Agricultura Urbana e Periurbana e o Crescimento das Hortas Comunitárias em Favelas do Rio

Horta Urbana Comunitária de Manguinhos, a maior da América Latina. Reprodução
Horta Urbana Comunitária de Manguinhos, a maior da América Latina. Reprodução

Click Here for English

A maioria da população mundial atualmente reside em meio urbano. Como nos distanciamos da vida no campo, também perdemos contato direto com todo o processo da alimentação, desde o plantio. As áreas livres estão cada vez mais escassas no meio urbano.

Ainda que se viva em um país tropical privilegiado de áreas verdes, poucos têm disponibilidade de usufruir da natureza como lazer. Compramos mercadorias desconhecidas já embaladas e adulteradas com agentes tóxicos. O consumo de orgânicos ainda é muito inacessível tanto do ponto de vista logístico quanto financeiro para boa parte da população, em especial os moradores de favelas.

A saúde começa a partir da boa alimentação. É essencial saber mais sobre nutrição e os processos de cultivo e industrialização. A falta de acesso à informação nas escolas e, consequentemente, em casa, dificulta os bons hábitos alimentares. Portanto, iniciativas de hortas caseiras e comunitárias têm crescido de acordo com a demanda e acesso de informação.

Agricultura urbana é o processo de cultivo e distribuição de produtos, utilizando recursos humanos e materiais locais da área em que está inserida, e divide-se em intra, quando ocorre dentro, e periurbana quando ocorre em periferias e comunidades da metrópole. A agricultura urbana é realizada geralmente em pequenas áreas como quintais, terraços ou pátios, e destina-se sobretudo a subsistência ou venda em pequena escala, em mercados locais. Há iniciativas mais ambiciosas de hortas urbanas em espaços comunitários ou públicos não urbanizados. O objetivo de incentivar a prática da agricultura urbana é oferecer gêneros alimentícios de qualidade a custo acessível especialmente para populações com pouco acesso, promover o desenvolvimento sócio-econômico e segurança alimentar, além da melhoria da resiliência do meio ambiente como o aumento da capacidade de infiltração no solo, conservação da biodiversidade e diminuição da poluição.

A arquitetura das favelas, muitas vezes, é moldada a partir do adensamento e carece de espaços livres dedicados ao lazer ou especialmente para uma horta, mas nada que não poderia ser improvisado para delimitar um espaço para área de plantio, como por exemplo uma laje, que é em geral uma superfície regular e ensolarada. Caso não haja a possibilidade, pode-se verticalizar e fazer uma parede com suportes para o cultivo das mudas. O sistema básico de compostagem pode ser feito em casa, com terra e resíduos orgânicos das famílias, diminuindo consequentemente a quantidade de lixo produzido nas favelas. Há muitas técnicas simples e acessíveis que facilitam a prática, como no caso do Vale Encantado com o seu saneamento sustentável, que mostra o tanto que é possível uma comunidade fazer, inclusive quando a prefeitura não consegue chegar com os seus serviços públicos, ao seu público.

Conversar em sua comunidade sobre as vantagens de se ter uma horta e produzir seu próprio alimento é o início. Experimentar em pequena escala o cultivo de temperos e pequenas ervas e depois expandir para demais variedades, e conhecer um pouco de cada espécie, é uma boa iniciativa pessoal, que, dando certo, pode ser apresentada aos vizinhos. Trocar experiências é importante para alcançarmos além do indivíduo.

O projeto Favela Orgânica localizado na comunidade da Babilônia e Chapéu Mangueira, na Zona Sul do Rio de Janeiro foi implementado em 2011 com um pequeno orçamento com o objetivo de ensinar moradores da região a aproveitarem os alimentos em sua totalidade. Além de promover aulas com as diretrizes do consumo consciente, gastronomia alternativa, e compostagem caseira, o Favela Orgânica promove iniciativas de hortas caseiras nas favelas mostrando que todos somos capazes de produzir alimento, independentemente do espaço que temos em casa. Basta conhecermos e respeitarmos a natureza e o seu ciclo. O projeto já levou suas oficinas para outros diferentes estados do Brasil

Hortas, quando a nível comunitário, fortalecem a solidariedade e o senso de coletividade: crianças e idosos podem participar igualmente de todo o processo, e assim aprender e poder ensinar aos demais sobre a importância de conhecer e cultivar seu próprio alimento. Depois podem todos desfrutarem a colheita enquanto conhecem um pouco mais sobre a natureza, quais espécies são mais apropriadas em determinadas estações do ano, além de quais promovem a saúde.

Há princípios fortes implementados nas favelas, como destacados no documentário de 2012, Favela como Modelo Sustentável. Mas muitos são ainda desconhecidos. Organizações diretamente voltadas ao ensino de jardinagem e agricultura urbana ensinam técnicas, distribuem sementes e mudas, organizam mutirões de plantio e palestras–pode-se buscar informação em feiras orgânicas hoje em vários pontos da cidade.

O projeto Hortas Cariocas, criado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, investe na agricultura urbana e já administra 30 hortas implementadas em áreas públicas (sendo 17 em escolas) de várias favelas da capital fluminense. As plantações urbanas têm metade da produção doada para as escolas do bairro e às famílias mais pobres, indicadas por Associações de Moradores. A outra parte pode ser comercializada pelas equipes e o lucro é dividido entre os cuidadores, empregando inclusive ex-presidiários. A prefeitura fornece sementes, uniformes, equipamento de proteção individual, material para mão de obra no cultivo, equipamentos e fertilizantes orgânicos. Cada colaborador e coordenador das Hortas Cariocas recebe uma mensalidade como responsável pelas atividades e funções administrativas. A ambição do projeto é promover em médio prazo a emancipação das hortas, quando as mesmas atingirem um nível de produção cujo lucro seja maior vendendo do que recebendo a bolsa da prefeitura.

Em Manguinhos, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro foi realizada uma grande obra de infraestrutura pública destinada a abertura de ruas, coleta de lixo, serviço de água e esgoto. Neste processo foi removida uma camada de terra contaminada que era preenchida com saibro, brita e pó de pedra, usados para evitar mato e lama. Ao remover o material, foi levado a terra, composto e mudas, e um sistema de água e de drenagem foi montado. O local hoje abriga a maior horta urbana comunitária da América Latina. O ambiente é ocupado por mais de 300 canteiros, com 160 em produção. Contam com a mão de obra de 27 novos hortelãos. Todos aprenderam o ofício durante o projeto, ninguém era do ramo.