Nos dias seguintes ao término das Olimpíadas 2016, a mídia brasileira examinou as reações da imprensa internacional ao evento. A TV Globo afirmou que a mídia mundial não poupou elogios. Uma matéria da Agência Brasil intitulada “Imprensa norte-americana destaca sucesso dos Jogos Olímpicos no Brasil” selecionou um resumo de reações com citações elogiando a cerimônia de encerramento e os Jogos de maneira geral.
O Presidência da República, por sua vez, publicou seu próprio resumo sobre como a “Imprensa internacional elogia organização brasileira e aponta sucesso dos Jogos”. A matéria destaca elogios para o evento em si e alguns jornalistas internacionais que louvaram as melhorias dos sistemas de transporte urbano, assim como a revitalização do porto da cidade.
Sim, as Olimpíadas receberam muitos elogios internacionais na semana de análise pós-evento, mas os brasileiros também devem estar cientes sobre a prevalência de críticas também, das quais poucas chegam às páginas dos jornais nacionais e menos ainda na TV. Estrangeiros que duvidaram da capacidade técnica do Rio de conduzir o evento do princípio ao fim foram merecidamente silenciados, mas muitos jornalistas internacionais nunca duvidaram dessa habilidade em primeiro lugar. Questões mais profundas sobre o legado social e a pergunta sobre se o custo (de pelo menos) 12 bilhões de dólares ‘valeu a pena?’ não foram silenciadas dentro da mídia internacional.
Reações complexas a um evento complexo
Em uma entrevista para a NPR examinando “Como Foi que o Rio Fez?”, a correspondente Lulu Garcia-Navarro enfatizou a importância de olhar separadamente para os 16 dias de jogos e os sete anos de preparação que “foram realmente muito complexos e muito difíceis” para os brasileiros. Fazendo referência a uma enquete brasileira publicada no último dia dos Jogos, ela acrescentou: “72% da população acreditava que os Jogos Olímpicos trouxeram mais custos do que benefícios. No entanto, 57% sentiram que a imagem do Brasil no exterior melhorou. Os brasileiros se apaixonaram por esses Jogos. O povo brasileiro estava ambivalente no início. Mas a população também sabe que a conta terá que ser paga”. Refletindo sobre os mesmos dados da enquete, o The New York Times citou a conclusão do colunista do Jornal O Estado de S. Paulo, José Roberto de Toledo de que a enquete refletiu um “evento de desperdício que deu certo”.
Discussão sobre esses resultados da enquete por si só já oferecem muito mais nuances do que as avaliações simplistas do Comitê Olímpico Internacional, do Comitê Organizador Rio 2016, do presidente interino Michel Temer ou do Prefeito Eduardo Paes.
A preocupação com o que virá em seguida tem sido um tema frequente na mídia internacional. Uma matéria do New York Times enfatizou que “o clima inebriante das últimas duas semanas, inevitavelmente, dará lugar a uma série de desafios: o sistema de tratamento de esgotos inadequada, a crescente pobreza e um governo estadual quebrado incapaz de pagar milhares de servidores públicos em tempo”. No The Guardian o especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares afirmou que os Jogos em si foram “um sucesso”, mas continuou a dizer: “O que preocupa é o que vai acontecer no dia depois que terminar. Em pouco tempo os Jogos Olímpicos será memória, mas eles vão durar para nós que vivemos no Rio como um grande objeto de disputa política e um desafio para o futuro”.
Dadas essas preocupações iminentes o correspondente de esportes do The Guardian Owen Gibson questionou o presidente do COI Thomas Bach, comparando algumas de suas reivindicações ao conceito de George Orwell, “Negrobranco”, ou a “capacidade de acreditar que o preto é branco”. Em contraste, o artigo de Gibson destaca dois aspectos positivos e negativos dos Jogos chamando-os de “passeio” que “teve voltas caóticas contraditórias, edificantes, divertidas, encantadoras e enraivecidas”. Esta ideia dos Jogos como “contraditórios” tem sido tema constante na mídia estrangeira. O Boston Globe, por exemplo, chamou os Jogos Olímpicos de “um espetáculo de contraste, os Jogos imperfeitos”.
Os legados declarados dos Jogos também continuaram a aparecer sob escrutínio. Owen Gibson questionou se o uso de algumas infraestruturas dos Jogos Olímpicos para construir quatro novas escolas irá realmente enfrentar a “profundamente enraizada crise de financiamento público”, que está minando a capacidade do estado em manter os serviços de educação e de saúde pública. Artigos da BBC e CBC abordaram o fato de que moradores de favelas foram excluídos dos Jogos pelos altos preços dos ingressos e por projetos de legados que não servem as suas necessidades. Uma matéria no The Mirror abordou sobre os custos sociais de sediar os Jogos assim como a reflexão de Luiz Eduardo Soares no The Guardian. Até mesmo o artigo do New York Times citado pela Agência Brasil e o governo federal ofereceu evidências tanto de apoio como de contestação à ideia de que os Jogos deixaram um legado positivo para a cidade.
Alguns autores de matérias se recusaram a deixar a emoção dos esportes os distrair de uma crítica mais aprofundada. “Os Jogos do Rio foram um desastre humano injustificável, e assim são as Olimpíadas”, dizia uma manchete no Vice Sports. A matéria destacou as remoções em massa, as milhares de pessoas mortas por uma política de pacificação tentando pintar um retrato de segurança, bem como a transferência de dinheiro para os abastados, para os interesses privados, à custa da espiral da dívida pública “exacerbando as divisões socioeconômicas”.
Narrativa de sucesso sob escrutínio
Prevendo a mídia sobre os muitos elogios para a cidade anfitriã bem embalada, um artigo no ThinkProgress foi intitulado “Não Chamem os Jogos Olímpicos do Rio de Um ‘Sucesso'”. Um artigo escrito no POLITICO advertiu explicitamente aos jornalistas que estavam elogiando os jogos acriticamente. No ThinkProgress o repórter esportivo Lindsay Gibbs escreveu: “atletas individuais tiveram sucessos no Rio e não há nada de errado em saudá-los. Mas não deixe que isso se torne uma distração das falhas sistêmicas em jogo nas Olimpíadas como um todo”.
Talvez houve uma pequena mudança na forma como a mídia avalia os megaeventos, desde a Copa do Mundo de 2014. O correspondente da BBC Wyre Davies escreveu, logos após a Copa do Mundo: “Eu vou colocar minhas mãos para cima, e assim deveria fazer uns tantos outros, por possivelmente terem subestimado a capacidade do Brasil em realizar o que acabou sendo uma Copa do Mundo esmagadoramente bem-sucedida”. A matéria não estava livre de crítica, mas o título: “Como o Brasil silenciou seus críticos” era consideravelmente mais generoso do que a versão mais neutra para os Jogos Olímpicos: “Os Jogos Olímpicos foram um sucesso para o Brasil?”, no artigo pós-Olimpíadas Wyre Davies foi mais explícito sobre o que ele considerava um sucesso: “de uma perspectiva puramente desportiva a Rio 2016 tem sido uma Olimpíada extraordinariamente bem-sucedida”.
Outros exemplos de elogio eram ainda menos convincentes. O canadense The National Post criou uma narrativa articulada com baixas expectativas sobre o sucesso dos Jogos no Rio: “As Olimpíadas do Rio serão lembrados como um sucesso porque não foram um fracasso”. Até a linha no Los Angeles Times, destacada pela Agência Brasil–“Os Jogos do Rio provaram a ser um desafio, mas no final as coisas não foram tão ruins assim”–não era fez uma crítica deslumbrante, mas isto foi apenas o subtítulo da matéria na página inicial do site, e não uma parte da avaliação equilibrada feita na própria matéria.
Variando entre aprovação cautelosa e entusiasmo desenfreado pobremente justificado, os elogios para os Jogos Olímpicos do Rio certamente prevaleceram nas análises de destaque na mídia de massa brasileira da semana pós-Olimpíadas. Mas a reação da mídia internacional foi mais complexa do que as reportagens da Agência Brasil e do governo federal admitiram, assim como com os legados dos Jogos.