Algumas semanas atrás, quando Eunice do Nascimento Rosa, 56, chegou em casa do trabalho à noite, ela quase pisou em uma cobra que estava no chão de sua casa. Ela só conseguiu ver a cobra porque as luzes de seu carro ainda estavam acessas. Caso contrário, quando o sol se põe Eunice vive no escuro. Por mais de um ano, Eunice e outras dez famílias que moram na comunidade Vila Hípica no Parque Nacional da Floresta da Tijuca têm vivido sem eletricidade.
Nenhum ônibus vem aqui, o sinal de telefone é fraco e é uma caminhada de uma hora através da floresta para chegar ao supermercado mais próximo. Mas nada disso realmente importa para as famílias que vivem aqui. É a eletricidade que os preocupa. No passado, eles tinham fornecimento de energia elétrica; Luci Rosa de Alcomtona, 59, tem um envelope grande onde ela mantém todas as contas em ordem, juntamente com outra correspondência oficial.
O pai dela lhe deu os documentos dizendo: “Você está com todas as armas aqui, agora luta”. Ele faleceu há três anos. Luci acredita que não foi o câncer que finalmente o matou. “Meu pai morreu por causa da falta da luz”, diz ela. Ele foi à administração do parque três vezes para obter informações sobre a situação, mas ninguém o recebeu. Ele não conseguia dormir a noite. Luci tirou um relatório médico de seu envelope. “Como paciente e idoso faz necessário que o mesmo não passe por situações de estresse, assim como não pode ficar sem refrigeração em casa, devido aos medicamentos que usa dependentes de geladeira. O risco de morte aumenta se essa atitude não for tomada”, ela lê.
Luci não é a única moradora do parque que culpa a administração do parque sobre o estado de saúde precário de um parente próximo. Maria Haydée Alves da Silva Teruz, 58, vive junto com sua mãe, cinco sobrinhas, seu sobrinho, a esposa dele e os filhos deles em um edifício do século 19 que está em ruínas, o qual um dia pertenceu ao Visconde do Bom Retiro.
O teto de madeira se curva nas vigas; há uma lareira grande de pedra, azulejos antigos quebrados e um tapete que parece ter perdido sua cor ao longo dos séculos. Em um quarto pequeno escuro, encontra-se a mãe de Haydée enrolada em um pano grosso. Três anos atrás, ela caiu no chão no escuro e agora ela não pode mais se mover.
Ela sofre de Alzheimer e depressão, devido à falta de luz, diz sua filha. Haydée é a única pessoa em sua comunidade que tem um gerador, embora ela não possa realmente pagar a gasolina que o abastece. “Como vou cuidar dela no escuro? Não dá. Ela é como um bebê. Como você vai trocar fralda no escuro? Como você vai dar banho com água gelada?”, ela indaga.
No entanto, o fornecimento de energia elétrica almejado está lá. Três distribuidores novos de energia estão expostos na frente da casa, cerca de 20 metros de distância.
Mas eles não estão ligados às casas. Isso não é uma coincidência ou desleixo. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, responsável pela proteção do parque, quer Haydée e seus vizinhos fora do local. De acordo com a legislação nacional, é proibido viver dentro de uma área de conservação ambiental. Mas quando o Parque Nacional da Floresta da Tijuca foi criado, oficialmente em 1961, Haydée, Eunice e Luci já moravam no local. Originalmente suas famílias foram viver no parque, porque as autoridades públicas lhes pediu que seus pais trabalhassem no parque para mantê-lo. Eles ajudaram a construir as estradas e caminhos, plantaram árvores e ajudaram os visitantes.
Atualmente, os moradores já receberam vários pedidos por escrito para deixar o parque, mas sem qualquer oferta de alojamento alternativo ou compensação. Eles pensariam em sair, mas eles não querem ser forçados a morar longe, na periferia, como aconteceu com um de seus antigos vizinhos, que agora mora em uma favela em Jacarepaguá. As famílias restantes não são sequer autorizadas a arrumar suas casas. Lentamente, elas estão se transformando em ruínas no meio da selva.
Os moradores acham que o corte de energia elétrica é uma tática para pressioná-los a desocupar o local. “Isto é segregação social”, diz Otávio Barros, presidente da Cooperativa Vale Encantado próxima a região e defensor das famílias nessa luta. “No século 21, ter luz é um direito humano. É uma questão de dignidade”.
Durante décadas, os moradores pagaram suas contas de luz mensalmente no banco. Mas um dia, o banco se recusou a pegar o dinheiro. Em seguida, os cabos de energia foram desconectados da comunidade. Haydée e seus vizinhos tomaram medidas legais, mas não tiveram resposta dos tribunais em seis meses.
“Somos como um joguete. Um está jogando por outro, ninguém assume a responsabilidade, ninguém está com uma solução. O que vamos fazer?”, pergunta Luci. Eles temem que o caso seja ignorado e nada aconteça. Na Floresta da Tijuca, que abriga o conhecido mundialmente Corcovado e o Cristo Redentor, os moradores são deixados no escuro.