Professores de Escolas Públicas nas Favelas do Rio Descrevem Desafios e Esperam por Mudança

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O descontentamento e a desmoralização dos professores no Rio de Janeiro estão crescendo. Recentemente, uma greve coordenada pelo sindicato estadual dos professores terminou, após quatro meses. Os professores em greve demandavam um aumento salarial e mais investimento em educação. Devido as muitas brechas existentes no sistema educacional no Rio de Janeiro, professores e profissionais das escolas estão criando suas próprias soluções para garantir o sucesso dos alunos.

Embora a educação seja uma profissão popular no Brasil, alguns professores não se sentem preparados para o trabalho após a graduação. Um estudo recente conduzido pela Todos Pela Educação, uma ONG educacional, descobriu que cursos de treinamento para professores no Brasil são muito teóricos, ao invés de serem cursos práticos que preparariam professores para trabalharem em salas de aula.

Nem todos os cursos de professores são iguais. Zena Eisenberg, professora de educação e psicologia da PUC-Rio, explica: “O número de professores que estão se formando e recebendo um diploma, mas um diploma muito incompleto, é enorme. Eles estão indo para as salas de aula, e estão lidando com crianças, e não sabem o que fazer. Eles não têm treinamento”.

Josimar Roda, professor de inglês no CIEP Elis Regina diz que se sente preparado para ensinar em uma sala de aula, mas não na realidade de sua escola na Maré, na Zona Norte do Rio. A expectativa de lecionar em certas favelas, como na Maré, representa um desafio maior para os professores.

Provas do Saerjinho

Os problemas começam com o processo de localização. Quando aplicam para uma vaga em uma escola pública no Rio, professores selecionam uma área da cidade onde eles gostariam de trabalhar e recebem uma lista de opções para escolher. Para os novos professores, essas escolas normalmente são localizadas em favelas que sofrem com a falta de uma equipe de funcionários adequada. Apesar da enorme diversidade nas 1000 favelas no Rio de Janeiro, estigmas relacionados à violência, drogas e crime permanecem, e ir lecionar na favela, às vezes, é a primeira vez que alguns professores entram em uma favela.

O processo coloca professores para trabalharem em áreas com diferentes grupos sócio-culturais, frequentemente encarando uma realidade diferente das deles mesmos, mesmo para professores que são de favelas. Monique Silva, moradora nascida e criada na Maré e professora no CIEP Elis Regina diz, “Quando eu vim trabalhar aqui, mesmo já tendo morado na Maré o tempo todo… Foi uma realidade que de certo modo não era parte da minha realidade. Existem várias Marés dentro da Maré”.

Professores em favelas recebem um pequeno bônus e podem pedir para serem transferidos para uma escola pública diferente depois de alguns anos, resultando em uma alta taxa de rotatividade de professores, o que pode atrapalhar a estabilidade para os alunos.

Dentro da mesma escola na Maré, professores disseram que a violência era seu maior desafio. A escola fica localizada em uma área entre setores controlados por duas diferentes facções. Conflitos entre as duas, bem como operações da Polícia Militar, ocasionam o cancelamento de aulas ou o encerramento das aulas mais cedo, o que significa que os alunos na favela passam menos tempo na sala de aula. A Maré tem uma relação tumultuada com forças de segurança. Os militares ocuparam a comunidade durante a Copa do Mundo de 2014, e agora a Polícia Militar conduz operações rotineiramente na comunidade, invadindo casas. Luiz Lourenço, professor em uma escola diferente na Maré, explica que essas operações negativamente afetam a educação na comunidade ao criar um ambiente de aprendizado difícil.

Para trabalhar com esses desafios, os funcionários administrativos do CIEP Elis Regina chegam cedo todas as manhãs e avaliam a situação de segurança e decidem se irão ou não abrir naquele dia. Para garantir esse tempo de avaliação, a escola fez uma petição para atrasar o horário de início das aulas de 7 da manhã para 8 da manhã. Quando a Polícia Militar planeja uma operação “surpresa” na Maré, os administradores podem decidir fechar a escola cedo, garantindo que ambos professores e alunos estarão fora da área. As facções e a polícia respeitam a escola, no entanto professores reportaram momentos onde eles ficaram presos na escola durante um conflito, impossibilitados de sair.

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A violência na comunidade afeta os estudantes mesmo quando eles não estão na escola. Em uma entrevista em 2013, Susana Sá Gutierrez, outra professora do CIEP Elis Regina, explicou o “caos” em sua sala de aula após uma operação da polícia resultar em dez mortes na Maré. Ela disse que os estudantes estavam tristes e “insistiram em passar o tempo inteiro falando sobre o que aconteceu naquela manhã–as agressões, os tiros, facas na garganta”.

Muitos professores também sentem que o currículo escolar é um problema no sistema educacional no Rio de Janeiro. Com diferentes mandatos dos governos federal, estadual e municipal, professores nem sempre têm certeza de quais orientações seguir. O Rio de Janeiro usa livros diferentes para cada série, e nem todos os professores são treinados para usá-los. No começo do ano, quando estudantes começaram a ocupar escolas de ensino médio, eles encontraram salas de aula cheias desses materiais. Algumas pessoas na comunidade educacional especulam que eles não eram usados porque professores não sabiam como usá-los.

Se a preparação dos professores é questionável, a falta de professores é um problema preliminar. Suzanna da Silva, mãe de seis filhos no Vidigal, na Zona Sul do Rio, descreve a falta de professores em escolas públicas no Vidigal, dizendo, “Os professores faltam às aulas mais do que os alunos”. Quatro meses de greve dos professores aumentou esse problema.

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Maria Aparecida Rocha de Camargo, coordenadora na escola Claudio Besserman Vianna Bussunda na comunidade Rio das Pedras, na Zona Oeste, descreve uma similar falta de professores. “Nós começamos o ano com nove professores a menos”, ela disse. Isso resultou em uma turma ficando em casa por dois meses. A solução da escola foi a de ter professores cobrindo turmas extras até encontrarem alguém para fazer parte da equipe.

Falta de escolas é um outro problema, resultando em turmas muito grandes. A escola Claudio Besserman Bussunda atende 1300 alunos, da 1ª à 5ª série. Entretanto, está atuando além da capacidade, acomodando três turnos por dia. As escolas normalmente têm dois turnos separados, o da manhã e o da tarde, mas para acomodar o grande número de alunos, a escola também está realizando aulas à noite, das 4 da tarde às 7 da noite todos os dias.

Professores frequentemente fazem sacrifícios, dos menores aos maiores. Dorotéa Frota Santana, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE), descreve a falta de recursos nas escolas, dizendo: “No começo do ano, os professores têm que comprar canetas para escreverem no quadro”. Ela descreve sua experiência lecionando na Cidade de Deus por 28 anos, descrevendo como a falta de segurança e o abandono do governo “afeta emocionalmente” os professores.

Investimento do governo é um assunto tenso entre alguns professores que ainda não receberam o aumento do pagamento garantido por lei desde 2014. Em junho, o governador do Rio de Janeiro declarou estado de calamidade pública financeira. Apesar da crise, investimentos nas Olimpíadas continuaram. “Tudo é mais importante do que investir na educação”, diz Silva na Maré. “Eles acabam investindo muito em [megaeventos] e educação é vista como menos importante. Existem milhões de coisas a se fazer na escola e nós não temos investimento”.

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Professores têm suas próprias ideias sobre quais investimentos eles gostariam de ver no sistema educacional do Rio. “[O governo] investe nesses grandes eventos, e educação e saúde ficam abandonadas. São áreas essenciais”, diz Dorotéa Frota Santana. Ela gostaria de ver melhorias nas escolas, como ar condicionado, e a construção de mais escolas visando o grande número de alunos. Ela também gostaria de ver mais reconhecimento aos professores, “profissionais que estão lá dia após dia”.

A greve dos professores tinha como objetivo dar resposta ao descontentamento dos professores. Eles demandaram com sucesso o fim da SAERJ, uma prova determinada pelo governo. Negociações entre o sindicato dos professores e o governo continuam; a greve terminou em 26 de julho. Antes do final da greve, um professor cometeu suicídio.

Apesar dos desafios, muitos professores se sentem bem quanto ao futuro. “Eu sinto como se pudesse fazer a diferença”, diz Suzanna da Silva. “Mesmo se for uma diferença pequena”. Quando perguntada se ela tinha esperança no futuro, Dorotéa Frota Santana disse, “Certamente. Eu luto todos os dias.”

“Educação é a base de tudo”, de acordo com Maria Aparecida Rocha de Camargo de Rio das Pedras. “Sem educação, ninguém cresce.”

Raven Hayes é estudante de mestrado no programa de Estudos Latinos Americanos, Caribenhos e Ibéricos da Universidade de Wisconsin-Madison. Sua pesquisa se concentra no desenvolvimento educacional e na intersecção entre a escola, a pobreza e a comunidade.