Zona de Exclusão das Olimpíadas: A Gentrificação da Favela da Babilônia

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Leia a matéria original por Jo Griffin em inglês no The Guardian aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.

Os moradores do Morro da Babilônia se queixam de estarem sendo empurrados para fora da favela enquanto ela é submetida a uma rápida ‘urbanização’ antes das Olimpíadas. Jo Griffin escuta os bastidores do projeto de gentrificação do Rio.

“Olha para aquela casa”, diz Nivia Bruno Ribeiro de Cajazeira, apontando para uma pequena habitação escondida pela abundante vegetação, perto do topo do Morro da Babilônia na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Todas as casas na favela eram construídas assim, de pau-a-pique.”

Chegamos à sua casa azul de madeira através de um caminho de terra, cheio de polpa de jaca. O seu terraço oferecia uma vista do mar distante. Quem não é da favela raramente chega até esta parte; para isso é preciso caminhar tão perto das casas que quase parece uma invasão.

Duas teorias explicam porque esta favela–um dos mais de 1000 assentamentos informais do Rio–é chamada de Babilônia: alguns dizem que o nome foi tomado de empréstimo de uma cervejaria do século XIX; outros acreditam que a excepcional beleza natural da região evocou os Jardins Suspensos da Babilônia. Perto do topo da montanha verde, onde os moradores têm de carregar a comida e os mantimentos a pé, muitas pessoas ainda não têm acesso a saneamento básico e a natureza parece ainda reinar.

Por cinco gerações, a família Ribeiro vive ali, próximo às areias brancas da praia do Leme. A favela sempre foi conhecida pela sua tranquilidade, diz Nivia, moradora de 38 anos que trabalha como professora de informática. “Durante anos, as pessoas usavam lampiões porque não tínhamos luz. Por estar tão perto do mar, temos muitas fontes de água naturais onde as pessoas podiam lavar as roupas. Quando acordo, estou rodeada de pássaros nas árvores”.

Agora que a Babilônia está submetida a uma rápida gentrificação, Nivia Ribeiro é uma das moradoras que aguarda saber se será realocada a Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio a 64 quilômetros de distância–em consequência do Morar Carioca, um premiado projeto da Prefeitura para a urbanização de todas as favelas, introduzido em 2010 como parte do legado social das Olimpíadas. Na Babilônia, o projeto previa a remoção de casas dentro de três categorias de “risco”: as que se encontravam em áreas ambientais protegidas; aquelas cujos moradores recebem aluguel social e que foram previamente realojados; e casas em “áreas de risco” onde as chuvas podem provocar desabamentos, como a da Nivia.

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Favela da Babilônia vista da famosa praia do Leme. Fotografia: Bert Kohlgraf#70921/Flickr Vision

André Constatine, presidente da Associação de Moradores da Babilônia, está lutando contra a Prefeitura. A propósito, o edifício onde está o seu escritório fica acima do ponto onde termina a estrada pavimentada. A partir dali, ele faz a mediação com a Secretaria de Habitação, organiza reuniões para falar com os moradores sobre os seus direitos, e aconselha os que sobem as escadas até à sua porta verde. Na minha visita, um pequeno grupo de mulheres esperava na sombra do lado de fora do posto de saúde na porta ao lado.

André está indignado porque a Prefeitura não cumpriu a sua promessa de realocar todos os moradores das categorias de risco para os três novos prédios ecologicamente amigáveis na Babilônia e na favela adjacente, Chapéu-Mangueira. O projeto Morar Carioca, que tem sido criticado por não cumprir as suas promessas originais, alargou parcialmente a estrada principal e melhorou o sistema de drenagem, mas o dinheiro acabou antes que a construção dos três prédios tivesse terminado. Enquanto isso, alguns moradores ainda carecem saneamento básico, ele ressalta.

“Nós moradores estamos pagando caro por estes megaeventos.” – André Constantine

André Constantine está particularmente furioso com o que ele diz ter sido um embuste. “Se esta é uma área de risco, porque não fizeram nada para tornar ela mais segura? Foi declarada área de risco seis anos atrás e nada foi feito”. A “mentira” do Morar Carioca toca no coração de uma causa maior que o consome: a luta contra o “projeto” de gentrificação da Prefeitura, que ele afirma que está empurrando moradores pobres, negros, e favelados para fora das regiões valorizadas da Zona Sul antes das Olimpíadas. “Nós moradores estamos pagando caro por estes megaeventos”, diz ele.

André entrou para a política depois do assassinato de seu pai em 2007, por envolvimento no tráfico de drogas. Depois de um acontecimento tão marcante, ou você escolhe política ou escolhe a religião, diz ele. Ele leu sobre teoria política e hoje é uma liderança militante por direitos do movimento Favela Não Se Cala. Por toda a cidade, segundo ele, pessoas lutam pelos mesmos direitos.

André Constantine tem certeza que o objetivo de pacificação da UPP, iniciado em 2009–no qual policiais armados tomam controle e ocupam favelas dominadas por traficantes–é a gentrificação. “O que as pessoas têm que entender é que a polícia da UPP é protagonista neste processo”, diz ele, referindo-se à maré da especulação imobiliária que promoveu uma inevitável “limpeza social”.

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Tributos a Mandela e Gandhi, numa parede da favela da Babilônia. Fotografia: Mario Tama/Getty Images

Desde que a UPP começou, o preço doa alugueis e da venda de imóveis na favela duplicou, diz ele, empurrando para fora os inquilinos e dificultando a entrada de imigrantes de regiões mais pobres do Brasil. “Alguém do nordeste não pode chegar aqui agora e alugar uma casa porque é muito caro. Agora, só a classe média é que consegue alugar uma casa aqui. Até os estrangeiros estão se mudando para a comunidade e isso empurra os mais pobres para as periferias [da cidade].”

Não obstante, a comunidade aparenta que partes dela ainda estão sendo construídas pelas próprias mãos dos moradores. Acima do seu escritório, construtores carregam sacos de cimento no ombro. Abaixo, na unidade da UPP na estrada principal, policiais armados estão de vigia, à medida que turistas caminham com dificuldade na direção de um dos albergues que abriu desde a pacificação. Enquanto estes novos desenvolvimentos podem parecer tão modernos quanto os edifícios à beira-mar, os métodos e materiais de construção constituem motivos de preocupações. Enquanto isso, alguns moradores do topo do morro nem privadas têm, diz ele. Os excrementos humanos são atirados para as árvores.

“As coisas andam muito difíceis, e os turistas só pioram a situação. Isso me deixa com raiva.” – Nivia Ribeiro de Cajazeira

Nivia demonstra a sua frustração, pois agora a comunidade tem de se preocupar com os turistas que deixam o lixo para trás, por exemplo. “Temos tantos problemas aqui e agora também temos que cuidar dos turistas. As coisas andam muito difíceis, e os turistas só pioram a situação. Isso me deixa com raiva, e nem sequer temos um caminho decente para subir o morro”.

Enquanto a gentrificação proporcionou novas construções e o interesse turístico, poucos visitantes deixam algo concreto para os moradores, diz Nivia. “Estes grandes projetos de arquitetura não correspondem à nossa realidade. Eles não incluem uma escola ou uma clínica de saúde, ou instalam cabos de internet”.

O interesse dos estrangeiros é apenas temporário, diz ela. “Estou cansada de participar de entrevistas e preencher questionários de pesquisas. Isso deixa algum retorno concreto? Se as pessoas vêm aqui para fazer um filme, por exemplo, porque não doam uma câmara?”.

A gentrificação ampliou as perspectivas da área e trouxe novos rendimentos, isto é evidente para quem costuma visitar o Bar do David, um dos diversos restaurantes na entrada da favela Chapéu-Mangueira. A comida servida ganhou prêmios e o bar é famoso pelos seus 200 tipos de cachaça. Na maioria das noites, tanto brasileiros como turistas, sobem até a parte mais baixa do morro e se sentam para tomar cerveja e ver o pôr-do-sol. Ali próximo, um trabalhador de macacão laranja faz o conserto de um carrinho de metal com a palavra “lunch” rabiscada nele.

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Um homem pratica yôga no Morro da Babilônia. Fotografia: Mario Tama/Getty Images

O dono do bar, David Bispo, de 44 anos, lutava para se sustentar como pescador antes de abrir o seu estabelecimento há seis anos. Mas hoje ele está preocupado: depois de anos de paz, houve uma explosão de violência entre traficantes rivais nas duas favelas. Duas noites atrás, alguns moradores levaram estrangeiros para o seu bar e fecharam as janelas para oferecer proteção. Durante um fim de semana de muito tiroteio, dois homens morreram e um terceiro ficou ferido por uma bala perdida enquanto tomava banho em casa. Os moradores disseram que as gangues foram incitadas à violência a partir das suas facções baseadas em outros lugares do Rio.

Na entrada da favela estão estacionados os carros da polícia enquanto um helicóptero sobrevoa a área e um caveirão se desloca morro acima, afastando moradores e turistas para as laterais da estrada.

David, um acolhedor anfitrião que fala inglês com os clientes, diz que a pacificação fez com que muitos se sentissem seguros e lhe permitiu começar um negócio de sucesso, mas agora ele está preocupado. “Você vê estrangeiros chegando, querendo começar negócios aqui na favela para fugir dos impostos de outros lugares… isto é covardia”. Ele sublinha que tais negócios, inevitavelmente, levam vantagem sobre os seus rivais de mercado–os moradores locais.

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O dono do bar, David Bispo. Fotografia: Christine Cellier

O pai dele fundou a primeira Associação de Moradores no Chapéu-Mangueira e esteve envolvido na luta para permanecer na favela durante a ditadura militar. Os benefícios atuais não deveriam ir para os que “realmente merece”, pergunta ele, cujos antepassados lutaram pela comunidade? Os visitantes ajudam os negócios como o dele a prosperar, mas ele fica frustrado que, por exemplo, um bebê estrangeiro tenha lugar numa creche e não haja espaço disponível para o filho de um parente.

Durante décadas, a negligência do Estado forçou um ritmo de progresso lento e doloroso nas favelas do Rio, que–ao contrário de outros assentamentos informais pelo mundo afora–têm uma população em grande parte estável. Enquanto alguns moradores expressam satisfação com o envolvimento do Estado em ter atraído novas fontes de renda e melhorias na segurança, há uma frustração por essas mudanças terem vindo de fora e serem feitas sem o consentimento dos moradores.

Alguns moradores falam sobre a era de ouro do mutirão quando os moradores compartilhavam recursos entre todos para construir as suas casas. A gentrificação pertence à política de desenvolvimento mais individualista do Rio, que, segundo eles, marcou os preparativos para os Jogos Olímpicos.

Para contrariar esta tendência, Pol Dhuyvetter, um belga que mora na Babilônia desde 2012, lançou o projeto de energia solar RevoluSolar, capacitando os moradores para se tornarem autossuficientes em energia em um momento que havia aumentos estratosféricos nas contas da luz. “Descobri que a Babilônia foi apresentada na Rio+20 como um projeto de desenvolvimento sustentável. Mas rapidamente percebi que tinha sido uma manobra de propaganda organizada pelo governo do Rio e algumas grandes empresas”, diz ele.

Membro da Ecopower, uma cooperativa de energia renovável da Bélgica, ele “percebeu que uma cooperativa de energia solar seria o instrumento perfeito para o desenvolvimento sustentável, com benefícios econômicos, sociais e ambientais”.

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No Rio, os empresários locais e estrangeiros estão construindo albergues em favelas para lidar com o afluxo de turistas. Fotografia: Pilar Olivares / Reuters

Ele diz: “Uma empresa se aproveitou da pacificação, a Light… O projeto de energia solar do RevoluSolar quer lutar contra este lado negativo da gentrificação onde uma empresa de energia abusa da sua posição e cobra exageradamente de famílias pobres apesar das promessas de tarifas sociais no início da pacificação”.

Francisco Nunes, dono do Bar Nosso–um restaurante perto da base do morro–acolhe com agrado a integração de turistas que saibam respeitar os moradores, um sentimento compartilhado por André Constantine. “Nós não somos contra os estrangeiros, mas somos apenas a favor do turismo que é bom para os moradores locais”.

Ele acrescenta: “Somos contra o ‘turismo safari’ e temos uma campanha: a favela não é um zoológico. Nunca foi tão ‘lindo’ estar numa favela. As pessoas tiram selfies na favela. Elas chegam para ver o quanto exóticos somos”.

Os moradores estão preocupados em preservar a cultura da favela. Alguns apontam o Vidigal, outra favela na Zona Sul, como um exemplo de como a gentrificação está erradicando a identidade original da favela. André pretende abrir um museu na comunidade que celebre a cultura e a tradição negra, como a religião Candomblé, mas o edifício que ia usar foi destinado para a UPP.

“Eu sonho com um Brasil melhor, mas isso só vai ser possível com investimentos nas questões certas como a educação, cultura, arte e lazer”, diz André, claramente frustrado. “O que nós, da favela, queremos, são os nossos direitos… Se a favela tiver às margens da sociedade, sempre vai haver problemas”.

Após ter expirado o prazo para a Prefeitura revelar o seu projeto de urbanização para moradores da Babilônia, André Constantine está organizando ações judiciais junto com os moradores afetados.

Para a Nivia Ribeiro, entretanto, a incerteza continua. “A minha casa é tudo. Não quero sair daqui”, diz ela. “O ideal seria construir uma contenção atrás da minha casa [para prevenir desabamentos]. Não entendo porque não podem fazer isso”.

André Constantine acrescenta: “Existem muitas pessoas inteligentes e interessantes aqui… [Esta é] uma favela no meio de uma parte rica da cidade onde os impostos são os mais elevados, e algumas pessoas nem privada têm nas suas casas. Quanto tempo vamos ficar aqui sem investimento do governo na nossa infraestrutura?”.

Naquela noite, depois de sair da Babilônia, ouço no rádio que a violência na favela voltou de novo. Moradores, locais e estrangeiros, se protegeram no edifício de um amigo e atiraram-se no chão durante 20 minutos de tiroteio. Um terceiro morador local foi baleado e morto.

Parece que o progresso duradouro nas comunidades pobres é um resultado menos provável do que a gentrificação.

Jo Griffin, visitou o Rio de Janeiro várias vezes com a associação Street Child United que organiza eventos esportivos e programas para jovens em comunidades marginalizadas.