A receita para o governo que merecemos

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Recentemente fui pedida pela nova organização Meu Rio, para escrever um texto para dar início ao debate sobre transparência, e sua relação à participação, no Rio de Janeiro. Aqui vai o texto completo. — Theresa Williamson

Tudo que fazemos deve-se começar com a pergunta: para que? Qual é o meu objetivo? Para depois focarmos nos meios adequados para atingir tal fim. No caso do tipo de sociedade que queremos realizar, eu parto do princípio de que nosso objetivo é atingir uma sociedade repleta de cidadãos realizados, capazes de escolher, participar e determinar os seus futuros, cada um de forma que não impõe suas vontades e suas crenças nos demais. Acredito que o menor índice de desigualdade que tivermos, mais agradável será viver, para todos nós. Também parto do princípio que o mais que conseguimos fazer isso em paz, com respeito, admiração pela diversidade, e solidariedade, melhor será o resultado. Falo disso porque acho bom sempre estarmos cientes do fim quando falamos nos meios. E a transparência, e sua parceira, a participação, são riquíssimas em qualidades por serem meios com um tremendo potencial de realizar este fim. São a base.

“Todo povo tem o governo que merece”. Este ditado do século XVIII, do filósofo francês Joseph De Maistre, é até hoje usado para criticar não aos maus governantes, mas aos responsáveis por sua elevação aos cargos.

Mas esta frase pressupõe muita coisa. No mínimo, que o povo em questão tenha uma mínima qualidade de vida e acesso à alfabetização, para que possam chegar até as urnas. Mas na verdade, como vemos no Brasil, o que é pressuposto vai muito além disso. Pois, para que um povo possa ser, realmente, responsável pelos seus governantes, este povo precisa de acesso à informação. Como os economistas argumentam, desigualdade ao acesso de informação cria-se distorções no funcionamento “normal” do mercado. E isso não é nada diferente no caso do “mercado de opinião” ou de influências. Isso quer dizer: a transparência é fundamental para que se pode responsabilizar uma sociedade pelos seus governantes. Se não, só certos atores tem acesso à informação, e com isso, tomam decisões favoráveis aos seus interesses pessoais, depreciando o coletivo. É por isso que sem a transparência, não há democracia. E isso funciona num contíuo: o maior índice de transparência, o maior potencial de uma democracia ser bem sucedida. E é por isso que a falta de transparência é uma garantia de desigualdade.

Mas o que vem antes e depois da transparência? O que é necessário para que ela exista em primeiro lugar, e o que é necessário para que ela gere impacto? Como todos nós, a transparência precisa de amigos. Qual é a melhor amiga e antiga companheira da transparência? A participação. Sem uma não existe a outra. Sem a participação de mobilizadores e ativistas sociais, fazendo pressão, acompanhando processos, e criando-se os próprios canais de transparência, e sem as redes e mídia social e alternativa, a transparência por parte dos governantes simplesmente não vem. Então, primeiramente, precisamos de canais de participação criados pelos próprios cidadãos. Isso dito, estes canais também precisam servir de exemplo, demonstrando a transparência máxima, para que possam estabelecer o exemplo.

Por outro lado, sem a transparência e sincera boa vontade por parte dos governantes, é dificil que se obtenha a participação de moradores e cidadãos de menor acesso à informação. Com isso, a participação se torna a base mais fundamental de todas para que se pode assegurar o governo que nós merecemos. Pois sem ela, não há transparência. E sem ela, a transparência é só um meio, sem fim.

Vamos aproveitar o tema falado pela maior diversidade de cidadãos no Rio de Janeiro de hoje: a moradia. Dos moradores da Zona Sul, muitos mal conseguindo se manter no seu bairro dado o aumento brusco no custo do aluguel e compra (ou se esbaldando no aumento de valor de seu patrimônio)… aos moradores das favelas do Rio que, por consequência deste quente mercado imobiliário estão sendo catapultados de suas moradias por uma sequência de intervenções urbanísticas, sejam elas remoções diretas em nome dos mega-eventos, ou remoções “indiretas” por meio do mercado. De que forma existem oportunidades para a população participar do processo que determina o futuro de moradia da sua cidade? Claramente este é um dos temas mais importantes para uma sociedade urbana. Quais são as oportunidades para discutí-lo?

Infelizmente, as oportunidades de participar das decisões sendo tomadas em grande escala com respeito a moradia no Rio de Janeiro são escassas, pouco divulgadas, pontuais, e sem impacto. Isso cria apatia, e por consequência falta de participação, pois para um processo de participação funcionar os envolvidos precisam sentir que sua participação realmente terá impacto sobre as decisões tomados, o que, na história da nossa cidade, nunca aconteceu. É provavel que seja em parte por isso que o debate, na sexta-feira passada, organizado pela sociedade civil–a REDES de Desenvolvimento da Maré–recebeu por volta de 250 pessoas, dez vezes o número que têm participado das reuniões públicas da Secretaria Municipal de Habitação sobre a questão habitacional em cada Área de Planejamento da cidade.

É dificil para a população afetada pelas políticas da SMH acreditar neste ou qualquer outro canal de participação pouco após seu maior orgão de defesa, o Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública do Estado, ser desmantelado no início do ano, após enviar um comunicado para o Comitê Olimpico Internacional relatando a situação delicada da Vila Autódromo, e após receber a Anistia Internacional no Rio.

O certo é manter instituições sérias de apoio ao cidadão, como o NUTH, ao mesmo tempo criando-se canais permanentes, orgânicos e sinceros de troca entre o setor público e cada bairro da cidade, onde todos os interessados estão presentes, informações são expostas de forma transparente, demandas colocadas, tudo com respeito pelo processo e pelos outros, e com a intenção de encontrar soluções sustentáveis, participativas e democráticas para a sociedade como um todo.

O conceito internacional de “planejamento participativo” foi inspirado em parte pelo brasileiro, Paulo Freire. No mundo afora, e em outros cantos do nosso país, processos de planejamento participativo permanentes, orgânicos e sinceros são desenvolvidos. O resultado? O maior o índice de participação efetiva, a maior chance de um projeto dar certo, por conta da oportunidade criada de levar em conta o conhecimento e reflexão sobre consequências desconhecidas pelos governantes, sentimento de pertencimento criado no processo de participação, compromisso resultante na parte dos cidadãos com o projeto, e vários outros fatores.

Todos os cariocas são amplamente capazes de debater e influenciar nas decisões que lhes afetam. O tom patronizante que caracteriza as políticas públicas dos populistas não tem mais espaço numa sociedade interligada, onde informações fluem e existe tanta criatividade. Está além da hora do Rio de Janeiro se firmar como cidade participativa, com base na absoluta transparência.

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