outras formas de luta, outras lideranças, outras caras, outras propostas. Um novo (outro) que pode surgir desse caos todo. Do embate diário nas redes sociais que pode virar uma conversa olho no olho no boteco. Tipo lavar roupa suja, sabe? Olho no olho a gente vai ter que falar de novo de escravidão, de desigualdade, de feminismo, de direitos minoritários, de privilégio, de branquitude. Falar de novo DIDATICAMENTE! E quem sabe a gente não se escuta. Porém, enquanto isso não acontece vamos continuar cambaleando na nossa democracia tênue e frágil e escondendo a cara.