O condomínio fechado é um fenômeno bem conhecido em todas as Américas. O modelo ganhou popularidade nos Estados Unidos antes dos países da América do Sul adotarem esse estilo de arquitetura na década de 70. Corporações imobiliárias criaram e comercializaram espaços privados isolados, com uma lógica interna de segurança e exclusividade que, desde então, faz parte das cidades brasileiras.
A Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 estimularam ainda mais esses projetos, com vários complexos de apartamentos caros construídos nos últimos anos. O projeto Olímpico Ilha Pura, a Vila dos Atletas que será transformada em apartamentos de luxo, tem atraído análises sobre esses complexos, mas há exemplos de condomínios fechados em todo o Rio de Janeiro.
O surgimento da construção de uma cidade elitizada e desigual encontra justificativa na teoria econômica da curva de Kuznet: segundo este raciocínio, no progresso econômico, a desigualdade cresce antes das pessoas terem lucro. Seus defensores argumentam que as moradias de luxo disponíveis devem atrair pessoas que podem pagar para viver nelas a se mudarem para o Rio, trazendo os seus gastos com eles. Estes empreendimentos gerarão empregos na construção civil e na prestação de serviços e lucro para toda a cidade com a riqueza e trabalho trazidos por via de um efeito cascata (trickle down) decorrentes dos seus gastos.
No entanto, uma visão tão simplista encobre características irreais, antidemocráticas e socialmente insustentáveis da privatização dos bairros. Esta tendência imobiliária marginaliza ainda mais os pobres, impedindo a mobilidade física e social, mas aqueles que podem pagar continuarão a desejar esses locais de condomínios fechados, já que o governo falha na garantia de serviços públicos de qualidade, inclusive segurança.
Para este artigo, entrevistei moradores de vários condomínios fechados da Barra da Tijuca, perguntando os motivos que os levaram a viver lá e o que pensam sobre estes bairros. Entrevistei: Ana e Pedro, um jovem casal que moram juntos no Via Barra; Vinicius, de 35 anos, que mora com sua esposa (médica), também no Via Barra; Felipe, casado, com um filho, e que mora no condomínio Península desde que nasceu; e Marcelo, solteiro, 30 anos, que voltou a morar na casa dos pais no Atlântico Sul, após morar no exterior por um período.* Todos esses condomínios apresentam um pacote semelhante ao de um hotel de luxo: áreas de lazer, creches infantis, espaços de trabalho, piscinas, saunas, academias, quadra de futebol ou tênis, cafés e salões sociais.
Entendendo a demanda
O monopólio da violência do governo do Estado do Rio está comprometido por “grupos poderosos de milícias, esquadrões da morte, vigilantes, empresas privadas de segurança [que] buscam segurança política ou econômica”. A falta de um contrato social estável entre as pessoas e um governo de confiança, com instituições de segurança honestas, contribuiu para uma situação de insegurança real e visível que leva as pessoas a buscar um porto seguro.
Todos os entrevistados mencionaram a segurança como uma das razões para viver em um condomínio fechado. Pedro destaca que: “Esta forma de vida só existe por causa da violência“. Todos descreveram uma sensação de segurança dentro de seus parâmetros, dando alguns exemplos como não ter preocupação com as crianças brincando nas ruas e a tranquilidade de fazer uma corrida depois do anoitecer.
Ainda assim, o medo não seria o suficiente para erguer um bairro com tantos condomínios fechados como a Barra da Tijuca. O conforto de ter uma sauna, academia ou piscina a poucos andares da sua casa também são recursos atraentes.
Felipe descreveu uma tendência das pessoas se deslocarem–devido aos preços imobiliários exorbitantes na Zona Sul do Rio–para imóveis relativamente mais baratos na Barra. Uma opção era mudar para os bairros da Zona Norte, ele explica, mas “estamos mais acostumados a morar próximo a pessoas com os mesmos hábitos, cultura e os mesmos gostos”. Isto descreve uma outra dimensão da segurança e conforto que é uma característica humana com base na identidade e não física de “ficar preso ao que você conhece”. O comentário de Felipe também mostra a prevalência das diferenças gritantes observadas entre as diversas regiões da cidade e as pessoas que ali vivem.
O desejo por espaço é outro fator importante para a maioria dos entrevistados: “É mito dizer que quem mora na Barra da Tijuca é rico”, diz Vinicius. “Há muitas pessoas trabalhadoras que só querem viver em um lugar espaçoso e menos movimentado do que a [Zona Sul] e o Centro do Rio”. Ele acha que muitos moradores têm uma relação de amor e ódio com o bairro, já que oferece espaços para respirar, mas com o custo de ser longe das muitas facilidades e encantos que a cidade tem para oferecer.
Espaço antidemocrático como um novo centro de vida cotidiana
Existe uma desvantagem neste conforto físico e social que é enfatizado na literatura acadêmica sobre os condomínios fechados. Os Jogos Olímpicos de 2016 abriram o caminho para grandes projetos de investimento público-privado que procuram dar à Barra da Tijuca um papel mais central na cidade. Em sua tese de mestrado sobre a Barra da Tijuca e o Projeto Olímpico, o urbanista Renato Cosentino descreve um processo de relocalização por classe social, devido ao forte fator de mercado que desvia a riqueza para esta área Oeste da cidade.
Vinicius chama a atenção que seguir cegamente essa lógica de mercado não vale a pena: “As pessoas não param de chegar e comprar, apesar de não haver planos para elas. O sistema de esgoto não é conectado e o trânsito é sempre intenso. Há um crescimento extremo sem um modelo sustentável”.
Além disso, a consolidação de muitas instalações no interior de uma propriedade privada, ou a privatização da esfera pública, cria um espaço antidemocrático que limita a interação social e aumenta as diferenças sociais. Marcelo diz que ele faz parte do “grupo da academia das 7 da manhã”, um grupo de moradores do complexo de apartamentos que interagem diariamente enquanto se exercitam antes do trabalho. Ele conta que as crianças fazem aulas de esportes na piscina ou quadras de esporte, sua mãe faz parte de um grupo de estudos bíblicos no sexto andar, há práticas esportivas depois do jantar, festas do condomínio nos feriados nacionais e pessoas mais velhas que jogam bocha.
A importância desses tipo de espaços para mais interações entre classe não deve ser subestimada, uma vez que permitem as pessoas a se relacionarem e socializarem com aqueles que não encontrariam em outros contextos. A academia, a igreja ou times de futebol são espaços em que novas conexões sociais e relacionamentos podem ser construídos. Muitas vezes, são parcialmente segregados por sua localização e relações dos participantes, mas na sua forma tradicional de atender um condomínio não fechado ainda deixam margem para a interação plural. Em condomínios fechados, essas atividades sociais acontecem em um espaço privado e exclusivo, onde até a polícia precisa de uma autorização para entrar. Essa limitação na interação a um seleto grupo de pessoas com uma faixa de renda especificada legitima uma esfera antidemocrática e estabelece a segregação como o modus operandi para as centenas de milhares de cariocas que vivem agora em tais condomínios.
Muitas vezes, por causa do medo, os moradores se sentem forçados a permanecer dentro do seu condomínio e quase todas as mini-interações sociais de um bairro normal são feitas em um ambiente homogêneo de uma comunidade murada. Não é só a proteção física: a segurança parece parte de uma cultura de um modo de vida que surgiu com a normalização desses condomínios. Vinicius explica: “As pessoas não confiam mais no mundo fora desses muros. Os pais pedem para os filhos brincarem dentro dos condomínios, porque assim não têm com o que se preocupar. Mas, desta forma, você também ensina as crianças a ter medo, enquanto que, em outras comunidades, as pessoas conhecem seus vizinhos e podem confiar que eles fiquem de olho também”. Assim, são forçados a se trancarem nos condomínios, o que cria uma limitação séria com relação à mobilidade.
Dentro desse tipo de comunidade, ‘outras partes da sociedade’ continua a ser um conceito vago. Marcelo comenta: “Para mim, as favelas geram muitas dúvidas. Eu sempre ouvi duas histórias: dos traficantes e da violência” e “das pessoas de bem que buscam encontrar um sorriso”. “Estou curioso para saber das nuances das histórias, mas, por outro lado, me sinto desconfortável, sendo um garoto rico na favela. É uma bandeira que não fico feliz de carregar”. Este sentimento não pode ser limitado a condomínios fechados do Rio de Janeiro, já que muitos cariocas de classe média alta nunca visitaram uma favela. Ainda assim, erguer barreiras físicas não apenas de uma casa, mas do condomínio, mostra que os moradores estão menos propensos a cruzar com os moradores das favelas, exceto com aqueles que são contratados para trabalhar dentro desses condomínios.
Moradores do condomínio fechado como cidadãos
Conforme a humanização entre classes diminui, fica menos claro que os problemas do “lado de fora” são relevantes. A privatização da segurança é combinada com soluções privadas para outros serviços do governo, como saúde e educação, o que cria uma sensação de não reciprocidade em relação ao Estado. Ao ser questionada sobre o que faz ela se sentir cidadã brasileira, Ana respondeu: “Simplesmente por ter nascido aqui. O Estado não faz nada para nós. Vinte e cinco por cento da nossa renda vai para os impostos e trinta por cento para instituições privadas que funcionam e não recebemos nenhum serviço em troca”. É esta percepção de falta de um contrato social eficaz que aliena os moradores das questões do governo e da sociedade.
“Nós pagamos duas vezes”, comenta Vinicius, “pagamos impostos para a saúde, mas ainda pagamos pelos nossos próprios planos de saúde”. É claro que esse problema é sentido pelos cidadãos que moram fora dos condomínios fechados também. A falta de legitimidade do governo cria a sensação de que “temos de cuidar de nós mesmos” e legitima os muros, os guardas de segurança e câmeras.
Mesmo que a literatura acadêmica sobre condomínios fechados enfatize os problemas de segregação, consolidação da classe e desumanização, essas entrevistas destacam que os moradores estão apenas respondendo aos desejos básicos de viver suas vidas com menos preocupações. Eles pagam seus impostos e também pagam para receber serviços de qualidade e vivem em um ambiente que oferece mais segurança do que o governo pode oferecer.
Mobilidade
Em um evento no Studio-X que abordou a mobilidade e a metrópole moderna, o professor de urbanismo da UFF Vinícius Netto descreveu como o condomínio fechado é distanciado das ruas públicas, o que desencoraja o uso de qualquer transporte que não esteja indo direto para ele. Este é um contraste gritante com as favelas, por exemplo, onde as construções baixas e de multiuso, geralmente em ruas estreitas, convidam os moradores a se reunirem no espaço público e andarem a pé.
Este é, especialmente, um problema nas partes menos diversificadas da Barra da Tijuca, já que não há praticamente nenhuma variação no tipo de habitação ou espaço para microempresas na forma de lojas e espaços de trabalho: todo mundo precisa de carro para chegar ao seu destino. Com o prognóstico de que o número de carros irá dobrar nos próximos 15 anos, isso contribui para um composto paralisante. Além disso, os “jardins” privados e murados que ficam entre a rua e os complexos de apartamentos bloqueiam o trânsito de rotas mais curtas. Netto adverte que existem menos apartamentos e mais trânsito por metro nas ruas.
Netto enfatiza que os moradores tendem a usar as vias públicas de forma ineficiente, o que contribui para o problema: “As pessoas se recusam a usar transportes públicos. Olhando ao redor: há uma pessoa por carro por todos os lados”.
O uso ineficiente das vias públicas e o trânsito não é apenas um problema para os moradores de condomínios fechados, mas também impacta, principalmente, os cariocas de baixa renda que vivem na Zona Oeste, depois da Barra da Tijuca, pois suas rotas de trabalho para o Centro da cidade passam pelas regiões dominadas por complexos de apartamentos. Já que mais de 77.000 pessoas removidas de suas casas desde 2009 foram reassentadas em moradias públicas do Minha Casa Minha Vida, a maioria na Zona Oeste, as barreiras físicas à mobilidade ajudaram a marginalizar ainda mais esta população deslocada.
As características exclusivas e invariabilidade da arquitetura da Barra não beneficiam os moradores. Felipe descreve o bairro como “uma ilha onde você não pode chegar em nenhum lugar a pé. A Barra da Tijuca é longe de tudo e os ônibus estão sempre muito lotados”.
Marcelo mencionou a palavra “ilha” também: “A Barra está longe do estereótipo do Rio, com suas praias e mulheres bonitas, de um lado, e a violência, do outro. É uma espécie de ilha isolada e individual. Adoro ir ao cinema e o melhor deles é em Botafogo, mas fica muito longe para ir com facilidade”.
Redefinição de segurança
Embora o projeto de condomínio fechado tenha características antidemocráticas inerentes que só são agravadas pelo projeto monótono da Barra da Tijuca, os moradores mostram uma necessidade de segurança e têm o direito de estabelecer uma comunidade onde a sua necessidade seja satisfeita. Um problema surge à medida que esse isolamento cria uma profecia autorrealizável, porque os muros desumanizam o exterior e reforçam o medo a um novo nível abstrato, aumentando as tensões sociais e as desigualdades e gerando mais violência. Um ciclo vicioso.
Como Vinícius Netto apresentou no evento no Studio-X, a prefeitura do Rio deve investir em mais projetos diversificados para o bairro que facilitem a interação com a rua e estimulem outras opções de transporte público. Seguir cegamente a lógica do mercado atual causará uma infraestrutura ineficiente, bairros monótonos e relocalização de classe. O mercado só vai mudar o rumo quando for tarde demais: quando as pessoas começarem a reclamar sobre o aumento desses problemas e a imagem da Barra estiver em declínio. A sensação de segurança não deve apenas vir dos guardas e portões, mas de estar familiarizado e confortável com os diferentes grupos e classes de cidadãos da sua cidade.
Nunca é tarde demais para mudar de direção. Netto observa que “embora haja um forte sentido de proteger ‘o que é meu’ no Brasil, todos ainda conversam entre si”. Na sua opinião, ricos e pobres, negros e brancos, são socialmente abertos a conversação. Revertendo esse processo de se tornar um turista em uma “ilha” na sua própria comunidade, a cidade vai parecer mais com um lar novamente e esse lar deverá se parecer menos com um paraíso de férias.
Christian Kuitert está pleitando um mestrado em “Conflito, Territórios e Identidade” na Universidade de Radboud, Holanda, com foco em cidadania comparativa entre as favelas do Rio e os condomínios fechados.
*Todos os nomes de moradores foram trocados.