Logo antes da abertura das Olimpíadas, o RioOnWatch lançou uma campanha de um dia nas mídias sociais com a intenção de denunciar o estigma infundado associado às favelas do Rio. Usando a hashtag #StopFavelaStigma, durante o dia 3 de agosto o RioOnWatch publicou matérias e compartilhou mensagens ressaltando as vozes das comunidades para combater os estereótipos prejudiciais que reforçam o preconceito contra os moradores de favelas.
A hashtag obteve um impulso significante nas mídias sociais: uma simples busca no Facebook revelou mais de 85.000 “Pessoas Falando Sobre Isto”–um número que inclui curtidas, comentários e tags nas mensagens contendo a hashtag. Aqui documentamos os variados tópicos, debates e links discutidos e compartilhados ao longo do dia.
Representações das favelas
Dando início à campanha #StopFavelaStigma com uma matéria intitulada “Favela, Território Popular“, a jornalista comunitária Daiene Mendes do Complexo do Alemão escreveu:
“A favela não deve ser tratada como uma coisa exótica, fora da realidade ou digna de pena. Os moradores de favela carregam uma bagagem de força e energia para transformar realidades. Costumo dizer que quase todo morador de favela é um ativista, porque a resistência precede ao ativismo e o contexto de favela por si só é marcado de luta e resistência.”
As palavras de Daiene focam na profusão de moradores de favelas que se utilizam de seus talentos e projetam suas vozes para fazer mudanças positivas dentro e além das suas comunidades.
Contudo, nos meses que antecederam as Olimpíadas e durante os Jogos, muitas favelas do Rio passaram por extensos períodos de intensa violência. Operações policiais frequentes e tiroteios quase diários no Alemão, no período, levaram alguns moradores a denunciar a situação atual como um “estado de guerra”. Um alerta no Facebook postado pelo jornal comunitário Voz das Comunidades, logo após as 10 horas da manhã do dia da campanha #StopFavelaStigma, ressaltou os impactos das políticas equivocadas baseadas e justificadas pelo estigma: “Duas pessoas foram baleadas e mortas nesta manhã na operação da PM no Complexo do Alemão. O clima continua tenso em toda parte da comunidade”.
Assim como Daiene no Alemão, a jornalista comunitária Thaís Cavalcante do Complexo da Maré tem trabalhado ativamente para apresentar uma narrativa alternativa sobre a sua comunidade diante da cobertura da grande mídia que sensacionaliza a violência e retrata a Maré como um espaço inerentemente criminal. Apresentada em um episódio do On the Media da WNYC, programa da rádio nacional americana (NPR) em Nova York e ouvida nos Estados Unidos como um todo, Thaís descreveu o que a cobertura da mídia tipicamente diz sobre a Maré: “Que nós somos criminosos, que nós somos sujos… Essa cobertura ruim é usada para afirmar as operações policiais e as mortes”. Os moradores têm tomado medidas para combater as ações opressivas do estado, mobilizando-se através de iniciativas como a campanha “Somos da Maré. Temos Direitos!” para informar aos cidadãos os seus (frequentemente negados) direitos no contexto das operações policiais.
Enquanto as tensões aumentavam no Alemão e na Maré com o início dos Jogos Olímpicos, a cobertura seletiva da imprensa durante o período Olímpico resultou em um frenesi da mídia. Frequentemente, a grande mídia internacional faz o recorte da violência no Rio na medida em que afeta os turistas na Zona Sul da cidade, ignorando que a violência é um fenômeno profundamente arraigado, sistêmico e estrutural com repercussões para os moradores locais muito além da cerimônia de encerramento dos Jogos.
Cerianne Robertson, Coordenadora de Pesquisa da Comunidades Catalisadoras lidou com as falsas percepções frequentemente reproduzidas pelos jornalistas estrangeiros na sua matéria “Como Não Escrever Sobre o Rio” recentemente publicada no POLITICO: “Sim, a maioria das favelas não tem infraestrutura de esgoto adequada, e algumas favelas são locais de tráfico de drogas e violência–sintomas de décadas de negligência do governo alternado com a opressão do governo–mas ao contrário do que os fãs dos filmes ‘Cidade de Deus’ ou ‘Tropa de Elite’ ou o jornal Daily Mail podem imaginar, menos de um por cento dos moradores das favelas estão envolvidos no tráfico. Na maioria das favelas não há a presença do tráfico”.
Entre os equívocos populares sobre as favelas do Rio está a ideia que as “favelas são slums” (bairros precários sórdidos) como David Robertson, contribuinte da RioOnWatch ressalta na sua matéria que desfaz mitos no Buzzfeed. A campanha #StopFavelaStigma ressaltou a pergunta complexa colocada em 2015 pelo chefe do escritório do The New York Times no Brasil, Simon Romero que tuitou: “Procurando opções melhores do que “slums” para traduzir favela. Como explicar concisamente estes lugares complexos e vibrantes?”
Traduzir favela como “slum” é problemático pois sugere a condição de miséria ou depravação. Outros termos também são inexatos: “shantytown” sugere uma condição de precariedade, formado por “barracos” de materiais impróprios para construção; gueto faz alusão a segregação racial ou religiosa; e “squatter settlement”, o que seria traduzido em “assentamento de invasores”, sugere uma ocupação ilegal. Para escrever corretamente sobre as favelas na língua inglesa, e diminuir a estigmatização, devemos evitar estas traduções preguiçosas e julgadoras e apenas chamá-las de favelas.
Valorizando as qualidades das favelas
Enquanto favelas são tipicamente brasileiras, a estigmatização de bairros de baixa renda (chamando-os de bairros sórdidos, ou ‘slums’, por exemplo) é um fenômeno global. Do Ato de Eliminação e Prevenção do Ressurgimento de Slums da África do Sul, ao “Cities without Slums” (Cidades sem Slums) que é o slogan que acompanha o Alvo 11 da Meta 7 do Desenvolvimento do Milênio da ONU, é importante identificar as visões negativas associadas à palavra “slum” e, além disto, reconhecer que erradicar a informalidade não é uma solução urbana viável ou socialmente desejável.
No entanto, escrever corretamente sobre as favelas implica não apenas evitar a tendência de flagrantemente fetichizar a violência, ou no outro extremo, a tendência de romantizar a pobreza. Entender as favelas do Rio deve começar por examinar o contexto histórico no qual as favelas surgiram e se desenvolveram por mais de 100 anos. O curta-metragem produzido pela Comunidades Catalisadoras denominado “O Que é Favela?“ traça a história das favelas no Rio, desde a descrição da origem da palavra “favela” até a exploração da diversidade destes bairros urbanos atualmente.
Como o arquiteto Justin McGuirk contundentemente pergunta no seu livro Cidades Radicais: “Quando aceitaremos o fato que as favelas não são um problema de urbanidade, mas a solução?” Deve-se entender as favelas, e outros assentamentos informais, não como temporários mas sim como características integrais do panorama urbano que tem ativos positivos e requerem soluções de políticas públicas a longo prazo.
A professora Justyna Karakiewicz da Escola de Engenharia de Melbourne descreve algumas das características que definem (e são desejáveis) das favelas do Rio, inclusive que “são flexíveis e adaptáveis no seu funcionamento e uso”. Da mesma maneira, Jorge Luiz Barbosa do Observatório de Favelas elabora sobre as qualidades positivas das favelas em um artigo para O Dia: “A favela é um território de experimentações, de singelezas e de desafios. Olhando de longe não identificamos os equipamentos culturais monumentais… Mas quando nos aproximamos fica em relevo a pluralidade de invenções e de práticas que dão significado à existência humana”.
Enquanto às vezes as favelas do Rio são retratadas como locais de pobreza abjeta, elas representam opções de habitação acessível à classe trabalhadora para cerca de um quarto da população da cidade. De fato, um estudo do Data Popular em 2015 mostrou que 65% dos moradores das favelas consideram-se como classe média.
No entanto, em uma cidade onde o custo de vida disparou nos últimos cinco a dez anos, a intensa especulação imobiliária acelerou o processo de gentrificação–afetando principalmente as favelas da Zona Sul como o Vidigal. As potenciais soluções para mitigar este processo incluem proteções legais e títulos de posse coletivos. Em outros casos, o desenvolvimento urbano na cidade–catalisado pela especulação no mercado imobiliário e justificado sob o pretexto das Olimpíadas–resultou em traumáticas remoções, mais notoriamente na Vila Autódromo ao lado do Parque Olímpico na Barra da Tijuca, Zona Oeste.
A remoção forçada acarreta mais do que apenas danos físicos devido as casas destruídas. A ex-moradora da Vila Autódromo Jane Nascimento reflete que “casa não se constrói com dinheiro, se constrói com amor”. A Vila Autódromo, no entanto, não é apenas uma “vítima” do processo Olímpico–mas sim, um símbolo da resistência que demostrou o poder da estratégica organização da comunidade.
Soluções Criativas
Resistência, ativismo, liderança e criatividade são características que definem as favelas. Diana Anastácia do coletivo de produção cultural Fortaleceu Produções no Jacarezinho, na Zona Norte, contribuiu com uma matéria para o RioOnWatch para o dia da campanha #StopFavelaStigma intitulada “Jacarezinho na Visão de Quem Mora” sobre a resistência cultivada na favela: “Alguns exemplos da existência da potência cultural no solo favelado, são moradores do Jacarezinho que incomodados com o desamparo, resolveram fazer por eles mesmos”.
Uma manifestação do espírito de faça-você-mesmo que Diana descreve é o conceito de mutirão, uma ação coletiva onde os moradores se mobilizam e se juntam para cuidar das necessidades da comunidade. Por exemplo, os moradores da Vila Kennedy na Zona Oeste do Rio compartilham de um “mutirão de limpeza… os mutirões acontecem todo dia de chuva de verão e inverno, já que a chuva empurra terra e sujeira para dentro da manilha de água”.
No Complexo do Alemão, a organização comunitária Instituto Raízes em Movimento conduziu uma série de projetos de mutirão para reutilizar os espaços públicos abandonados que foram deixados para trás pelas construções do PAC e também pela incapacidade do programa de atender às necessidades da comunidade, com o argumento de que o que a comunidade queria “não é viável tecnicamente… aqui não dá pra fazer”. O coordenador Alan Brum descreve o valor destas obras públicas construídas pela comunidade, produzidas pelos moradores do Alemão com o apoio de parceiros de universidades e de ONGs: “A gente quer provar que é possível ter qualidade técnica e ao mesmo tempo levar em consideração o que os moradores querem para o espaço. O resultado vai ser também uma arma política, que nos possibilita afirmar: ‘Vocês falam que não é possível tecnicamente levar em consideração o que os moradores querem—como eles querem—e ao mesmo tempo ter qualidade técnica. Porém, isto é possível'”.
Enquanto algumas favelas lutam com más condições físicas e ambientais devido a décadas de negligência dos governantes, outras são modelos exemplares de desenvolvimento urbano sustentável. Lançado na Rio+20 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em 2012, o curta-metragem da Comunidades Catalisadoras “Favela como Modelo Sustentável” mostra as qualidades positivas das favelas do Rio e como as favelas podem inspirar mais e mais um paradigma de desenvolvimento sustentável para a cidade como um todo.
No Morro da Formiga, por exemplo, uma favela situada entre o bairro da Tijuca e a Floresta da Tijuca na Zona Norte, os projetos ambientais prosperam, desde um sistema de água servindo as casas administrado pela comunidade, até um impressionante projeto de jardinagem. Outro ponto de interesse para as iniciativas sustentáveis baseadas nas favelas é o Vale Encantado, uma pequena favela na Floresta da Tijuca perto do Alto da Boa Vista, onde a cooperativa dos moradores liderou a construção de um biossistema de tratamento de esgoto sustentável.
Esta solução inovadora para resíduos chamou a atenção internacional, tornando o Vale Encantado o principal caso de estudo para LEED-UP (LEED para a Urbanização de Assentos Informais)–um ramo informal do sistema de certificação de desenvolvimento verde LEED do Green Building Council (Conselho de Construção Verde). Da mesma forma, apesar da reivindicação feita pela Vila Olímpica Ilha Pura quanto à sustentabilidade ambiental e social do empreendimento, a favela próxima, Asa Branca, se classifica com 28% a mais quando medida pelos critérios de LEED para Desenvolvimento de Bairros (LEED-ND), vencendo a certificada Vila Olímpica e levando o “ouro” em sustentabilidade.
Mais informalidade e criatividade, menos criminalização
Assim como o estigma desvia o potencial das favelas para inspirar as práticas de desenvolvimento sustentável, o estigma pode inibir o reconhecimento das favelas como centros de produção criativa e expressão cultural. Nas palavras de Jocemir Moura dos Reis do Complexo do Chapadão na Zona Norte: “Nossa maior dificuldade é o fato de que a população de um modo geral não consegue se ver enquanto território de cultura e não assume este modo de viver. Assim, a sensação é de que musica, artes plásticas, poesia, livros não fazem parte do horizonte do nosso povo, da nossa gente ou território”.
Debora Pio escreve em uma matéria para o Viva Favela: “A cultura maker (faça-você-mesmo) sempre foi uma característica presente nas favelas, seja pela falta de recursos que acabam potencializando a criatividade, seja pela maior necessidade dos moradores de reinventarem seu cotidiano… E por que não valorizar essas habilidades?”
O músico Rodrigo Souza da Maré também confirma esta riqueza cultural: “Aqui dentro da favela não só tem arma, não só tem droga, não só tem monstro, não só tem polícia, também têm pessoas que trabalham, também têm pessoas que trabalham com arte, também têm pessoas que lutam diariamente. Na verdade, essas são a maioria das pessoas… mesmo você morando em favela, você pode ser artista, você pode consumir arte, isso não é um privilegio da classe média nem da burguesia, isso é um direito de todo cidadão”.
Da coletânea de fotografias do Imagens do Povo aos projetos locais apresentados no festival de filmes Reimagine Rio e à série de vídeos no YouTube Favelados Pelo Mundo, os moradores das favelas em toda a cidade trabalham para desafiar os estereótipos e desconstruir as falsas percepções sobre as favelas e as diversas produções culturais que surgem.
Ao mesmo tempo que as favelas são estigmatizadas, a cultura da favela tem sido cada vez mais apropriada pela sociedade. Recentemente, uma paisagem de favela serviu de pano de fundo estético para a cerimônia de abertura das Olimpíadas, onde o funk foi proeminentemente apresentado apesar de ser uma expressão cultural criminalizada nas favelas. Diana Anastácia da Fortaleceu Produções articulou: “Mais uma vez a nítida dicotomia entre a favela e o asfalto, pois sabemos que o Funk, principal ação cultural oriunda de favelas, é impossibilitado de ser promovido pelo morador, negro, ator local, que nasceu envolvido nas ações do movimento Funk, em contrapartida das festas que acontecem pela cidade… lugares de privilégio e privilegiados, que desfrutam do Batidão, e ainda folclorizam e estereotipam a realidade dura e resistente das favelas”.
A criminalização da cultura nascida nas favelas é uma manifestação da criminalização da pobreza, um processo pelo qual os indivíduos e grupos enfrentam preconceito sistêmico e maus tratos baseados nas suas circunstâncias econômicas. Como exemplo, a cientista social Priscila Loretti da UERJ descreve os efeitos de regularizar a eletricidade após a instalação da UPP no Santa Marta na Zona Sul do Rio: “Sem políticas públicas adequadas à realidade dessas populações, elas acabam sendo empurradas para as margens sociais, contribuindo mais uma vez para reforçar o estigma da favela como o lugar do crime e da informalidade”.
A Diretora Executiva da Comunidades Catalisadoras Theresa Williamson elabora sobre as repercussões sociais e econômicas da criminalização da pobreza em uma recente entrevista para a revista Guernica: “Não há nada intrínseco a elas [favelas] que gere a criminalidade. O fato é que o Estado as tem negligenciado, deixando-as como alvos fáceis para o crime organizado; os cidadãos de favelas são tratados como criminosos e, por isso, vivem inúmeros obstáculos para acessar emprego e alguns se voltam para o crime organizado; e tínhamos uma economia estagnada no Rio durante os últimos quarenta anos e agora nos encontramos lá novamente”.
As práticas discriminatórias–como negar oportunidade de emprego devido, somente, ao local onde a pessoa mora–são consequências sociais e econômicas reais do estigma das favelas. A série do RioOnWatch “Linguagem da Favela“ explora como a linguagem é uma outra maneira percebida da identidade social poder vir a ser usada como pretexto para discriminação: “Distinguir entre a maneira ‘certa’ e ‘errada’ de falar em português pode ser uma maneira simples de racionalizar a discriminação e a desumanização”. Estes tipos de discriminação servem para criar associações falsas entre morar nas favelas e características pessoais negativas (como inconfiabilidade ou falta de educação), revelando preconceitos profundos baseados na classe e na raça que continuam existindo.
Mídias diversas desafiando os estigmas das favelas
No entanto, constantemente, os moradores e ativistas comunitários de favelas por toda a cidade recusam-se a deixar que estas práticas discriminatórias e narrativas estigmatizantes os definam. Como Adriana do Complexo da Mangueirinha na Baixada Fluminense do Grande Rio descreve, “Já somos discriminadas por sermos pobres, por sermos negras. Mas se permitirmos que isso domine nossas vidas, não andaremos para frente”.
A jornalista comunitária Juliana Portella usou #StopFavelaStigma para marcar este poema, composto por Jessé Andarilho, conhecido como #marginow: “Não quero morrer de tiro / Me recuso, me retiro / Policia me mata eu viro bandido / Bandido me mata eu viro X9 /… / Minha cor me faz suspeito / Minha classe me condena / Eu só quero mais respeito”.
O grupo comunitário Maré Vive compartilhou um poema do rapper Cleiton Oliveira. A primeira estrofe denuncia fortemente as maneiras sutis e ostensivas como o racismo tem penetrado historicamente na sociedade brasileira: “Aquele olhar de cara torta, as piadas são dolorosas / Não vou fingir que não incomoda, incomoda. / A 500 anos fecham as portas / As chibatas continuam só que são silenciosas”.
Além de denunciar a violência, os moradores das favelas têm um papel essencial para parar com o estigma nas favelas ao lançar luz nos atributos positivos das suas comunidades. Carla Siccos da mídia comunitária CDD Acontece na Cidade de Deus, na Zona Oeste, elabora: “A grande mídia só procura o CDD Acontece quando acontecem coisas ruins aqui dentro. E nós temos muitas coisas boas que podemos mostrar. Podem sair matérias lindas daqui, de pessoas que fazem acontecer. Têm atletas, têm pessoas que são brilhantes, que mereciam um destaque. Eu não quero ver essas coisas apenas no CDD Acontece, sabe? Eu quero que outros conheçam estas pessoas e seus trabalhos”.
Enquanto muitos grupos de mídia comunitária são com razão críticos da grande mídia, algumas grandes mídias internacionais têm trabalhado para mudar o seu foco quanto à representação das favelas do Rio. O New York Times produziu o vídeo recente “O Badminton Brasileiro Balança com Samba” que ressalta uma iniciativa que incorpora a criatividade e inovação encontrada nas favelas do Rio. O Vox lançou um excelente vídeo, “Dentro das favelas do Rio: os bairros empobrecidos e negligenciados da cidade“. Finalmente, o The Guardian deu passos históricos para acabar com o estigma das favelas com a sua série “A Vista da Favela“, apresentando contribuições de jovens jornalistas comunitários: Michel Silva da Rocinha, Daiene Mendes do Alemão e Thaís Cavalcante da Maré.
O que é especialmente potente sobre estas recentes matérias–entre um mar de narrativas estigmatizantes na mídia–é que elas ofereceram uma plataforma internacional para os moradores das favelas falarem por si mesmos.
Os moradores das favelas nas mídias sociais
Para a campanha #StopFavelaStigma os moradores das favelas foram convidados a refletir sobre as suas comunidades e reagirem ao estigma escrevendo no Facebook e no Twitter usando as hashtags #MinhaFavelaÉ e #MinhaFavelaNãoÉ, bem como #MinhaFavelaEra em casos de remoções.
Usando #MinhaFavelaÉ, Thainã de Medeiros do Coletivo Papo Reto no Alemão postou: “#MinhaFavelaÉ potência! Estamos além dessa operação que teve hoje da polícia Civil que coloca toda uma comunidade com mais de 200 mil pessoas refém de uma guerra às drogas”. Compartilhando junto um vídeo produzido por jovens moradores sobre o que significa ser um “maker de favela“, ele continuou: “Minha Favela produz essa galera aí que tá criando, inventando e trazendo soluções que beneficiam a todos! Não existe cultura carioca sem favela! Tente encontrar, não vai encontrar nenhuma expressão carioca que não tenha passado por aqui! O estado e as empresas nos ignoram, nos silenciam, mas sabem usar nossas formas de expressão. Sabem lucrar com isso! Mas não tamo de bobeira não! Somos makers de favela!”
Gilmar Lopes, fundador da Casa Sociocultural Eco-sport no Morro dos Cabritos na Zona Sul escreveu: #MinhaFavelaÉ “um lugar maravilhoso cercado pela natureza e é onde nasci, fui criado, e onde tenho minhas raízes!”
O fotógrafo Saulo Nicolai postou uma foto da sua comunidade com a legenda: “Morro dos Prazeres, local que me concedeu as maiores oportunidades, em todos os campos possíveis hoje se encontra em mais um momento de luta, momento de busca pela paz e de fazer valer mais uma vez seu nome. A tensão paira sobre o local, sinto medo nas pessoas mas também esperança, na singela homenagem de bar, na quebra de silêncio com a chegada do fim de semana, na recepção calorosa e hospitaleira em cada canto, nas crianças que ainda correm e brincam livremente. Lugar que, em abandono pelo estado (que estado?) ainda teima em sorrir. #MinhaFavelaÉ luta, resistência e fé!”.
Thaís Cavalcante escreveu “#MinhaFavelaÉ livre” e compartilhou uma foto dos moradores passeando pela notoriamente movimentada Avenida Brasil. A foto foi tirada numa noite em que a avenida estava fechada e vazia para obras.
O jornalista comunitário Renan Schuindt de Costa Barros na Zona Norte postou o primeiro depoimento com a hashtag #MinhaFavelaNãoÉ. Ele escreveu: “Acabei de dar uma volta aqui em Costa Barros e exatamente ao meio-dia, a favela parece uma cidade fantasma. O medo faz isso com as pessoas. E o pior é quando o medo que sentimos é gerado pela presença de quem deveria nos dar uma sensação contrária. Só espero que dessa vez não tenhamos que perder vidas para dar segurança a quem não sabe o que de fato acontece por aqui!!!! #MinhaFavelaNãoÉ um campo minado!!!”
Finalmente, usando a plataforma #MinhaFavelaEra, a ex-moradora da Vila Autódromo e Candomblecista, Heloisa Helena Costa Berto, refletiu sobre a sua experiência ao ser removida da sua casa–que também servia como santuário religioso–durante o processo de preparação das Olimpíadas. Heloisa escreveu: “#MinhaFavelaEra pousada sagrada da guerra cotidiana. / Cenário do jogo de luzes no espelho da Lagoa ao entardecer. / A paz que ressuscitada meu coração ferido. #minhafavelaeraassim”.