Os grupos de defesa do direito à moradia esperavam que o início das Olimpíadas colocaria um ponto final ao doloroso e fora do comum período de remoções que o Rio tem vivenciado desde que a cidade foi eleita para sediar os Jogos, em outubro de 2009.
Ainda assim, o Tribunal de Contas da União anunciou na quarta-feira, 10 de agosto, que o Jardim Botânico do Rio terá 90 dias para remover a comunidade do Horto, na Zona Sul do Rio, dando um golpe nos esforços de longo prazo que asseguravam a permanência da comunidade. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou o período indo contra o parecer dos especialistas, que recomendam um mínimo de 180 dias para completar o processo. Desde a semana passada o Jardim Botânico não havia prometido nenhuma indenização aos moradores que perderão suas casas, apesar das objeções do Ministro Bruno Dantas, que defendeu que as remoções não deveriam acontecer antes que fosse fechado um acordo de compensação.
Horto, uma comunidade formada por 621 famílias, foi fundada há 200 anos, quando o Rei João VI convidou trabalhadores que construíram o Jardim Botânico a morarem na propriedade vizinha. Gerações de empregados do Jardim Botânico têm vivido no Horto, e muitos deles receberam a moradia em vez do pagamento por seu trabalho. A comunidade enfrentou diversas tentativas de remoção por parte da comissão dirigente do Jardim Botânico, com ameaças de remoção que datam desde os anos 60.
O anúncio da semana passada veio depois de um longo período de incerteza após a suspensão da Presidente Dilma Rousseff. Mais de 200 famílias entraram com processos contra o Jardim Botânico, um parque nacional, por emitirem notificações de despejo no início deste ano. Uma série de manifestações em março levou centenas de moradores e apoiadores da causa a protestar contra a remoção de vários moradores idosos, o que foi finalmente postergado. O caso está em litígio em Brasília por meses, mas foi adiado por conta do tumulto político no governo federal. Os moradores consideravam o governo da Presidente Rousseff como sendo sua melhor chance de resistência, já que o governo apoiou os esforços da comunidade.
Após a posse do presidente interino Temer, o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR), Emerson de Souza, informou que os moradores têm tido dificuldade em contatar representantes do governo Temer em relação a sua causa. Representantes do Jardim Botânico recusam-se a se comunicar diretamente com os moradores, optando por entregar notificações de despejo e atualizações através de tropas de choque armadas.
Ao mesmo tempo que o Jardim Botânico alega precisar do terreno para expandir seu instituto de pesquisa, os moradores afirmam que estão sendo expulsos devido à especulação imobiliária. A comunidade está confinada no ascendente Bairro do Jardim Botânico, um bairro elegante salpicado com condomínios fechados e bistrôs caros, além da sede da gigante Rede Globo. Os moradores têm frequentemente criticado a Globo por seu interesse especial na remoção da comunidade. A Globo informou que a propriedade em que está o Horto está avaliada em R$10,6 bilhões e recentemente caracterizou a comunidade em uma manchete como uma “ocupação irregular”. Alguns executivos da Globo, incluindo o vice presidente do Grupo Globo José Roberto Marinho, fazem parte da Associação dos Amigos do Jardim Botânico.
Os moradores, entretanto, têm documentação mais do que suficiente par negar a narrativa de “invasão” e enfatizam sua forte conexão histórica com o terreno. Neuza Carcerere, 65, nasceu e cresceu no Horto e explica: “Para mim, o valor deste terreno não é monetário. O valor deste terreno para as pessoas aqui é a história e a comunidade”. O pai de Neuza trabalhava no Jardim Botânico e recebeu permissão para construir seu lar no Horto como forma de pagamento por seu trabalho.
De acordo com Emilia de Souza, ex-presidente da AMAHOR, a luta contra a remoção do Horto começou após a instalação dos escritórios da Globo no bairro. “Eles despertaram o interesse do mercado imobiliário e transformaram o bairro em uma área de alto valor, e depois disso chamaram os moradores de longa data de invasores”, ela explica. Apontando para as mansões construídas na encosta nas proximidades, Emilia de Souza comentou que aquelas casas burlaram as rígidas normas de zoneamento do Parque Nacional da Tijuca e nunca foram descritas pela Globo como “ilegais” ou “invasões”. “Essas leis só se aplicam à classe trabalhadora”, ela diz.
Os moradores argumentam que entregar a notificação de despejo durante as Olimpíadas foi uma tentativa de evitar a cobertura da mídia. Na declaração divulgada na internet, a AMAHOR escreveu: “Não somos contra as Olimpíadas, muito pelo contrário, somos contra o desmonte dos direitos constitucionais da classe trabalhadora: que corre a largos passos no Congresso Nacional. Enquanto o povo está focado nas disputas pelas medalhas o governo dilacera com nossos direitos fundamentais”.