Terça-feira, 29 de novembro, protestos eclodiram fora do Congresso Nacional em Brasília, uma vez que o Senado aprovou a proposta para a emenda constitucional que autoriza a implantação de medidas severas de austeridade. Se aprovada, a proposta apresentada pelo Presidente Michel Temer estabelecerá um teto baixo em todas as despesas do governo federal para os próximos vinte anos. Aproximadamente 10.000 manifestantes, incluindo professores, estudantes, funcionários públicos e trabalhadores sem-terra expressaram o desacordo e pressionaram o Congresso a votar contra a proposta. Três carros foram queimados e a polícia usou gás lacrimogênio e spray de pimenta para dispersar a multidão.
Embora originalmente intitulada Proposta de Emenda Constitucional 241, ou PEC 241, nesse último mês o Senado mudou a nomenclatura para PEC 55. Apesar da mudança de nome, o conteúdo permaneceu o mesmo. Se aprovada este ano, todos os gastos incluindo educação, saúde, bem-estar social e serviços públicos serão limitados no orçamento fiscal de 2016 para as próximas duas décadas, ajustados anualmente pela inflação. Além disso, a emenda constitucional somente permitiria a revisão presidencial após 10 anos.
Michel Temer e sua administração argumentam que essa dramática mudança ajudará a reduzir a dívida pública do Brasil, que representou 66.2% do PIB do país em 2015, e restaurar a confiança do investidor estrangeiro. Para que a emenda constitucional seja aprovada, entretanto, a proposta deve obter uma maioria de três quintos em dois turnos de votação na Câmara dos Deputados e em dois turnos de votação no Senado. A proposta já ganhou uma maioria de votos na Câmara dos Deputados no dia 10 de outubro e novamente no dia 26 de outubro. Na terça-feira, o Senado votou a favor por 61-14 no primeiro turno. O governo Temer está confiante de que a proposta será aprovada mais uma vez no segundo turno de votação, programado para o dia 13 de dezembro, após o que passará à sanção presidencial e se tornará lei.
Enquanto a proposta parece estar movendo-se através do processo de votação sem grandes dificuldades, estudantes, professores, trabalhadores e instituições públicas estão expressando oposição forte com o estouro dos protestos ao longo do país. Demonstrações semelhantes à realizada na terça-feira foram realizadas na cidade do Rio de Janeiro, no dia 16 de novembro, no lado de fora da ALERJ, para protestar contra a PEC 55 e as medidas de austeridade em âmbito estadual em resposta à crise fiscal pós-olímpica. Além disso, mais de mil escolas e 172 universidades estão atualmente ocupadas, com o reitor da UFRJ declarando que a PEC 55 é uma violação dos direitos constitucionais. O jornal britânico The Guardian publicou nessa semana um resumo da situação justamente intitulada “O Brasil está em crise. E mais uma vez, os mais pobres suportarão o peso”. Os manifestantes intitularam a emenda constitucional como PEC do Fim do Mundo. Em um comunicado de imprensa recente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) incita as autoridades do governo brasileiro a cumprir os compromissos regionais e universais dos direitos humanos assinados pelo Brasil e alerta que tais medidas de austeridade “supõem uma regressão não autorizada pelo Protocolo [de São Salvador]”.
O planejamento orçamental que apenas se ajusta à inflação significa que fatores como PIB, crescimento populacional e mudanças demográficas, assim como a mudança de necessidades da população brasileira, não serão levados em conta. A falta de flexibilidade e um cronograma de longo prazo trarão dificuldades para o governo responder as mudanças na economia global. Oponentes argumentam que tais cortes de gastos drásticos somente reforçarão a desigualdade social no Brasil e limitarão ainda mais o acesso das comunidades de baixa renda às oportunidades. Tal como está acontecendo agora, o atraso do pagamento dos servidores públicos e a tardia distribuição dos subsídios estudantis não são nada novos para o público brasileiro, um recente exemplo é o atraso dos salários da polícia e dos bombeiros no Rio de Janeiro na preparação para os Jogos Olímpicos.
O gráfico seguinte é de um estudo recente que compara a atual porcentagem gasta do PIB em assistência médica (azul) com o que teria sido o caso se a PEC 55 tivesse sido aprovada em 2003. O estudo mostra uma significativa perda de investimento. O SUS no caso seria severamente insuficientemente financiado. Imagine o futuro baseado na simulação abaixo. O médico, cientista, educador, e comentador político Drauzio Varella declarou que a PEC 55 resultaria no fim do SUS.
A tabela seguinte mostra as perdas esperadas para a saúde nos próximos vinte anos caso a PEC 55 seja aprovada:
Um outro estudo constata que sob a PEC 55 a educação perderá R$24 bilhões por ano. Isto é particularmente alarmante dada à importância da educação no desenvolvimento da nação e no clima atual de greve dos professores em escolas e universidades por todo o país.
Críticos também opinam que a proposta desconsidera receitas obtidas pelo estado através da tributação, e não visa, de nenhuma maneira, reformar o profundamente desigual e regressivo sistema tributário, o qual os pobres pagam desproporcionalmente mais do que aqueles que estão no topo apesar de receberem serviços de qualidade cronicamente pobre. Da mesma maneira, a nova política não propõe lutar contra a evasão fiscal, grandes fortunas fiscais ou implantar um imposto sobre dividendos, apesar de um estudo recente mostrar que introduzir um imposto nos lucros e dividendos poderia gerar R$43 bilhões e somente afetaria os ricos. Nesse mesmo sentido, não há menção de reformar a redução de impostos corporativos implementada durante a presidência de Dilma Rousseff antes de seu impeachment, o que teve efeitos devastadores, como visto na recente crise econômica.
Esta proposta não é certamente o primeiro ataque ao bem-estar social no Brasil. Dilma Rousseff e o PT operaram em uma plataforma de cuidado social para as classes trabalhadoras, e com sucesso implantaram a rede de segurança de bem estar social Bolsa Família–a qual tirou o Brasil do Mapa Mundial da Fome e mudou-o da nação mais desigual da Terra para algum lugar próximo ao 18°–mas mesmo assim, o governo de Rousseff promoveu cortes direcionados em uma variedade de programas governamentais, incluindo educação e vetou várias propostas do Congresso de aumentos com salários e pagamentos de pensões. Entretanto, Rousseff foi estratégica e específica em suas medidas de austeridade, visto que a proposta de Temer é transversal e sem precedente em âmbito e escala. Embora muitos proponentes da proposta tenham discutido que países como Holanda forneçam bons exemplos de sucesso de medidas de austeridade, nenhum país adotou uma política tão estrita e rígida como a PEC 55.
A PEC 55 surgiu em uma época que políticas neoliberais têm enfrentando consideráveis revisões e criticismo. O Fundo Monetário Internacional (FMI) recentemente publicou um estudo mostrando que medidas de austeridade não direcionam efetivamente crises econômicas e levam a aumentar a desigualdade social. Mesmo sendo o condutor da arquitetura do neoliberalismo e políticas de laissez-faire, Milton Friedman se fatigou com as medidas extremas de austeridade como as impostas na Grécia.
Oponentes à proposta expressam preocupação que essa emenda marcaria uma saída significativa de elementos principais da constituição brasileira. De fato, no dia 7 de outubro de 2016, a Procuradoria Geral da República declarou a emenda proposta inconstitucional. Por um lado, existe a preocupação que tal medida extrema vai contra o controle e o equilíbrio entre os poderes do estado, uma vez que a legislatura não poderá influenciar decisões orçamentárias. Além disso, o artigo sexto da Constituição Federal Brasileira estabelece os direitos sociais de todos os brasileiros: educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, lazer, segurança, seguridade social e proteção à maternidade e infância. Em tal jovem democracia, muitos estão preocupados que uma proposta como a PEC 55 desgastará o trabalho atual em progresso para melhorar o bem-estar social dado ao lado negro da história da nação de desigualdade, e deixará os marginalizados e os pobres em uma situação ainda mais vulneráveis.