O mundo inteiro passou as duas últimas semanas envolvido com incríveis proezas desportivas e pela capacidade atlética sobre-humana, tudo acontecendo aqui no Rio. A infinidade de problemas ocorridos na preparação dos Jogos parece ter desaparecido da memória para muitos dos 30.000 jornalistas internacionais presentes no Rio para cobrir os Jogos. Contudo, os problemas não desapareceram, nem mesmo foram suspensos durante os Jogos, como muitos esperavam. Os Jogos Olímpicos serviram como uma grande distração, com a atenção do mundo voltada para o esporte, ao passo em que o governo continua matando e removendo a população pobre e marginalizada, e, ao mesmo tempo, gastando bilhões para alegar esse “mundo novo”.
Esse não era um padrão inesperado. Pesquisas anteriores mostraram que, enquanto a imprensa normalmente critica os megaeventos durante a preparação, quando o evento em si acontece, o foco se volta para o esporte, e, posteriormente, o evento é proclamado um sucesso e os problemas relegados ao esquecimento. A crítica também tende a ser mais severa quando os Jogos acontecem fora do mundo “desenvolvido”, já que os meios de comunicação podem desviar a atenção da valiosa marca Olímpica e culpar o governo local através de uma narrativa neocolonialista. Principalmente, quando escrevem sobre a limpeza social e a gentrificação que acontecem em todas as cidades-sede das Olimpíadas, a imprensa acaba pronunciando que “o Rio é ruim”, ao invés de relatar de forma mais precisa que “os Jogos Olímpicos são ruins”. A despeito da clara evidência de que os Jogos Olímpicos deixam um rastro de destruição e moradores revoltados, independente do local que aconteçam.
Apesar da presença de cerca de 30.000 jornalistas no Rio nas últimas semanas, pouca atenção foi dada as questões importantes que continuarão afetando cariocas quando os cinco anéis deixarem a cidade. Muitos moradores esperavam uma folga durante os Jogos, já que o governo não ousaria continuar abusando dos direitos humanos com os olhos do mundo fixos no Rio. Infelizmente, não foi o que aconteceu, já que o mundo focou apenas em partes específicas do Rio, no “mundo novo” de instalações Olímpicas e de renovação urbana, com pouca atenção dada ao preço pago pelos moradores do mundo velho.
Em vários casos, as pessoas pagaram com suas vidas. Depois de dez dias do início dos Jogos, a Anistia Internacional confirmou cinco mortes como resultado de operações policiais na cidade. E muitas outras mortes e ferimentos causados pela polícia foram relatados por grupos ativistas de comunidades como Maré Vive e Coletivo Papo Reto, com aumento de tiroteios registrados pelo aplicativo Nós Por Nós do Fórum de Juventude do Rio de Janeiro. Os ataques brutais contra pobres negros continuam bem debaixo do nariz da imprensa mundial, apesar da pouca cobertura. E fazer a cobertura poderia ser fácil, já que existem diversos grupos comunitários que publicam informações na mídia, de modo que os jornalistas poderiam ter escrito suas matérias direto de um quarto de hotel em Copacabana. Mas poucos o fizeram, ou se fizessem, seus editores se recusariam a divulgar as histórias. As Olimpíadas não foram um momento importante no Rio. Nada mudou, o legado Olímpico para os pobres da cidade, de acordo com uma postagem na página Maré Vive, foi “chumbo quente, repressão, mortes e nenhum investimento”.
Como foi fortemente relatado durante o período de preparação das Olimpíadas, os Jogos Olímpicos trouxeram a ameaça de remoção de volta para as favelas do Rio. Várias evoluções, como o crescente reconhecimento, em todo o mundo, de que a urbanização é a política preferida ao invés da remoção de assentamentos informais; a vitória da Vila Autódromo, e a suspensão do ímpeto Olímpico para o desenvolvimento serviram para dar esperança aos moradores das favelas de que este período de remoção estava chegando ao fim. No entanto, este não parece ser o caso da comunidade do Horto que tem 200 anos de existência e que está na mira da especulação imobiliária. Os moradores da comunidade pensaram que os Jogos Olímpicos lhes daria uma trégua, porém durante os Jogos o governo emitiu uma notificação de despejo de 90 dias. E, no entanto, apesar dessa história ter muitos aspectos convincentes como a da Vila Autódromo que recebeu ampla cobertura, a história do Horto por enquanto teve pouca repercussão na imprensa internacional, a despeito do grande número de jornalistas na cidade.
Com certeza, as Olimpíadas não serão lembradas como um evento verde (um título quase obrigatório para qualquer evento Olímpico desde que o COI adotou a retórica da sustentabilidade na década de 90), nem mesmo com a ênfase dada às mudanças climáticas na cerimônia de abertura, incluindo o projeto de plantar uma floresta dos atletas com 11.000 árvores. No entanto, esta floresta parece um insulto diante da promessa não cumprida de plantar 34 milhões de árvores para compensar a pegada ecológica causada pela emissão de carbono da dimensão Olímpica. Nenhuma promessa de legado ambiental foi cumprida. Este é um recorde assustador para a cidade, porém ainda houveram elogios e aplausos para a exuberante cerimônia de abertura. O campo de golfe e o complexo de apartamentos de luxo construídos em uma reserva ambiental, que foi local de protesto durante os Jogos, e os níveis de poluição perceptíveis a olho nu da Baía da Guanabara e outros cursos de água do Rio continuam sendo os verdadeiros legados ambientais dos Jogos de 2016.
O Brasil e o Rio têm um futuro incerto. O processo de impeachment iminente de Dilma Rousseff ameaça trazer uma mudança antidemocrática de governo pela primeira vez desde o fim do regime militar na década de 80. Ao mesmo tempo, o Ministro da Justiça, sob administração temporária, autorizou a polícia a usar armas de alto poder de fogo confiscadas de criminosos, isso em um país onde é amplamente reconhecido que a Polícia Militar comete abusos dos direitos humanos impunemente. A economia não apresenta sinais de melhoras, além do Estado do Rio de Janeiro estar à bancarrota e as finanças da prefeitura não estando muito melhores. Os projetos de legado prometidos para depois dos Jogos certamente serão cortados, já que não há dinheiro sobrando para pagar por eles.
No entanto, ao longo dos Jogos, a imprensa internacional foi se configurando para declarar que os Jogos Olímpicos do Rio foram um enorme sucesso, rebaixando o seu impacto sobre a cidade a irrelevantes notas de rodapé. Owen Gibson, editor de esportes do crítico jornal The Guardian, descreveu muitos dos problemas Olímpicos do Rio de Janeiro com precisão, mas encerrou seu artigo dizendo que o espírito Olímpico dos atletas ainda poderia salvar os Jogos. Com o término das Olimpíadas, os meios de comunicação de todo o mundo anunciaram que os Jogos foram um sucesso. No entanto, com mais de 2.600 mortes nas mãos da polícia e mais de 77.000 pessoas que perderam suas casas, sendo sete para cada atleta, as Olimpíadas não podem ser consideradas um sucesso para o povo do Rio, independente do efêmero “espírito olímpico” exibido. E a repercussão Olímpica que o Rio está recebendo só serve para legitimar políticas nocivas e abusivas da prefeitura, dificultando as perspectivas da cidade de se recuperar das feridas causadas por sediar os Jogos Olímpicos de 2016.
Adam Talbot é um pesquisador de doutorado no Centro de Estudos de Esportes, Turismo e Lazer da Universidade de Brighton, no Reino Unido. Ele está realizando um projeto etnográfico com foco em movimentos sociais e ativismo nos Jogos Olímpicos Rios 2016.