De 29 de setembro a 2 de outubro, o Cine Manguinhos, na favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, sediou a primeira edição da Mostra de Filmes Imagens e Complexos, apresentando 30 filmes produzidos por moradores de favelas de toda a cidade.
O coletivo Imagens e Complexos está em atividade desde 2012, apresentando exibições de filmes e eventos de cinema em diversas favelas. O coletivo é composto por pessoas envolvidas em produções audiovisuais de várias favelas diferentes, incluindo Manguinhos, Rocinha e Complexo do Alemão, e o Coletivo também já trabalhou em parceria com uma série de grupos baseados em favelas, dentre eles a TV Tagarela e o Raízes em Movimento. Este ano marca a sua primeira mostra de filmes, que tornou-se possível com o patrocínio da Light, e pelas parcerias com programas governamentais, incluindo o Favela Criativa e a Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude.
O objetivo da mostra de filmes é o de prover um espaço para moradores de favelas exibirem produções audiovisuais feitas por eles mesmos, apresentando histórias e imagens que tanto expandem quanto vão além da questão da violência, que com tanta frequência domina as principais representações cinematográficas das favelas.
Fabiana Melo Sousa é uma das coordenadoras e curadoras do festival, e nascida e criada na Rocinha. Fabiana explica a motivação por trás da criação desse espaço:
“Veio as Olimpíadas, e eu vi aquela cerimônia de abertura das Olimpíadas usando a estética da favela, o funk, a arquitetura, as cores, os corpos negros dançando, ao ponto de me fazer acreditar que há uma grande diferença de quando era criança pra hoje, pois agora não dá mais para você pensar o Rio de Janeiro sem as favelas. As favelas já estão no imaginário sobre o carioca fora do Brasil. O audiovisual, o cinema trouxe a favela para o imaginário. No entanto a gente acredita que é preciso descentralizar esse olhar, porque até nas melhores produções com muito boas intenções, a violência é privilegiada e está sempre presente…. o nome Imagens e Complexos é justamente no sentido de ‘complexificar’ essas imagens, a partir de vários pontos de vista, de descentralizar essa representação que ainda é muito comum.”
Ludmila Oliveira, também coordenadora e curadora do festival, e moradora de Manguinhos, explica um pouco mais sobre a motivação do festival: “Nós temos aqui uma coisa inédita, porque eu nunca vi [um festival] que o protagonismo é só de obras vindas de favela… A motivação é dar protagonismo, esse é a ênfase do realizador, que seja da favela”.
O festival também estimula trocas entre produtores baseados em favelas que, de outra forma, não teriam espaço nem plataforma para descobrirem os trabalhos uns dos outros, muito menos de participar de trocas criativas e debates. A esperança é de cruzar as fronteiras entre as comunidades, que permanecem segregadas devido à falta de acesso. A grande maioria dos espectadores que vieram para as exibições eram moradores de favelas. Para muitos, foi a sua primeira ida a Manguinhos e, também, sua primeira vez em um cinema localizado dentro de uma favela. De fato, o Cine Manguinhos é um dos dois únicos cinemas localizados em favelas no Rio.
A mostra de filmes aceitou inscrições de 1º de agosto a 31 de agosto por meio de um formulário online, divulgado na página do Facebook do festival e em artigos publicados por diversas outras fontes online. Inscritos tinham liberdade para enviar produções de qualquer qualidade, até material filmado com telefone celular. A seleção final de 30 filmes foi anunciada no dia 12 de setembro.
Uma vez que o time de cinco curadores selecionou os filmes que seriam exibidos no festival, eles notaram temas em comum e decidiram agrupar os filmes que estavam relacionados no programa. Os temas incluíam: Mulheres na Direção; Olhar de Dentro para Fora; Poesia; Meio ambiente; ficções; moradia; O Real, o Simbólico.
Os filmes selecionados apresentavam uma gama diversa de gêneros, incluindo documentário, drama e experimental. Dentro do tema Mulheres na Direção, Favela que me viu Crescer documenta as vidas de um grupo de mulheres da terceira idade da comunidade do Jacarezinho.
Também no tema Mulheres na Direção, Na Maré da Copa, dirigido pela jornalista comunitária Miriane Peregrino, documenta a ocupação militar do Complexo da Maré durante a Copa do Mundo de 2014.
No tema “Olhar de Dentro para Fora”, o documentário Quem São os Makers da Favela? pelo coletivo GatoMídia explora a cultura inovadora e “faça você mesmo” das favelas e foi realizado durante sua residência em mídia e tecnologia que aconteceu no início deste ano.
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A programação completa do festival pode ser vista aqui e a maior parte dos filmes está disponível no YouTube.
O evento terminou no dia 2 de outubro, de uma forma ao mesmo tempo doce e amarga, uma vez que o fim do festival também marcou o último dia do Cine Manguinhos, também conhecido como Cine Teatro Eduardo Coutinho. Fundado em 2014 pelo Favela Criativa, o contrato de dois anos do projeto agora chegou ao fim. Ainda não houve nenhum anúncio a respeito de como o espaço será transformado para um uso diferente no futuro ou se há alguma esperança de que o cinema retorne a Manguinhos. O centro foi batizado com o nome do proeminente cineasta e documentarista Eduardo Coutinho.
Fabiana Melo relembrou os pensamentos de Eduardo Coutinho a respeito do valor da perspectiva da favela: “Eduardo Coutinho, gostava do ponto de vista do favelado sobre a cidade. O favelado mora na favela, mas ele circula fora dela também, o que é diferente de quem não mora na favela. Então ele tem o ponto de vista dos dois lugares, ele dizia: ‘acho mais complexo, mais interessante’”.
No fim deste mês, o coletivo Imagens e Complexos irá lançar um catálogo com todos os 30 filmes, incluindo uma breve sinopse, nome do diretor, data de lançamento e locação de cada um. Além disso, os curadores vão destacar cinco filmes, em particular, no catálogo com uma resenha aprofundada. O catálogo será impresso e distribuído gratuitamente e também estará disponível online.