As sementes do Instituto Favela da Paz foram plantadas há 27 anos quando Claudio Miranda começou a tocar samba com os seus amigos na favela Jardim Ângela em São Paulo. O grupo criou seus instrumentos usando lixo, metal e baldes reciclados porque fazia sentido financeiramente, mas esse talento para práticas sustentáveis se expandiu, gerando uma banda de samba chamada Poesia Samba Soul e uma comunidade sustentável conhecida como Favela da Paz.
Inspirado por uma visita realizada em 2009 ao Tamera, “Centro de Educação e de Investigação para a ‘Utopia Concreta'” em Portugal, Claudio Miranda fundou o Instituto Favela da Paz, uma organização guarda-chuva que abriga a banda Poesia Samba Soul, e o seu estúdio de gravação; Periferia Sustentável, um projeto ambiental educacional iniciado em 2010 que oferece visitas e aulas sobre como replicar o seu modelo comunitário; e o Projeto Vegearte, uma iniciativa educacional para promover o uso de alimentos saudáveis e o uso de biogás para cozinhas sustentáveis.
O irmão de Claudio, Fábio Miranda de Moura, deixou o seu emprego em 2010 para dedicar-se em tempo integral ao desenvolvimento do Periferia Sustentável. Nos tours, ele leva os visitantes ao estúdio da banda Poesia Samba Soul. “Nós começamos a fazer música em 89. Começamos dando aula de música e chegamos a ter 300 alunos. Chegou um momento que eles começaram a formar bandas, porém eles não tinham um lugar onde pudessem ensaiar ou gravar, e nós da banda também não tínhamos. Então tivemos a ideia de criar um estúdio de música, mesmo tendo poucos recursos”, Fábio lembra. Para diminuir os custos e reduzir a poluição, construíram o estúdio usando 80% de materiais reciclados, incluindo um balcão de bar de mármore e velhas guitarras e tambores que foram transformados em luminárias. Eles construíram tubos perto do teto e do chão que se conectam ao lado de fora para o ar circular e manter o estúdio fresco sem precisar de ar-condicionados caros que consomem energia.
A Periferia Sustentável usa os lemas #SejaSustentável e #SejaFuncional para espalhar a mensagem que é possível viver de modo sustentável com poucos recursos, usando conhecimento prático que não requer um diploma sofisticado para desenvolver projetos-faça-você-mesmo. Eles oferecem tours e oficinas às crianças que frequentam as escolas e aos adultos sobre os métodos autodidatas que a organização tem usado para “tornar verde” sete lares no complexo da Favela da Paz.
Os projetos incluem um biodigestor que contém uma bactéria anaeróbica para converter o lixo orgânico gerado pelo complexo em gás metano. O biodigestor também produz um fertilizante que uma bomba d’água direciona a um sistema hidropônico feito de tubos de PVC onde ervas e verduras crescem. Um aquecedor de água espiral solar no telhado abastece os chuveiros, a água da chuva é coletada em tanques de 800 litros, com a maior parte da energia utilizada sendo solar. O Projeto Vegearte conduzido pela moradora Hellem Fernandes oferece oficinas sobre cozinha saudável e sustentável para crianças.
Para ajudar a financiar o projeto, o Vegearte, em algumas ocasiões, oferece um serviço de bufê, e a banda Poesia Samba Soul faz um tour ao exterior quase todos os anos, tendo se apresentado em quinze países diferentes. Nas viagens ao exterior eles participam de trocas de conhecimento com iniciativas comunitárias similares, como o Tamera em Portugal e a Comunidade da Paz em San José de Apartadó na Colômbia. Fazem parte da iniciativa Campus Global do Tamera, uma rede de solidariedade de seis projetos incluindo parceiros no México, Quênia e Israel-Palestina que participam de chamadas mensais e encontram-se em retiros para trocar conselhos, apoio e atualizações sobre o progresso dos seus projetos quanto à paz nas suas comunidades. A Favela da Paz frequentemente recebe hóspedes de todo o mundo interessados em compartilhar e aprender sobre o seu modelo.
Neste ano, a banda Poesia Samba Soul decidiu não viajar. Atualmente estão trabalhando para promover a sua música localmente e construir um novo centro educacional e uma residência que esperam que se torne o primeiro prédio autossustentável com certificação LEED da América Latina perto do seu endereço atual. “Nesse espaço terá workshops, palestras, debates, shows, teatro, dança, sala de música e o primeiro restaurante vegetariano daqui. Todo o sistema do prédio terá biogás. O prédio terá energia solar, teto verde, um espaço para plantar e também para escrever poesia. Faremos o canto poético do Jardim Ângela”, Claudio disse ao Olhar TVT.
“A maioria das notícias nos jornais e na TV é sobre coisas negativas que acontecem no bairro. Mas aqui não é assim. As pessoas que vivem aqui sentem orgulho. O nosso projeto tornou-se uma referência positiva para este lugar, não apenas no Jardim Ângela, mas também em São Paulo”, ele diz.
Fábio diz que a Favela da Paz não tem partido político, porque os políticos só aparecem na época das eleições. “Vimos que não precisamos do setor público para desenvolver o nosso projeto. Temos mãos, temos coração e temos pessoas com boas intenções, é isso que importa. Porque os relacionamentos que você cria com as pessoas são mais fortes do que a política. A política só dura quatro anos. Os relacionamentos com as pessoas, com a comunidade, duram a vida inteira”.
O Instituto Favela da Paz realizou a sua festa #TAMOJUNTO para fechar o ano, no dia 11 de dezembro. O evento comemorou as realizações deste ano com poesia, uma escola de samba e uma apresentação de samba pela banda Poesia Samba Soul, e mais uma feira de artesanato, recursos de saúde e cidadania e produtos e oficinas de sustentabilidade. O endereço do Instituto Favela da Paz para visitas é Rua Miguel Dionísio do Vale, 35, Jardim Nakamura, São Paulo.