Reflexões Sobre Eleições de 2016: Brasil e Estados Unidos

Click Here for English

O resultado da temporada eleitoral de 2016 deixou eleitores, pesquisadores e a comunidade internacional igualmente com muitas perguntas. Cidadãos brasileiros foram às urnas em outubro pela primeira vez desde impeachment de Dilma Rousseff para escolher os novos membros das Câmaras de Vereadores e Prefeitos de seus municípios. Um mês depois, os Estados Unidos realizaram eleições para escolher o sucessor do Presidente Barack Obama, ofuscando campanhas simultâneas para representantes estaduais e locais. Muitos dos resultados nos Estados Unidos e no Brasil foram sem precedentes, refletindo mudanças nas prioridades dos eleitores e na demografia, no sistema eleitoral em geral e na cobertura midiática das campanhas. Como as duas maiores democracias do hemisfério ocidental, o Brasil e os Estados Unidos têm não só uma importante relação bilateral, mas um tremendo impacto global através da aplicação de política, comércio e investimento. Divergências e experiências semelhantes podem ser vistas nos ciclos eleitorais desses dois países das seguintes maneiras:

Candidatos contra a ordem estabelecida ganharam big(ly) (termo raro para ‘muito’ usado por Trump em debate que gerou polêmica)

Apostando na frustração dos eleitores com o status quo, 2016 viu um aumento na popularidade de candidatos considerados “forasteiros” para o sistema político.

Enquanto Hillary Clinton teria quebrado um tabu, tornando-se a primeira presidente mulher dos Estados Unidos, suas posições, especialmente na política externa, comércio e economia nacional são decididamente mais moderadas que radicais. Por mais que ela tentasse convencer que não, Hillary Clinton estava dentro do molde da ordem estabelecida dos democratas.

Bernie Sanders, o candidato socialista democrata que Hillary Clinton finalmente derrotou, garantindo a nomeação no Partido Democrata, recebeu um apoio significativo para sua plataforma abordando a desigualdade social e desafiando o clientelismo corporativo de Wall Street. Ele desafiou o elitismo do seu próprio partido, criticando a liderança do Comitê Nacional Democrata quando disse: “Eu acho que vocês têm um Partido Democrata, que não é tão forte quanto deveria ser para a classe trabalhadora deste país e é voltado para grandes interesses monetários. Esse tem sido meu ponto de vista por um longo tempo”. Como um candidato de reforma, Bernie Sanders proveu à classe trabalhadora e a democratas de espírito mais progressivo uma alternativa à política “segura, mas saturada” de Hillary Clinton. Sanders credita à raiva sentida por uma “classe média em declínio” parte do apoio dado a Donald Trump e estima-se que uma considerável parte do grupo que apoiava Bernie Sanders migrou para Donald Trump e outras opções ao invés de Hillary Clinton nas urnas.

A queda de 800 pontos no mercado de futuros durante a noite das eleições dos EUA mostra que a vitória de Donald Trump foi literalmente um choque para o mundo. Como candidato, Donald Trump diferiu totalmente da linha clássica do Partido Republicano, simbolizada pelo ex-candidato presidencial Mitt Romney e pelo Presidente da Câmara Paul Ryan. Donald Trump é um candidato forte pela personalidade, não por políticas, contando mais com o apelo de seu egoísmo opressor e humor impertinente do que no tato que líderes de alto escalão geralmente possuem. Sua agenda política é imprevisível mas alarmante, com resposta que mudam facilmente sobre questões tais como as mudanças climáticas, saúde, imigração e direitos reprodutivos.

Enquanto isso, o recente impeachment de Dilma Roussef do PT, teve um forte impacto nas eleições brasileiras. Oriundos de vários partidos, a maioria dos legisladores no Congresso brasileiro estão atualmente sob investigação ou enfrentam acusações criminais por corrupção. Medido em termos de números de prefeitos, o PT agora ocupa o décimo lugar entre os partidos. Para preencher este vazio, candidatos menos conhecidos executaram campanhas com base em sua condição de “forasteiros” e tiveram enormes ganhos em cidades por todo o Brasil.

Em São Paulo, o centrista João Doria do PSDB recebeu mais de 50% dos votos para se tornar prefeito, sem ser necessário o segundo turno. João Doria pautou sua campanha em cima do sentimento anti-PT e sobre sua experiência no setor privado, enfatizando que ele não é um político e repetidamente acusando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ser “sem vergonha, mentiroso e covarde”. A experiência de João Dória no mundo dos negócios, o fato de ter apresentado a versão brasileira do programa O Aprendiz e o foco político na privatização atraiu uma comparação com Trump feita pelo The Washington Post nos Estados Unidos.

Outras cidades em todo o Brasil viram uma tendência semelhante, como Belo Horizonte ao eleger por poucos votos o ex-dirigente de futebol Alexandre Kalil do Partido Humanista da Solidariedade (PHS) sobre o político estabelecido João Leite (PSDB).

Movimentos sociais vêm com mudanças à direita

A história mostra que dentro do padrão de progresso gradativo, com os ganhos sociais vêm regressões conservadoras. Combinado com a apatia do eleitor e frustração econômica, as eleições de 2016 demonstraram uma mudança conservadora na mentalidade do eleitor no Brasil e Estados Unidos.

O ciclo eleitoral de 2016 em ambas as nações centrou-se fortemente na economia, na justiça criminal, nos dados e na segurança. Sondagens e pesquisas durante e após a eleição mostram que os eleitores americanos foram motivados pela ansiedade econômica e pelo entrelaçamento entre classe e política baseado em raça. Uma correlação reveladora é o melhor desempenho de Donald Trump nas zonas onde os brancos de meia-idade estão com maiores índices de mortes relacionadas à vício, falta de educação e depressão econômica. Imigrantes e negros são vistos por alguns como indignos ou injustamente auxiliados por políticas sociais; seu crescimento nos Estados Unidos, e a Presidência de Barack Obama como um afro-americano, têm alimentado uma reação branca. Candidatos conservadores, e especialmente o discurso de Donald Trump sobre reconquistar o poder da classe trabalhadora, são ligados a este preconceito racial e medo econômico. Pela primeira vez desde 1928, o partido republicano tem agora o controle do Senado (47-51), Câmara dos Deputados (239-192), a maioria dos governadores e um presidente eleito a caminho da Casa Branca, em 2017, com o poder de selecionar o próximo juiz do Supremo Tribunal.

Enquanto isso no Brasil, desde o “golpe parlamentar” ou impeachment de Dilma, dependendo de quem você perguntar, políticos federais, eleitos ou não–procuram ativamente reverter às leis anteriores ou desfazer programas existentes. A mais notável é a PEC 55, emenda constitucional que congelará gastos federais durante os próximos vinte anos, gerando um impacto particularmente prejudicial à saúde e educação, indiscutivelmente duas necessidades crônicas do país que refletem e geram desigualdade. Michel Temer, presidente interino do Brasil, é a favor da privatização das melhores universidades do Brasil e até mesmo do corte de ações afirmativas, que, juntamente com outros programas de bem-estar social, tem sido extensivamente associados com melhorias no acesso à educação e redução da pobreza nas últimas décadas.

Na corrida eleitoral para prefeito do Rio de Janeiro, o bispo evangélico Marcelo Crivella do PRB, retratou seu oponente, Marcelo Freixo do PSOL como perigosamente de extrema esquerda. Os eleitores brasileiros foram mais cautelosos com os candidatos de esquerda após o impeachment de Dilma e inclinaram-se para o conservadorismo de Crivella.

Influência da elite

Embora um escrutínio cada vez maior no financiamento de campanha levou muitos candidatos a enfatizarem amplamente as suas bases de financiamento e serem mais transparentes sobre os gastos para as eleições de 2016, estas eleições bateram os recordes nos gastos de campanha e muitos ricos chegaram aos cargos.

Bernie Sanders foi surpreendentemente bem sucedido em busca de doações pequenas de uma base ampla para financiar sua campanha. Esta escolha exemplificou seu próprio discurso que criticou laços corporativos dos políticos e o uso de super Comitês de Ação Política (PACs). Donald Trump tomou um caminho diferente, gabando-se de uma campanha auto-financiada com US$100 milhões de sua riqueza pessoal. No entanto, não parece que ele cumpriu essa reivindicação. Dados da Comissão Eleitoral Federal mostram que ele contribuiu com apenas US$66 milhões de sua promessa e confiou pesadamente–como Hillary Clinton fez também–na captação de recursos do super PACs. Mais recentemente, a Comissão Eleitoral Federal pediu à Donald Trump para esclarecer mais de 1.000 erros fiscais em doações de campanha considerados “excessivos”. Para Donald Trump e muitos políticos locais que enfrentam auditorias de campanha pós-eleição, tudo indica que questões jurídicas em torno das finanças ainda não podem ser descartadas como resolvidas.

Além do financiamento de campanha, os próprios candidatos são desproporcionalmente ricos, levantando questões sobre quais interesses, de fato, eles irão servir em seus mandatos. No Brasil, um em cada cinco dos prefeitos eleitos este ano é um milionário. A queda na popularidade de candidatos do PT teve impactos indiretos, já que candidatos menos ricos tendem a pertencer a partidos da esquerda. Mais notável é a legislação de 2015 que coloca limites em gastos de campanha e proíbe doações corporativas para candidatos brasileiros. As regras são feitas para reduzir o clientelismo à luz da Operação Lava Jato, mas até agora tiveram um efeito de curto prazo que favorece ricos homens de negócios como Doria e candidatos apoiados por igrejas evangélicas ricas como Crivella. Estes candidatos têm acesso aos seus próprios recursos e não são tão prejudicados pela proibição quanto outros. Candidatos com sua própria riqueza podem doar até 10% de sua renda para a campanha, enquanto igrejas podem organizar unidades de doação e usar sua influência e rede para angariar apoio dos membros. Rafael Greca, prefeito eleito de Curitiba em 2016, pagou ele mesmo 40% de sua campanha com um total de R$600.000. Grande parte do público não confia em dar sequer uma pequena doação para políticos, por vê-los todos como corruptos. Uma exceção foi o socialista Marcelo Freixo (PSOL) com uma promissora porém não vitoriosa campanha para prefeito do Rio, financiado por pequenas doações.

Mídia Cria-ou-Destroí 

Em toda democracia, a mídia desempenha um papel essencial na distribuição de informações ao público, proporcionando uma plataforma para o debate aberto e elaboração de matérias sobre as ações do governo, políticos eleitos e candidatos. A era digital de comunicação significa que notícias atingem os consumidores rapidamente e através de diferentes plataformas. O Brasil tem o terceiro maior número de usuários do Facebook do mundo; seus 90 milhões de usuários, têm o maior engajamento, usando plataformas de mídias sociais para acessarem informações do candidato, participarem de sessões de perguntas e respostas com autoridades e expressarem publicamente suas opiniões. Nos Estados Unidos, o Snapchat cobriu comícios, convenções dos partidos e outros eventos de campanha nos Estados Unidos, para uma audiência de eleitores popular e principalmente jovem.

A mídia está encarregada de avaliar a validade das declarações oficiais dos candidatos e políticos eleitos. Através da verificação dos fatos e da própria cobertura, fontes de notícias são pensadas para nivelar as perspectivas de candidatos que podem ser desfavorecidos de outra forma. Nos EUA, as “Four-Pinocchio rulings” (Quatro pautas do Pinóquio) são feitas para informar aos eleitores que uma estatística ou reivindicação é objetivamente falsa. Enquanto Hillary teve sete Four-Pinnochio Rulings no Verificador de fatos, Donald Trump, por sua vez, teve 59 Four-Pinocchio Rulings. Suas afirmações absurdas, indo desde de que Obama recebeu mais de cem mil refugiados sírios até estimar que seu infame muro iria custar US$8 bilhões, causou raiva, confusão e até mesmo hilaridade em algumas ocasiões. Ainda assim, a falta de veracidade e consistência de Donald Trump não foi suficiente para ele perder a eleição.

No Rio, uma eleição disputada ferozmente inspirou várias iniciativas de checagem de fatos. Durante um debate televisivo para a prefeitura, pequenas equipes de jornalistas colaboraram para informar se as declarações dos candidatos eram corretas, incorretas, exageradas ou fora de contexto. Os resultados foram compartilhados em mídias sociais com a hashtag #checado. ONGs também se uniram, lideradas pela monitor de políticas Meu Rio, com as análises de seu “detector de mentiras” online em tempo real durante os debates. O Brasil possui uma crescente indústria da checagem de fatos.

As eleições de 2016 deram ao Brasil e aos EUA desafios e oportunidades para reavaliar as práticas de seus ciclos eleitorais e aprimorar seus respectivos sistemas políticos.