Marcelo Crivella, 59, tem um histórico profissional diversificado. Foi motorista de táxi, bispo evangélico, Ministro da Pesca, artista de gravação de música gospel, senador, engenheiro, missionário na África e autor de livros. Agora está concorrendo no 2° turno a prefeito do Rio de Janeiro. Ele venceu no primeiro turno das eleições em 2 de outubro com 27,78%, e agora enfrentará no segundo turno no dia 30 de outubro Marcelo Freixo do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que obteve 18,26% dos votos válidos.
Apesar de Crivella tentar suavizar a sua retórica evangélica, tendo perdido votos do centro no passado, a sua carreira política está inextricavelmente ligada à sua carreira na igreja. Os cristãos evangélicos estão ganhando força no Brasil: um em cada quatro brasileiros é um cristão evangélico atualmente. As suas igrejas são instituições ricas com poderosas redes nas mídias e têm um impacto enorme sobre a agenda política. Uma das figuras mais controvertidas e influentes é o Bispo Edir Macedo, fundador bilionário da Igreja Universal do Reino de Deus, proprietário da segunda rede de televisão mais popular do Brasil, a Record, e tio de Crivella.
Edir Macedo estimulou o seu sobrinho a entrar para a política quando Crivella já era um bispo bem-sucedido na Igreja Universal. Em 2002, Crivella foi eleito senador federal pelo Estado do Rio de Janeiro numa chapa do Partido Liberal (PL) e foi reeleito em 2010 para o mandato de 2011-2019. Candidatou-se a governador do Estado do Rio de Janeiro em 2014, perdendo para Pezão.
No Senado, Crivella foi presidente da Subcomissão Permanente de Proteção dos Cidadãos Brasileiros no Exterior e lutou pelos direitos da enorme diáspora brasileira, como por exemplo, em relação ao tratamento dos imigrantes brasileiros nos EUA. Também foi responsável por um programa habitacional público denominado Cimento Social lançado em 2007, que foi criticado por dar tratamento preferencial aos membros da Igreja Universal. Em junho de 2008, Crivella enviou forças armadas para supervisionar as obras de construção do programa no Morro da Providência o que ocasionou a captura, tortura e morte de três pessoas.
Crivella foi uma figura de destaque na luta contra uma lei para a legalização do aborto em 2011.
Em 2012, a Presidente Dilma Rousseff nomeou Crivella Ministro da Pesca e Aquicultura no seu gabinete. A nomeação foi uma manobra política–Crivella admitiu publicamente que pouco sabia sobre a área–para reconhecer a influência da igreja e obter o apoio do novo partido de Crivella, o Partido Republicano Brasileiro (PRB). Apesar disso, Crivella votou pelo impeachment de Dilma neste ano.
O PRB, que Crivella fundou em 2005 juntamente com outros líderes cristãos evangélicos, ganhou popularidade nos últimos anos. Durante as eleições municipais neste ano, o PRB obteve o maior aumento na porcentagem de votos do que qualquer um dos dez partidos principais, obtendo 3,8 milhões de votos para prefeito no primeiro turno em todo o Brasil–um aumento de 51% na porcentagem de votos em 2012 para o partido.
O partido é considerado uma base para os pastores evangélicos e bispos se candidatarem a cargos políticos. Pode-se dizer que a nova lei eleitoral, que proíbe às empresas doarem dinheiro e reduz o tempo das campanhas eleitorais, favorece a política baseada na igreja: os pregadores dizem aos fiéis para doar para os políticos fiéis específicos. “A falta de financiamento empresarial favorece os candidatos das igrejas. Eles têm uma mobilização forte”, diz o filósofo Renato Janine.
Dito isso, o PRB continua sendo um partido pequeno e, como é o caso com o PSOL de Freixo, ambos são minoritários na Câmara Municipal com o qual, quando eleito, ele terá de trabalhar. Isto, às vezes, poderá dificultar as decisões políticas, embora um estudo recente mostrou que a maioria dos membros da Câmara Municipal–um bando notoriamente corrupto—declarou apoiar Crivella. De fato, uma reportagem diz que partidos políticos do Rio, presumindo a vitória de Crivella, já estão manobrando em torno dele e estão solicitando favores e nomeações em sua administração, e em outro vídeo, o próprio Crivella diz em festa com a elite da Zona Sul carioca: “Por eu ser evangélico, por eu ter grande penetração nas classes mais populares, eu poderei explicar a eles…o nosso (elite vista no vídeo, na Vieira Souto) plano que é de cuidar da Zona Sul com especial cuidado… e vaciná-los (os pobres) pra não vir com aquele discurso que ganhou com os pobres e está fazendo com os ricos, que não é não, que isso aqui é a nossa vitrine (Zona Sul)”.
O núcleo da base de apoio de Crivella está entre as comunidades onde a igreja evangélica tem mais força, e geograficamente a sua base mais forte encontra-se na vasta e pobre Zona Oeste da cidade. Apelando para aqueles com fortes convicções religiosas e valores conservadores, a ideologia de Crivella–conforme demonstrado na biografia no seu website–abraça a narrativa evangélica pela qual a fé e o compromisso com a igreja são recompensados com prosperidade material.
Propostas de Políticas
As crenças políticas de Crivella são conservadoras: ele é contra a legalização do aborto, do casamento gay e da maconha e é a favor da privatização da educação. Também pregou que “as mulheres até deveriam obedecer mais aos homens, pois afinal de contas são pedaços dos homens!” referindo-se a Adão e Eva. Referindo-se aos gays, ele disse que “fulano é um pau que nasce torto, e não tem jeito. Às vezes, a mãe tentou um aborto”. Na sua campanha eleitoral no entanto, apresenta-se como um cristão moderado e tolerante, e usa o slogan paternalista “chegou a hora de cuidar das pessoas”. Encontrou-se com membros do movimento LGBT em público, tranquilizando-os várias vezes que o estado deve permanecer secular e que as leis para as minorias não serão tocadas.
Nas suas propostas de políticas, totalizando 8 páginas, ele foca nos temas de mobilidade urbana, segurança, educação, e saúde, sendo que saúde e mobilidade são o seu foco.
Com referência a saúde, demonstrada como sendo a preocupação No. 1 dos cariocas, Crivella propõe investir R$150 milhões a mais por ano e criar 20 novas Clínicas de Especialistas em toda a cidade até 2020, e reestruturar 14 UPAs e 8 hospitais de emergência na cidade. Ele compromete-se a acabar com as esperas para os que procuram cuidados médicos para as emergências com risco de vida e aumentar o número de leitos hospitalares em 20%. Também planeja estabelecer um esquema de pagamento com base na meritocracia.
Dentre as suas propostas de educação, Crivella promete criar 20.000 novas vagas municipais em creches e 40.000 em pré-escolas através de uma parceria público-privada, onde o setor privado construirá as escolas e a prefeitura fornecerá os educadores e as refeições. Até 2020 ele diz que 50% das crianças em idade escolar primária terão educação em tempo integral.
Com referência à segurança, Crivella planeja restabelecer os objetivos da Guarda Municipal, que atualmente foca em cuidar dos prédios municipais e aplicar multas em toda a cidade. A sua intenção é que a Guarda Municipal se torne uma força de segurança, proporcionando policiamento comunitário nas áreas com altos incidentes de assalto e roubo. Crivella também quer aumentar o número de câmeras de segurança públicas em 20% e criar uma parceria público-privada para modernizar a iluminação das ruas no Rio.
Finalmente, dado seu treinamento como engenheiro, Crivella gosta de ressaltar o seu compromisso com a melhoria da mobilidade e do transporte em toda a cidade, com uma gama de propostas que incluem: completar a linha de BRT TransBrasil na Zona Norte; fazer com que o BRT TransCarioca chegue a Ilha do Governador até 2020; aumentar em 20% o número de ônibus que atende os sistemas da BRT em toda a cidade; reverter as mudanças controvertidas e de exclusão das linhas de ônibus no Rio; aumentar o sistema de Bilhete Único do Rio para permitir uma viagem de três horas; e recuperar o sistema de vans que atende a Zona Oeste da cidade.
Dito tudo isso, Crivella é explícito na sua crença que um governo menor seria melhor para a economia.
Propostas para as favelas
Ao lhe perguntarem o que faria nos primeiros 100 dias no poder para melhorar a situação nas favelas, Crivella primeiro menciona a melhoria dos serviços de saúde e depois o saneamento:
“Os moradores das comunidades são os que mais sofrem com a falta de saúde. As pesquisas indicam que essa é a principal queixa do carioca. Meu primeiro dia de governo será marcado por um mutirão da saúde. Vou convocar meu secretário de Saúde, médicos, servidores, funcionários de hospitais e unidades de saúde pra que a gente comece a dar fim nas filas por um exame, uma consulta, uma cirurgia. Obras foram feitas e agora vamos cuidar das pessoas. Outro problema grave nas comunidades é a falta de saneamento. Vamos trabalhar para acabar com o esgoto à céu aberto em todas as comunidades.”
Ele diz que também quer fortalecer a Guarda Municipal, treinando-a para “lidar com o carioca sem violência” e “aproximar a Guarda das pessoas”.
Em geral, Crivella está fazendo uma campanha apaziguadora e temperada, tentando evitar a controvérsia e não arriscar a sua posição de liderança. Não somente evita conflitos, mas também eventos públicos e debates abertos com Freixo, provocando o hashtag no Twitter #NãoFogeDoDebateCrivella, mas finalmente mudou o tom e concordou no debate aberto.
Os detalhes controvertidos do seu passado apareceram na mídia nas últimas semanas, desafiando a sua imagem como um conciliador purificado. Por exemplo, surgiu um livro que escreveu durante a sua missão na África, onde acusava os católicos de exercer “práticas demoníacas” e condenava a homossexualidade. Desde então tem sido citado por corrupção nas investigações federais da Operação Lava Jato. A filha de um miliciano conhecido foi a público apoiar a sua campanha. E verificou-se que dos 84 projetos de construção nos quais trabalhou como engenheiro, 75 eram igrejas. Além disso, a edição atual da revista de direita Veja do Rio de Janeiro (aparentemente a Veja e outros poderosos meios de comunicação são contra a ascensão de Crivella porque sua família é proprietária da concorrente Record, a segunda maior rede de TV no Brasil) exibe uma foto de Crivella tirada na delegacia ao ser preso em 1990 por tentar remover à força uma família de um terreno da Igreja Universal. De acordo com a Veja, a investigação e as fotos na prisão foram ocultadas do público durante os últimos 26 anos. Esta revelação levou a outros possíveis escândalos sobre o candidato.