Cadê o Investimento? Análise do Legado Olímpico sobre a Geografia Carioca

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Recentemente o Prefeito do Rio, Eduardo Paes, fez uma declaração ao jornal The Guardian que levantou um questionamento quanto a geografia dos investimentos Olímpicos da cidade. Ele disse: “É loucura dizer que não teve investimentos nas áreas pobres. Se as pessoas dizem isso, não conhecem a geografia da cidade”. E continua, “Nunca houve tanta transformação para as pessoas pobres (no Rio).”

Se o que foi posto em cheque foi a geografia da cidade em relação aos investimentos nas Olimpíadas, vamos colocá-la em tema com mapas e estatísticas, elementos básicos da geografia clássica.

A cidade têm divisões geográficas e administrativas que auxiliam na gestão e nas políticas publicas, e são organizadas, da menor estrutura geográfica para maior, em: Bairros, Regiões Administrativas, Regiões de Planejamento e Áreas de Planejamento.

3370_regplanej_bairro_2014

1313_áreas de planejamento e regiões administrativas - 2014- 2

Indicadores Sociais

A fonte destes mapas, também nos fornecem características interessantes sobre a distribuição dos cariocas considerando quesitos de tom de pele, renda, tipo de moradia e densidade demográfica:

mapa okok

No mapa de Renda, vemos uma forte concentração desta nas Áreas de Planejamento (APs) 2 e 4, ou seja, nas zonas litorâneas de mar aberto da Cidade e Grande Tijuca (Tijuca, Maracanã, Andaraí, Vila Isabel e Grajaú). Quando comparamos a alguns investimentos Olímpicos, vemos que as críticas de investimento nas partes mais ricas têm sim consistência geográfica:

Instalações-olímpicas
Mapa com as instalações esportivas dos Jogos Olímpicos do Rio 2016

Um dos carros chefe de propaganda do Prefeito do Rio também foi o conceito de cidade “Bike Friendly”, o que dizia que 450km de ciclovias seriam construídos até 2016. Não chegamos a este número, mas o relevante é: onde construiriam estas ciclovias? Vamos ao mapa:

Ciclovias (1)
Mapa Digital do Rio de Janeiro – Ciclovias

No mapa cicloviário, vemos mais uma vez um grande investimento na AP2 e 4, com algumas outras vias na área com população mais dispersa na cidade, a AP5. Mas o quanto isto atende a população carioca? Vamos analisar a densidade demográfica de habitantes do Rio:

1326_densidade demográfica, por bairros - 1991

A política cicloviária não chegou às áreas mais densas da Cidade.

1381_proporção da população moradora em setor subnormal no total da população - 2000

E também não atendeu aos “Aglomerados Subnormais” (que incluem as favelas). Neste mapa de “aglomerados subnormais,” podemos observar uma grande concentração das mesmas na AP3, que conciliado a alta densidade populacional da região, concentra uma parcela considerável da população carioca. A AP3 concentra a maior parte dos cariocas com o dobro da AP2 e mais do dobro da AP4, onde a maior parte do “Legado Olímpico” se concentra.

Segundo o Censo de 2010, a População Carioca se distribui da seguinte forma no território:

AP1 5%
AP2 16%
AP3 38%
AP4 14%
AP5 27%

Com dados do IPP (Instituto Pereira Passos), de 2013, analisamos também as áreas de lazer para atender as AP e estas se distribuíam da seguinte maneira:

AP1 8%
AP2 20%
AP3 12%
AP4 34%
AP5 26%

Apesar da AP3 ter a maior quantidade de habitantes e maior densidade populacional, as AP2, 4 e 5, que já possuem as maiores metragens de áreas destinadas ao lazer, são justamente onde estão os Legados Olímpicos que serão destinados a aumentar a disponibilidade de áreas de lazer para a população, quando forem disponibilizados.

O Parque Madureira, com sua metragem atual, não conseguiu aumentar em 1% quando somado ao que já existia em 2013 na AP3, ainda mais considerando a redução de áreas de lazer em outros bairros da mesma AP, teremos um resultado que pouco altera a situação de 2013.

A Praça Mauá, quando concluída, contribuirá mais para o crescimento da AP1, aumentando de forma real a disponibilidade em todas as AP, menos a 3. Com isso, aparentemente tentaram criar um fato que disfarce a situação: colocar o bairro de Deodoro na Zona Norte–que abrange a AP3–para influenciar os dados! Isso apesar do bairro estar na região administrativa de Realengo, que responde a Subprefeitura da Zona Oeste, na AP5. De quem mesmo é o desconhecimento de geografia da cidade do Rio?

Outros indicadores com base em medidas geográficas das informações disponíveis no IPP também mostram outras desigualdades na geografia da Cidade, como por exemplo, cobertura vegetal:

AP1 14,8%
AP2 49,3%
AP3 7,7%
AP4 43,4%
AP5 31,9%

Em resumo, a AP3, que mais possui habitantes, que é mais densamente ocupada e possui a maior quantidade de aglomerados subnormais, é que menos tem disponibilidade de áreas de lazer e também de áreas verdes, que são fundamentais para a saúde.

Quando avaliamos o uso do solo para ocupação por área residencial, mais uma vez validamos a concentração da população carioca, com a AP3 com o maior percentual de áreas destinadas a uso residencial da cidade.

AP1 40,6%
AP2 33,6%
AP3 62,1%
AP4 25,9%
AP5 26,7%

Grande parte da AP2 corresponde a Floresta da Tijuca, praias e Lagoa Rodrigo de Freitas.

Apartheid?

Se compararmos as áreas de planejamento da cidade, descritas ao longo do artigo, com a distribuição da população parda e negra da cidade, chegamos a algumas interpretações:

1381_proporção da população moradora em setor subnormal no total da população - 2000 (1)

1343_proporção de pessoas da cor raça branca em relação ao total - 2000

Com base nestas informações, voltamos a perguntar ao prefeito: como ficou a geografia da “Cidade Olímpica”?

Hugo Costa tem 41 anos, formado em Geografia pela UFF, aspirante a blogueiro e morador do bairro de Ramos.