O Centro de Artes da Maré estava lotado na última quinta-feira, dia 18 de maio, quando o Laboratório LGBT de Teatro do Oprimido e Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas sediaram a Primeira Mostra de Cultura e Cidadania LGBT de Favelas. Os participantes, desde estudantes do ensino médio a ativistas e pesquisadores universitários tomaram parte de uma extensa gama de atividades incluindo apresentações de teatro e capoeira, apresentações de livros e uma discussão em mesa redonda. Espera-se que este tenha sido o primeiro, de muitos mais eventos deste tipo, a ser sediado na Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
O Rio é frequentemente visto pelas pessoas de fora como um paraíso gay com as suas praias extensas e a famosa comemoração do Carnaval, mas para muitos indivíduos LGBT que moram na cidade a realidade está longe deste quadro. Este é um motivo pelo qual os organizadores decidiram sediar o evento de quinta-feira. Ainda que as questões LGBT não sejam novidade para os brasileiros ou para os moradores do Rio, “o movimento ainda está muito pautado em uma construção branca, europeia”, explicou Wallace Lino, um ator do grupo. Muitos participantes sentiram que as discussões em torno das questões LGBT não abrangem a sua experiência, que pode divergir drasticamente até dentro de uma só comunidade. Enquanto que frequentemente as conversas centram ao redor de uma injustiça singular–os direitos dos gays por exemplo–os participantes falaram sobre o fato que moradores de favelas não têm o privilégio de ignorar discussões múltiplas que ocorrem de uma só vez.
É por isso que o espaço para se reunirem é tão importante. Os participantes levantaram problemas que eles e os outros enfrentam nas suas comunidades inclusive a discriminação por administradores das escolas, falta de acesso à educação de qualidade, visibilidade reduzida, a ignorância dos profissionais de saúde e a falta de apoio. A atriz Dandara Vital lembrou, “depois que eu transicionei e fui expulsa de casa, quem abriu os braços para mim foi a favela”. A Coordenadora do Projeto Além do Arco-Íris, Laura Mendes, enfatizou declarando que quando era adolescente era obrigada a trabalhar com sexo nas ruas, enfrentando assédio e discriminação quando muito jovem. “A expectativa de vida de trans é 35. Sou uma sobrevivente”. Ela continuou explicando que já que muitas pessoas transexuais são expulsas das suas casas, é difícil para elas terminarem a escola ou conseguir um bom emprego, e muitas acabam passando tempo na prisão. “Quando a educação não é verdadeira, o sonho do oprimido é ser o opressor.”
Alessandra Ramos, produtora cultural, introduziu a ideia da interseccionalidade e como estes espaços são importantes para discutir as diferenças dentro da comunidade LGBT. “Eles estão organizados para nos atropelar”, ela disse sobre o bloco político conservador dentro da prefeitura conduzido pelo prefeito evangélico Marcelo Crivella que está tentando cancelar a Parada do Orgulho LGBT deste ano. Ela continuou comentando como é importante manter uma frente unida na luta pelos direitos, mas como é difícil sem espaços desconstruir a ignorância que existe dentro da própria comunidade. A contribuinte da mesa-redonda Dayana Gusmão mencionou que todos sofrem com a ignorância, e que às vezes é necessário se auto-desconstruir.
No Brasil, uma pessoa LGBT é assassinada a cada 25 horas, um jovem negro é morto a cada 23 minutos, e uma mulher é agredida a cada 15 segundos. Estes fatos convergem para moradores das favelas em todo o Rio. Na Maré, o problema é agravado pela ocupação contínua da polícia que tem custado ao governo em média R$1,6 milhões por dia (R$600 milhões em 15 meses) e já resultou em 13 mortes em 2017, enquanto o governo gastou lá apenas R$303,6 milhões em investimentos sociais em seis anos. Como Gusmão observou, “Nós fomos forjados na dor. Nada para a gente veio de graça”. Se você é um morador da Maré e gostaria de se envolver, ou um leitor que simplesmente gostaria de fazer uma doação, entre em contato com o grupo Conexão G.