No dia 22 de agosto, Rafaela Silva, de 24 anos, voltou para casa na Cidade de Deus com a primeira medalha de ouro do Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016 na mão. Sua visita e desfile pela comunidade, na Zona Oeste do Rio, começou no projeto social Lutadores de Cristo, onde ela foi recebida por cerca de 200 pessoas, incluindo jovens que praticam jiu jitsu no projeto, líderes da comunidade, moradores e a imprensa.
Naquela tarde no estúdio de jiu jitsu, Gabi Pessanha–uma menina de 14 anos da Cidade de Deus que ganhou duas medalhas no Campeonato Mundial da Federação Internacional de Jiu Jitsu Brasileiro – 2016, que aconteceu em Los Angeles em junho–aguardava a chegada de Rafaela. Gabi juntou seu próprio dinheiro para viajar e competir em Los Angeles vendendo lanches pela cidade. Ela diz que se inspira em Rafaela: “Ela é uma garota da favela, ninguém deu nada por ela, e ela realizou um sonho. Ela me motiva”. Rafaela encontrou Gabi no início de sua visita e a encorajou a continuar se dedicando ao jiu jitsu.
Depois de ser eliminada dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012 por realizar um golpe irregular em sua oponente, Rafaela Silva sofreu ataques racistas nas redes sociais que quase fizeram com que ela desistisse de voltar a lutar judô. Porém, a volta de Rafaela, na segunda-feira, a tornou um forte exemplo a ser seguido pelos jovens moradores da favela, principalmente jovens meninas negras, como Gabi Pessanha.
Na breve entrevista coletiva que se seguiu, Rafaela atribuiu seu talento no judô ao fato de ter sido criada em uma favela: “Meu professor, Geraldo Bernardes, sempre disse que por eu ter vindo de uma favela, onde as pessoas precisam trabalhar muito para ter suas coisas–o que não é fácil–eu tinha uma agressividade diferente e mais coordenação por subir em árvores, empinar pipas e jogar futebol nas ruas. Ele queria canalizar todas essas coisas diferentes que aprendi na favela para os esportes e conseguimos canalizar tudo isso para o judô”.
Também esteve presente no estúdio de jiu jitsu Lutadores de Cristo o presidente e fundador da organização, Josué Bronduinro. Ele está satisfeito por Rafaela ter mostrado ao mundo e aos moradores locais que a Cidade de Deus não é, em si, um lugar violento e tomado pelas drogas, como perpetuado pela grande mídia e pelo filme que leva seu nome. “Ela é uma referência para o bairro que sempre é rotulado como um lugar que tem violência, prostituição e drogas. Nós temos alguém, Rafaela Silva, uma medalhista Olímpica, que é fruto de um projeto social como este, e ela estar aqui, neste momento, com toda essa visibilidade, é muito bom… A Cidade de Deus é um lugar com pessoas trabalhadoras, pessoas determinadas, e têm muitas pessoas com diversos talentos que ainda são desconhecidas. A Rafaela é uma dessas pessoas muito talentosas, nascida e criada aqui na Cidade de Deus”, disse Josué Bronduinro.
O projeto Lutadores de Cristo dá a 150 jovens da Cidade de Deus a oportunidade de praticar jiu jitsu com instrutores voluntários de forma totalmente gratuita, com o objetivo de tirar os jovens das ruas e expandir sua visão de mundo. Os Lutadores de Cristo representam apenas um de muitos projetos comunitários poderosos que fazem a diferença na Cidade de Deus.
Após sua visita ao estúdio de jiu jitsu Lutadores de Cristo, Rafaela desfilou pelas ruas de sua comunidade, acenando para os moradores de cima de um caminhão de bombeiros do Rio de Janeiro, com um cartaz que dizia “Rafaela Silva, sua vitória vale ouro para a Cidade de Deus, seja bem-vinda!”. Em toda a comunidade, as pessoas corriam para acenar e cumprimentá-la enquanto ela e a procissão de jovens, pais e outros membros da comunidade seguiam pelas ruas, em carros, bicicletas e a pé. A procissão terminou na casa de seus pais.
Durante o desfile, as pessoas cantavam a letra do Rap da Felicidade, escrita por dois rappers da Cidade de Deus.
Veja nossas fotos do desfile (ou clique aqui para o álbum no Flickr):
Fotos por Sophia Zaia