Esta matéria faz parte de uma série sobre veículos de comunicação comunitária.
Marlon Gangazumba e sua companheira chilena Natalia Urbina são cinegrafistas, fotógrafos, ativistas e instrutores de capoeira. A Girasol Comunicações nasceu em 2012 quando o casal decidiu organizar um centro de comunicação após inúmeros pedidos para filmar eventos comunitários. Eles começaram com um blog–em português e espanhol–sobre debates e eventos que ocorriam na comunidade de Marlon, a favela Jorge Turco na Zona Norte do Rio, com assuntos que vão desde capoeira, passando pela Copa do Mundo, poesia, reparações pela escravidão até, mais recentemente, mídia comunitária e ativismo local no cenário das Olimpíadas. O casal, junto com os três filhos, publicou mais de 50 vídeos no canal deles no YouTube e facilitou vários debates comunitários. Eles também mantiveram um canal de rádio durante a Copa do Mundo.
“A Girasol Comunicações surgiu como uma iniciativa familiar de comunicação popular autônoma destinada à necessidade de disseminação dos acontecimentos das favelas, tais como diferentes atividades culturais e políticas”, explicou Natalia. Também surgiu de uma “necessidade de fortalecer nossa cultura local de modo que, de pouco a pouco, fortaleça também nossa perspectiva racial, latino-americana e afro-americana”.
“Girasol” com um s significa girassol em espanhol. Natalia diz que a iniciativa criou novas formas de conceber a comunicação popular “ao misturar nossas formações acadêmicas e profissionais com o nosso dia-a-dia, assim como ao explorar a verdade em nossa diáspora africana e identidade como latino-americanos”.
Quando o RioOnWatch entrevistou Natalia na Babilônia, Zona Sul, ela chegou carregando sua filha recém-nascida. Ao invés de se sentar para a entrevista, ela preferiu conversar enquanto visitava uma padaria local, dava uma olhada em uma barraca comunitária de empréstimo de livros e visitando a escola que seus filhos frequentam. Natalia explicou que, para entender a Girasol Comunicações, é preciso entender a favela. A Girasol Comunicações não existe sozinha, ela é uma extensão da voz dos moradores da comunidade.
Durante a visita do RioOnWatch, Natalia também entrevistou André Constantine, o presidente da Associação de Moradores do Morro da Babilônia. André mostrou-se cético sobre jornalistas, intelectuais e outras pessoas de fora que visitam as favelas–principalmente a Babilônia, que se encontra em risco de gentrificação–procurando por informações. No entanto, ele discutiu entusiasticamente com Natalia sobre justiça racial, reparações pela escravidão, feminismo e as Olimpíadas.
“A mídia feita por moradores da favela respeita o nosso protagonismo”, afirma Natalia. A Girasol Comunicações é uma “mídia da favela”, pois a narrativa sempre se dá de dentro para fora. Ela ignora o ponto de vista de quem olha de fora e foca nas histórias e notícias da favela, mantendo o protagonismo e a dignidade dos moradores. Girasol Comunicações dissemina “imagens que fortalecem a identidade cultural de cada lugar” com um foco particular “naqueles irmãos da diáspora africana, nas irmãs que têm filhos, nos trabalhadores”.
Para Natalia, a mídia comunitária também significa a democratização da criação de mídia: “Comunicação popular prega que você pode se comunicar com aquilo que você tiver. Se você não tem um computador, use um cartaz; se você não tem um cartaz, use um megafone; se você não tem um megafone, grita! A riqueza não está na produção audiovisual, mas sim no discurso”.
Quando os moradores da favela pedem ajuda através de comunicados, a Girasol Comunicações publica as mensagens exatamente como são enviadas. “Não é preciso corrigir muito a gramática”, explica Natalia. Dessa forma, a Girasol mantem a dignidade e a linguagem das pessoas; a mensagem é passada e ninguém se sente silenciado.
Atualmente, a Girasol Comunicações “está trabalhando com diferentes grupos de liberação negra, documentando tudo aquilo que ocorre na luta por reparações pela escravidão dos negros e povos indígenas”.
“Mesmo tendo apoiado mais de 17 projetos, nós não ganhamos nada”, afirma Natalia. Para cobrir as despesas, ela e Marlon vendem bolos, pães, doces, serviços fotográficos e dão aulas de capoeira. Apesar disso, conseguir recursos e financiamento é um desafio. Eles mantiveram um programa de rádio ao vivo durante toda a Copa do Mundo com apenas um computador, por isso ficou muito difícil trabalhar em outros projetos. Portanto, o casal reativa a estação de rádio apenas durante períodos cruciais. Apesar das dificuldades, a Girasol Comunicações prova todos os dias que qualquer um pode se comunicar.
O futuro da Girasol Comunicações está voltado para a educação e tem como foco a juventude. Acabam de lançar o Girasol Filmes no Facebook. E “nós estamos inaugurando um canal infantil no YouTube. Vamos trabalhar com linguagens e imagens que reforcem as diferentes identidades das nossas crianças”, explicou Natalia. “Todos os nossos meios de comunicação podem ser usados em cenários educacionais, bem como em outras discussões e debates”.