Um grupo de mulheres negras se reuniu no Galpão Bela Maré, na Nova Holanda, para participar de oficinas de grafite do projeto AfroGrafiteiras, que constrói pela cidade uma rede de conexão com o feminismo negro através da arte de rua.
O projeto chega à Maré depois da formação de 30 mulheres negras de diferentes partes da cidade em 2015. As selecionadas tiveram a oportunidade de ministrar aulas de grafite através da Rede Nami. Viviane Laprovita de 26 anos, foi uma delas: “Escolhi a Maré pela relação que tenho nesses últimos anos com o local. E principalmente porque não encontrei iniciativas de grafite. A ideia do núcleo é ensinar além, a gente quer que elas aprendam a gerir e fazer com que a prática se torne um trabalho”.
Viviane é formada em comunicação social, mas atualmente cursa artes visuais. Em paralelo, realiza o projeto de arte VV que aborda a convivência de dois corpos negros. “O que me motivou a estar nesse universo é a luta por uma representação e identificação”. Envolvida desde cedo com movimentos de hip hop, sempre se interessou pelo grafite, arte que era percebida por ela e apresentada só por homens. Esse foi mais um motivo para se integrar no movimento.
O respeito a diversidade, a autonomia das mulheres e a independência partidária, são alguns dos valores defendidos pela Rede Nami, que acredita no poder feminino como transformação social e por isso cria maneiras de oferecer ferramentas para transformar a realidade de mulheres afro-brasileiras.
O projeto AfroGrafiteiras foi pensado para mobilizar a liderança feminina na cultura urbana e transformá-las em artistas. Cerca de 25 mulheres da Maré são beneficiadas pela edição atual, entre elas crianças. As aulas teóricas e práticas são realizadas desde outubro.
Uma das discussões foi motivada por uma pergunta: pichação é arte? Mais conhecida como “xarpi” na cultura hip hop, a pichação é um reflexo da identidade e acontece para demarcar o território das pessoas. É como uma marca. “Descriminalizar os processos urbanos também é pensar na livre expressão e na necessidade de cada um de praticar isso”, afirma a oficineira, que pratica a arte há quase dois anos. Viviane acredita que tudo é arte, mas a prática do xarpi nas ruas não é autorizada. O grafite, por outro lado, é protegido pela lei que permite sua prática em espaços públicos, em muros cinzas, por exemplo.
A aluna Larissa, mais conhecida como Lolly, refletiu sobre o tema: “No meu primeiro dia no curso a aula foi bastante produtiva. Falamos de xarpi, bomb (e seus vários estilos), assinaturas de grafiteiras e silhuetas. E enquanto falávamos, já treinamos algumas formas de escrever esses nomes para treinar na parede na próxima semana”.
O programa de formação gratuito também aborda outros assuntos, como o empoderamento feminino, cultura afro-brasileira, economia criativa e arte urbana como veículo de comunicação. Oferece todo o material e carteira de identificação com desconto em papelarias.
O processo de formação é contínuo: as alunas aprendem e já podem compartilhar seu conhecimento. Com a supervisão da Rede Nami, a principal referência voltada para mulheres negras da cidade, as alunas do projeto ensinam em escolas municipais e estaduais. Essas ações são um impulsionamento para expandir esse processo de formação.
Além de arte, no curso o grafite é visto como uma ferramenta para refletir sobre questões sociais. A oficineira Viviane acredita no potencial de suas ações: “A representatividade é importante para a gente modificar as opressões que a gente vive. Só de estarmos ali na rua como mulher, já é uma ação transformadora. Ocupar os espaços, o grafite é importante e comunica”.
Na última aula deste ano, dia 17 de dezembro, os moradores da Maré irão conhecer de perto o que foi aprendido durante a primeira parte do curso. As alunas farão um mural, grafitando nos muros da favela, para gerar impacto. E claro, para comunicar através da arte.
O mesmo curso está disponível também nas comunidades da Pedra do Sal e Vila Olímpica Clara Nunes, abrindo uma nova turma na Tavares Bastos em 2017.
AfroGrafiteiras é um projeto patrocinado pela Ford Foudation e apoiado pelo Observatório de Favelas.