Eleições 2024: Extensivamente Dialogado e Preparado, o Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão Evidencia Caminho para Representação Política da Favela na Cidade

Mesa do Fórum de Ação Popular do Complexo do Alemão. Foto: Edilano Cavalcante
Mesa do Fórum de Ação Popular do Complexo do Alemão. Foto: Edilano Cavalcante

Esta matéria faz parte de uma série sobre as eleições de 2024, com enfoque nas perspectivas das favelas do Grande Rio.

Em um cenário político que historicamente marginaliza e invisibiliza as demandas das favelas, uma iniciativa como o Plano de Ação Popular do CPX, pensado, liderado e conduzido por moradores do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, revela a força e a capacidade de articulação política das favelas cariocas. Apesar de constituírem uma parcela significativa da população e do eleitorado do Rio de Janeiro, favelas ainda enfrentam dificuldades para eleger representantes que atuem em defesa dos seus interesses. Isso evidencia a conturbada relação entre os territórios populares e o poder político estabelecido.

O Complexo do Alemão, um dos maiores e mais emblemáticos conjuntos de favelas da Zona Norte do Rio, é um símbolo de resistência e organização comunitária. Composto por 15 comunidades e uma população de mais de 60.000 pessoas, o território se destaca não apenas pelo seu tamanho, mas também pela sua influência cultural, social e política. Historicamente, os moradores têm lutado por seus direitos em um contexto de constantes violações e de negligência do Estado.

Com a intenção de incidir politicamente nas eleições de 2024, desde seu lançamento em 8 de dezembro de 2022, o Plano de Ação Popular do CPX emergiu como uma ferramenta para estruturar programas políticos de pré-candidatos—hoje candidatos à vereança e à prefeitura—a partir do ponto de vista coletivo dos moradores do Complexo do Alemão. O Plano tem funcionado como um megafone, um amplificador das demandas dos moradores.

Plano de Ação Popular do CPX: Estratégias de Mobilização e Resistência

Flyer de divulgação do Fórum de Ação Popular do CPX, em 10 de setembro de 2022, na Vila Olímpica Jorginho da SOS Foto: Divulgação Redes Sociais

O Plano de Ação Popular do CPX, liderado pelo Instituto Raízes em Movimento, teve sua primeira sessão temática em 7 de maio de 2022, e se concluiu em setembro de 2022, sendo realizados nove encontros, desenvolvidos a partir do formato do projeto Vamos Desenrolar do Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão (CEPEDOCA), iniciativa de pesquisa do Raízes. Os encontros temáticos aconteceram nas sedes de organizações parceiras ao redor do Complexo do Alemão. Além disso, foi realizado o Fórum Popular do Complexo do Alemão, em 10 de setembro de 2022, na Vila Olímpica Jorginho da SOS.

Os encontros temáticos e o Fórum Popular do CPX culminaram no Plano de Ação Popular do CPX, documento que registra o resultado das discussões dos encontros e do Fórum, construído por numerosas organizações e projetos do CPX e além: Instituto Raízes em Movimento, CEPEDOCA, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Agência do Bem, Casa Fluminense, Fundo das Populações das Nações Unidas (UNFPA), Amigos do Complexo do Alemão, Centro de Integração Serra da Misericórdia (CEM), Abraço Campeão, Mulheres em Ação no Alemão (MEAA), Escola Quilombista Dandara dos Palmares, Oca dos Curumins, Casa Voz, Instituto Brasileiro de Lésbicas (IBL), Voz das Comunidades, Projeto Resgatando a Inocência, Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção (Educap), ViDançar, Cresce Comunidade, Instituto Emergência Social do Complexo do Alemão, Talentos do Morro, Fiocruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Laboratório Territorial de Manguinhos e Ministério da Saúde.

Construído de forma colaborativa, o Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão aborda onze temáticas prioritárias para a comunidade: (1) Saneamento Básico; (2) Juventudes; (3) Meio Ambiente; (4) Esportes; (5) Mobilidade; (6) Saúde; (7) Mulheres na Linha de Frente; (8) Segurança Pública; (9) Educação; (10) População LGBTI+; e (11) Habitação.

Moradores lêem o esquema que apresenta problemas e soluções, parte da metodologia adotada para construir o Plano de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante
Moradores lêem o esquema que apresenta problemas e soluções, parte da metodologia adotada para construir o Plano de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante

O processo envolveu diretamente os moradores, que se reuniram por diversas vezes em rodas de conversa, promovendo um entendimento profundo das dinâmicas sociais e culturais do território, oferecendo uma base para a formulação de políticas públicas que visem resolver as questões levantadas.

Discussão de um dos GTs do Plano de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante
Discussão durante reunião de um dos GTs do Plano de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante

A criação do plano não é apenas uma resposta às carências históricas de políticas efetivas para a favela, mas também uma demonstração do potencial de auto-organização dos territórios populares. Lucia Cabral, da EDUCAP, participante da construção do plano e moradora do Complexo do Alemão, afirma:

“Nosso plano se transformou em um fórum estratégico, um espaço de saberes, trocas, diálogo, escuta e também de controle social. É um lugar onde pautamos as demandas da comunidade e dialogamos com o poder público. Tornou-se uma Bíblia para nós.”

Fórum de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante
Fórum de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante

Em entrevista, David Amen, cofundador do Instituto Raízes em Movimento, explicou que:

“Nosso principal anseio é alcançar metas tangíveis no campo das políticas públicas e transformar esse plano em um instrumento que parlamentares possam utilizar de maneira justa e real no Complexo do Alemão, para que não seja mais uma promessa eleitoral.”

Ele acrescenta que a participação ativa dos moradores em todas as etapas permitiu sistematizar as reais necessidades do território e apresentá-las de forma coesa e organizada ao poder público.

As conclusões que estampam as 116 páginas do Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão refletem demandas comuns às 1.074 favelas cariocas. Portanto, as recomendações políticas do Plano poderiam ser utilizadas, de maneira adaptativa, para outras favelas do Rio de Janeiro em maior ou menor grau.

Acesse o Plano Popular do CPX na Íntegra:

Desafios para Candidaturas Locais e a Dinâmica Eleitoral

Mesmo com forte mobilização popular e articulação política interna, as candidaturas de favelas enfrentam barreiras para se consolidar em um cenário político dominado pelo racismo estrutural, pela estigmatização das favelas e pelo eleitoralismo. Em um ano eleitoral marcado por disputas intensas, o Plano de Ação Popular do CPX tem sido uma referência para as candidaturas e, ao incorporarem as demandas do plano à sua plataforma política, candidatos buscam demonstrar comprometimento com questões que afetam diretamente os moradores, promovendo uma política mais transparente e representativa.

Thainã de Medeiros, do Instituto Papo Reto, antes conhecido como Coletivo Papo Reto, e morador do Complexo do Alemão, pontua:

“A disputa de poder se tornou uma disputa por visibilidade. O voto vem antes da proposta. O Plano de Ação surge justamente para combater esse tipo de prática. Criado de forma coletiva, o plano entende de onde vêm as necessidades e quais são as reais mudanças que precisam ser implementadas pelos mandatos.”

Grupo de Trabalho do Plano de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante
GT do Plano de Ação Popular do CPX. Foto: Edilano Cavalcante

O impacto do Plano de Ação Popular do CPX já é sentido no cenário político local, além de, segundo os organizadores, o Plano ter se tornado uma referência para a Secretaria Nacional das Periferias. Um de seus principais avanços foi a confirmação da construção de um campus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) no Complexo do Alemão, uma demanda da comunidade de mais de uma década, que agora vai se concretizar, alcançada mediante mobilização comunitária e negociações com o governo federal.

Lançamento do Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão. Foto: David Amen
Lançamento do Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão. Foto: David Amen

O Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão mostra que democracia vai muito além do voto: está na reivindicação diária por direitos e na construção de espaços onde todas as vozes, inclusive as de favela, definam os rumos do país. A centenária história das favelas cariocas transborda de estratégias políticas, de ação e de mobilização popular.

Sem as favelas não há democracia. Portanto, no fim das contas, o maior desafio à democracia brasileira é o próprio Estado e suas práticas negligentes, que dificultam a participação efetiva de favelas e outras periferias, urbanas e rurais, e as mantém vulnerabilizadas.

Sobre a autora: Juliana Neris é fotojornalista, comunicadora popular, sambista, carioca e cria da Vila Vintém, formada pelo Imagens do Povo, CEO do Portal Comunicria e integrante da equipe do Mulheres no Ritmo RJ.


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