Erik Martins “tem muitos dedos em muitas tortas.” Foi o que eu lhe disse, na frase equivalente em inglês, na primeira de muitas noites que passamos juntos na Rocinha, a maior favela do Rio, localizada na Zona Sul da cidade. Ele ficou intrigado com a expressão, mais ansioso do que nunca para melhorar seu já rico vocabulário em inglês, e eu não conheço ninguém que personifique essa expressão tanto quanto Erik. Erik está envolvido em muitas frentes por toda a comunidade, tanto no nível social quanto profissional, e ele admite que às vezes o malabarismo é quase demais.
“Às vezes eu sinto que não tenho dedos suficientes para lidar com todas as tortas”, Erik diz.
Erik é cria, gíria que descreve aqueles que nasceram e foram criados na favela, e ele veste essa camisa com orgulho. Acompanhando ele em um passeio pelas ruas da Rocinha, fica aparente o quão popular ele é. Amigos e familiares param para conversar com ele, alunos do Fastz Idiomas carinhosamente o cumprimentam e seus colegas guias turísticos o apresentam para seus visitantes estrangeiros.
“No total, eu tenho cinco empregos”, Erik me conta, com um sorriso nos lábios.
Erik dá aulas particulares de inglês–tanto dentro quanto fora da Rocinha. Ele é secretário e professor na Fastz Idiomas, uma escola de idiomas na comunidade. Ele equilibra esses empregos ao lado de tarefas que realiza para a Prefeitura, como dar apoio à Clínica da Família e atuar como guia para determinados visitantes da Rocinha, sem contar os compromissos com as organizações comunitárias dentro da favela.
Cada uma dessas “tortas” desempenha um papel no sonho de Erik de uma Rocinha melhor, mas é a empresa que ele fundou com seus amigos sua prioridade número um. Rocinha by Rocinha é uma agência de turismo com um diferencial. Através de tours interativos e imersivos, Rocinha by Rocinha visa derrubar barreiras.
“Rocinha by Rocinha é o meu modo de mostrar minha comunidade para o mundo e, mais importante, o mundo para a minha comunidade”, ele diz.
Erik tem 27 anos, mas seu caso de amor com o turismo na favela começou há quase dez anos quando ele ainda era adolescente. Na época, ele estava encantado, assim como muitos estão, com a folia da Lapa–o coração da cena noturna do Rio. Toda noite, entre caipirinhas e rodas de samba, Erik fazia um bando de amigos e insistia em mostrá-los a Rocinha no dia seguinte.
“Eu nunca imaginei que eu iria fazer disso uma carreira”, ele fala sobre os passeios de improviso. “Eu só queria mostrar aos turistas o lugar que eu acho mais especial na ‘Cidade Maravilhosa’”.
Uma década se passou e Erik ainda está guiando turistas pelas ruelas sinuosas da Rocinha numa excursão que poucos viajantes esquecem. O mirante no Laboriaux–um dos pontos de observação mais altos da Rocinha–é espetacular, assim como o caos organizado da Via Ápia, o coração e a alma da Rocinha. Mas é outra coisa, no entanto, que faz com que os passeios de Erik se destaquem da multidão.
“Na Rocinha by Rocinha nosso objetivo não é simplesmente levar nossos convidados pela favela, mas torná-los parte da comunidade por um dia”, ele diz.
Erik e também toda a equipe fazem isso através de várias atividades, todas visando beneficiar tanto os turistas quanto a comunidade. Uma visita ao Portal Joanas Brasil dá ao turista um gostinho de como é uma típica família brasileira. Cesar e sua amigável família fazem os turistas se sentirem em casa. Em pouco tempo você estará sambando pela sala de estar, parando apenas para forrar seu estômago com um grande pedaço de torta caseira. Cesar e toda a sua família nasceram e foram criados na Rocinha, e a maneira afetuosa com que falam da comunidade ilustra a união que existe na favela. A visita muitas vezes dura mais de uma hora, tal é o entusiasmo de Cesar em conhecer seus hóspedes e mostrar-lhes a beleza da Rocinha.
A inclusão de alunos de inglês da Fastz Idiomas no tour permite que turistas interajam com os moradores da Rocinha, além de proporcionar aos alunos uma oportunidade de praticar o inglês.
Mas o tour é mais do que uma imagem perfeita de um cartão postal da favela. Erik entretém seus companheiros, mas se recusa a fugir dos desafios dentro da comunidade. Ele elogia projetos que o governo introduziu, como o complexo esportivo, mas lamenta a falta de investimento em áreas essenciais, como educação e saneamento. A chocante situação do saneamento da Rocinha é destacada em uma volta por uma das partes mais pobres da comunidade, onde o esgoto a céu aberto contorna as casas.
“Quando eu decidi seguir essa carreira, eu sabia que teria que fazer isso de uma maneira que iria beneficiar a minha comunidade, e ajudá-la a crescer”, Erik diz. A indústria do turismo em favela tem o potencial de fazer isso quando os tours são realizados por agências geridas por moradores como a Rocinha by Rocinha.
A próxima meta de Erik é estar em uma posição em que ele possa dedicar todo o seu tempo, esforço e talento à agência. O inverno está chegando ao Rio, e com ele assomam os meses em que Erik se esforça mais para dar conta das despesas.
“Trabalhar com turismo nunca é consistente, e se não fossem pelos meus outros empregos, haveriam meses onde as coisas seriam muito difíceis”, ele diz. Erik ainda resiste à atração de um emprego fixo com salário mensal regular para poder concentrar seu tempo no desenvolvimento da Rocinha by Rocinha, mas ele admite que às vezes a tentação é forte. “Quando chega o fim do mês e eu não posso pagar a passagem de ônibus para buscar um grupo de turistas, às vezes eu me pergunto se tudo isso vale a pena”, ele admite.
Erik espera que este inverno seja diferente. As Olimpíadas estão se aproximando e grupos de turistas logo irão aterrissar na cidade. Erik acredita que as Olimpíadas e toda a exposição que vem com ela podem ser um bom caminho no sentido de alterar a opinião desinformada que muitas pessoas têm sobre favelas do Rio.
“O mundo todo estará com os olhos no Rio, e as pessoas estão colocando em questão a preparação da cidade para sediar os jogos”, Erik diz, “mas talvez nós tenhamos uma chance de mostrar ao mundo um lado diferente do Rio, e lançar uma luz positiva sobre nossas comunidades”.
Erik está determinado a aumentar a visibilidade da sua amada comunidade. “O fato que sempre me ajuda a seguir em frente é que eu estou vivendo meu sonho”, ele diz. “Eu amo a Rocinha, e eu acredito que a gente vai continuar a crescer como uma comunidade, como sempre fizemos”.
Para saber mais sobre a Rocinha by Rocinha e agendar um passeio, visite o site aqui.
Daniel McGill é um escritor e professor de inglês de Londres, Reino Unido. Ele vive no Rio de Janeiro desde 2014. Após viver nas favelas da Rocinha e do Cantagalo, ele começou a escrever perfis e histórias sobre a vida nas favelas que são publicadas em inglês e português no seu site Palavras Perdidas.