Moradores da Região Portuária Sofrem com as Obras Intermináveis do VLT #DeOlhoNoLegado

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Em 2013, começou a construção do sistema de VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos) pelo Consórcio VLT Carioca, como parte do programa de revitalização do Porto, o Porto Maravilha, no Centro do Rio de Janeiro. O objetivo do programa é de promover o turismo e revitalizar a histórica, mas negligenciada Região Portuária. Três anos mais tarde, a maioria das seis linhas do VLT ainda estão em obras, com apenas a Linha 1, que conecta a Rodoviária Novo Rio ao Aeroporto Santos Dumont, em total operação. Quando a construção do VLT estiver completa, ele passará por bairros históricos centrais do Rio como Gamboa, Saúde, Santo Cristo e as favelas de Providência, Pedra Lisa, Moreira Pinto e São Diogo, e partes de São Cristóvão, Centro, Caju e Cidade Nova.

Embora a primeira linha principal do VLT esteja completa agora, ainda há muitos trechos em obras, especificamente dentro do bairro da Gamboa, lar da maior parte da população da região. A prioridade foi dada para a conclusão da linha 1 do VLT, uma vez que ela passa pelo recentemente renovado Boulevard Olímpico, pelo Museu do Amanhã e pelo Teatro Municipal na Cinelândia. As linhas que atravessam pelo bairro historicamente negro da Gamboa, passando pelo Cemitério dos Pretos Novos–onde mais de 30.000 escravos foram enterrados–e pela Pequena África, foram deixadas em construção.

Com constantes atrasos e com comunicação mínima do governo, os moradores de Santo Cristo, Gamboa e Saúde estão vivendo dentro de locais das obras do VLT que estão caóticos, perigosos e sujos. Esta situação vem restringindo severamente a mobilidade, os negócios e meios de vida dentro do bairro nos últimos três anos.

O financiamento e a gestão do VLT

Ao analisarmos a quantidade de gastos do governo com o Porto Maravilha e especificamente com o Consórcio VLT Carioca, fica evidente a falta de valor dado à melhoria das escolas, hospitais, edifícios históricos e moradias da região.

Em 2009, o projeto Porto Maravilha foi lançado pela Prefeitura do Rio de Janeiro e promovido como uma oportunidade para finalmente revitalizar a longa negligenciada Região Portuária. O projeto fez chamadas para investimentos privados financiarem o projeto de revitalização, visando minimizar os gastos do governo através do uso de parcerias público privadas (PPP), sendo esta a primeira PPP dentro da cidade do Rio de Janeiro, assim como a maior PPP que já ocorreu no país.

Antes da ativação deste projeto, a revitalização da área estava focada em planos de habitação participativos e acessíveis, através do Ministério das Cidades. Embora conversas e planos enfatizando a habitação social e investimentos em infraestrutura tenham sido trabalhados por agentes políticos desde a década de 80, o lançamento do projeto de revitalização do Porto Maravilha resultou em um afastamento da ênfase na inclusão social e, ao invés disso, ocorreu um movimento em direção à privatização dessa área. Com o lançamento do projeto, o foco da revitalização se voltou para as PPPs, a especulação imobiliária e turismo, e o controle do desenvolvimento passou para as mãos da CDURP, uma agência de planejamento herdada e liderada por um antigo empreendedor imobiliário e por empresas privadas envolvidas.

A privatização da Região Portuária é evidente para o presidente da Associação de Amigos e Moradores da Gamboa e Adjacências, Eduardo Souza: “Hoje nós sabemos que a situação é que a privatização tem mais valor que os moradores”.

A PPP, responsável pela construção e administração do VLT, foi assinada em junho de 2013 estabelecendo uma parceria entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Consórcio VLT Carioca.

O Consórcio VLT Carioca é composto pelo Grupo Grupo CCR, Invepar, Odebrecht TransPort, RioPar, Benito Roggio Transporte e RATP Dev Brasil.

Embora a PPP por trás do Porto Maravilha e do Consórcio VLT Carioca tenha sido anunciada como uma forma do governo ser capaz de gastar menos dinheiro em projetos de infraestrutura, Mariana Werneck, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, em seu estudo intitulado “Porto Maravilha: Agentes, Coalizões de Poder e Neoliberalização”, afirma que o governo na verdade acabou investindo mais dinheiro nas PPPs do que as próprias empresas privadas, contrariando a retórica da prefeitura.

Werneck declara que a atual quantia de gastos do governo no projeto do VLT não foi divulgada com precisão pela prefeitura. Apesar do Plano de Políticas Públicas do projeto de legado dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016–criado pelos governos municipal, estadual e federal junto com a Autoridade Pública Olímpica (APO) e o Comitê Rio 2016–relatar uma contribuição de R$532 milhões através do Programa de Mobilidade do PAC, o Plano de Políticas Públicas não inclui a quantia gasta pela prefeitura do Rio de Janeiro no VLT. No Contrato do VLT do Consórcio Carioca está escrito que a prefeitura pagará R$1,6 bilhões para empresas privadas que compõem o Consórcio VLT Carioca por 25 anos após a conclusão do projeto.

O governo anunciou que 42,6% dos fundos na PPP vêm da participação pública e que 57,4% vêm da participação privada, entretanto Mariana Werneck argumenta que atualmente 63,19% vêm de fundos públicos e somente 36,81% vêm de empresas privadas. O contrato da PPP autorizando o VLT também tem uma cláusula que protege a empresa privada, dizendo que se as receitas mensais não forem atendidas, a prefeitura estará sujeita a pagar a diferença nas perdas por 25 anos. Essencialmente, a pesquisa de Werneck mostra que existe um grupo de empresas privadas operando sem qualquer risco financeiro ou regulamentações e sem a obrigação de melhorar a vida dos moradores da região.

Eduardo Souza expressou que o que a comunidade realmente precisa são investimentos na educação, moradia, saúde e na restauração de lugares históricos.

Impactos do VLT nas vidas dos moradores

Para abrir caminho para a construção e implementação do VLT muitas linhas de ônibus foram cortadas. Nos últimos três anos, moradores foram forçados a trafegar pelos lugares das obras e tiveram que enfrentar a falta de linhas de ônibus para irem ao trabalho, escola, ou casas de seus amigos e famílias. Um aumento na opção de modais não resultou em aumentos na mobilidade.

Eduardo Souza declarou: “Nós temos uma grande dificuldade com transporte no bairro. Removeram várias linhas de ônibus em expectativa ao VLT… Muitas pessoas [na cidade] estão conectadas ao Boulevard Olímpico, à Praça Mauá, mas dentro da vizinhança os moradores ainda não têm [ a mobilidade que o governo] prometeu”.

Maria José morou na Gamboa por seis anos depois de se mudar da Bahia para o Rio em busca de emprego. Ela disse: “Antes deste projeto, o ônibus passava aqui. Era um ônibus direto. Era rápido. Agora, não há ônibus… [O VLT] atualmente não traz quaisquer benefícios”. Maria também disse que até mesmo quando as linhas do VLT estiverem funcionando, ela provavelmente não irá usá-lo, uma vez que ele é um transporte lento.

Aproximadamente 28 linhas de ônibus que atendiam aos moradores da Região do Porto com o acesso à Zona Sul e Zona Norte foram cortadas e 21 linhas foram encurtadas para permitir a construção do VLT. Na Gamboa, cinco linhas foram removidas para abrir caminho para as obras, e agora os moradores têm que caminhar através do Túnel João Ricardo, que é frequentemente inseguro, só tendo acesso ao transporte fora da Zona Portuária. Um morador disse que embora as linhas de ônibus 010 e 011 passem pela Gamboa, elas funcionam somente até às sete da noite.

Outra barreira ao acesso de transporte na região foi a retirada da Estrada Perimetral, demolida em 2013, para limpar a vista e o acesso à Baía de Guanabara, sendo substituída por dois túneis e uma via expressa. Retirá-la também teve o impacto de melhorar a qualidade de ar na região. A via expressa e o túnel começam na Rua Rodrigues Alves e está aberta desde julho de 2016. Porém a Perimetral foi uma importante rota de ônibus acessível para a Região do Porto, porém o túnel e a via expressa são inacessíveis para os moradores da área.

Além disso, com o objetivo de fazer espaço para as obras do VLT, centenas de árvores antigas que forneciam sombra aos pedestres foram cortadas.

Para muitos daqueles que moram em Santo Cristo, Gamboa e Saúde, as portas de suas casas e de seus negócios abrem diretamente para tubos, valas e sujeira das obras. Moradores reclamam que durante fortes chuvas as valas das obras se enchem de água permitindo que mosquitos se procriem e entrem em suas casas. Um morador mencionou que todos da sua família tiveram Zika devido ao aumento dos mosquitos como um resultado da água parada nas obras. Maria José relatou que pessoas ficam impedidas de saírem de suas casas quando as ruas estão inundadas com água. Ela disse que toda vez que chove a casa dela inunda.

Finalmente, a praticidade geral do VLT como uma solução de transporte para moradores é questionada. Muitos moradores dizem que a infrequência dos trens (cada um passa somente a cada 15 minutos ou mais) e a velocidade lenta não o torna uma forma eficiente de transporte.

Economia local afetada pelo VLT

A construção e implementação do VLT não só tornou difícil para os moradores se locomoverem, como também teve impactos negativos nos pequenos negócios locais e na economia informal dos vendedores ambulantes na região.

Um morador e proprietário de uma loja, que fica ao longo da linha que passa pela Gamboa, descreveu como a área mudou desde que a construção começou em 2013. “Nenhum carro passa por aqui, existe somente obras. É difícil para a gente. Existem muitos comerciantes aqui. Infelizmente, o governo não presta atenção na gente”.

Um comerciante que mora no andar de cima do restaurante que ele administra por mais de vinte anos declarou que desde que as obras começaram, a quantidade de negócios declinou muito. “Infelizmente não sobra ninguém. Antes dessas obras começarem, eu vendia 100 refeições por dia, hoje eu vendo uma, quando eu vendo uma”.

Vários pequenos restaurantes e negócios na Gamboa tiveram que fechar porque os três anos de obras restringiram o fluxo de pedestres e parou completamente o fluxo de carros que costumava trazer consumidores. Um morador apontou para um bar na esquina da Rua Pedro Ernesto e disse: “O homem lá tem mais de 50 anos de idade. Ele está fechando seu bar porque não tem condições de vender comida”.

Francisco Dutra é o proprietário da loja de conveniência Tia Pretinha, localizada em uma esquina que fica no início da linha do VLT na rodoviária, e é um morador da Ocupação Comunidade Novo Equador em Santo Cristo, localizada ao longo da linha do VLT. Ele declarou: “Antes, o ponto de táxi era aqui, então as pessoas compravam da gente. Havia diariamente clientes que compravam tudo daqui, mas depois disso só foi ficando pior”.

As mudanças no fluxo do tráfego, assim como as obras no local, trouxeram dificuldades para os vendedores ambulantes manterem seus comércios de subsistência. Locia, 64, de Nova Iguaçu depende para sua subsistência da venda de tapetes, e sua clientela é composta das pessoas que passam de carro por Santo Cristo. Ela disse que agora com poucos carros passando pela área, suas vendas diminuíram. Comentando sobre a construção do VLT ela declarou: “É bom, mas não para quem depende… Para o vendedor ambulante que depende de viver das ruas, acabou. Eu costumava ter uma tenda lá na esquina onde eu vendia comida. E agora, eu não sei. Eu ganhava pouco, mas agora minha renda é ainda menor. Para mim, que trabalho aqui, ficou pior”.

Maria José explicou que os ônibus costumavam parar na Praça da Harmonia, uma praça histórica onde membros comunitários se reuniam. Maria é uma vendedora ambulante de alimentos e bebidas, e ela costumava vender a maioria de suas mercadorias no ponto de ônibus, mas desde que começaram as obras da linha do VLT e houveram os cortes de linhas de ônibus, ela não pôde mais vender lá com sucesso.

Maria José também expressou sua frustração com as mudanças na região. Ela declarou que a Praça Mauá, circunjacente ao Museu do Amanhã–uma das maiores atrações ao longo da linha do VLT, frequentemente é local de eventos públicos, entretanto a prefeitura tem reprimido os vendedores ambulantes. Mais pessoas frequentam a área, porém vendedores ambulantes não podem ter acesso a esses clientes em potencial. No dossiê do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas, “Olimpíada Rio 2016, os jogos da exclusão”, uma das principais violações dos direitos humanos apontadas foi a repressão da economia informal nos projetos de legado Olímpico da Rio 2016, como o projeto Porto Maravilha.

É incerto quando as obras do VLT estarão completas, e se realmente ficarão completas. Mas, os impactos positivos para moradores de baixa renda da Região do Porto são altamente questionáveis. “Somente ficou melhor para os turistas, mas para aqueles que moram aqui é um horror”, disse Locia. Embora muitos moradores tenham esperança pelas mudanças que o VLT poderia trazer para a área depois de completa, a construção e o desenvolvimento até agora tiveram um grande impacto negativo para aqueles que moram na região, a medida em que foram majoritariamente priorizados a especulação imobiliária, entidades privadas, locais de eventos, o comércio formal, e o turismo.