Emoção e empolgação preencheram o auditório Gilberto Gil no Museu Histórico Nacional do Rio (MHN) no dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, quando o museu recebeu o acervo da Vila Autódromo que documenta a história da luta da comunidade contra a remoção. A favela, localizada ao lado do Parque Olímpico do Rio, enfrentou enormes pressões para a remoção por parte da prefeitura, mas um pequeno grupo de famílias conseguiu permanecer até o fim. Toda a comunidade–com exceção da Igreja Católica e uma casa que continua lutando na justiça–foi demolida, e apenas vinte famílias conseguiram ficar em casas recém construídas no local. A cerimônia marcou um momento simbólico na história do Brasil, onde, pela primeira vez, o MHN envolveu-se em um processo coletivo para criar um espaço de ação e resistência, além da tradicional exposição do museu. Como afirmou a moradora e ativista Maria da Penha, “o acervo serve mais como uma ferramenta de resistência do que simplesmente para preservação de memória”.
Membros do MHN e moradores da Vila Autódromo se reuniram várias vezes para discutir o acervo e quais peças deveriam ser exibidas e preservadas. Como disse o representante da MHN, “o objetivo vai além de levar um movimento social ao MHN, mas construir coletivamente o espaço com a participação do movimento da Vila Autódromo”. Esta nova forma participativa de museologia se concentra na resistência e na ação e acrescenta ainda outro avanço à longa lista de impactos que vêm da luta da Vila Autódromo. Para os moradores que tanto lutaram contra as táticas perversas de remoção da prefeitura, a presença do acervo no Museu Histórico Nacional é um símbolo de força e resistência.
Junto com documentos e fotografias, os últimas restos da Vila Autódromo original foram doados ao museu. Estes materiais incluem, entre outros, uma grade de janela da casa antiga, de muitos anos, de Mainha, na Rua Gilles Villeneuve, uma das últimas casas demolidas. Mainha já havia sido removida da favela Via Parque, na Barra da Tijuca, antes de se mudar para a Vila Autódromo. Pedras hexagonais, anteriormente parte da calçada da residência de Adão, morador da Vila há muitos anos, na estrada do Rio Beiro, cuja casa servia como um centro espiritual também foram apresentados, e mais uma bomba sapo pertencente a Sandra Maria, que era constantemente compartilhada entre os vizinhos como uma ferramenta de sustentabilidade para limpar o ambiente e trazer água potável para a comunidade. Ao longo do processo de remoção, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes acusou constantemente a Vila Autódromo de causar danos ambientais, quando de fato a comunidade participa de vários projetos de sustentabilidade sem qualquer ajuda do Estado.
Um dos itens mais simbólicos entregue ao MHN foi um tijolo encontrado nas ruínas após a demolição, e cujo proprietário é anônimo. Cerca de 700 famílias foram removidas, e apenas 20 permaneceram, portanto muitas das ruínas tinham proprietários desconhecidos. Este tijolo “anônimo” é um símbolo para todos aqueles “anônimos” que foram removidos de dentro e de fora da Vila Autódromo, e marca a importância da luta que tantos moradores de favelas enfrentam.
Para completar o motivo de celebração, o dia 18 de maio também marcou o aniversário de um ano da fundação do Museu das Remoções, um museu criado pela Vila Autódromo e outros moradores de favelas, universidades e ONGs parceiras, como ferramenta de resistência ao documentar a luta da comunidade para permanecer na sua terra, o seu direito de existir e a beleza da comunidade, dos seus moradores, da sua cultura e da dedicação à justiça social e ambiental. O museu foi criado como mais um espaço para preservar a memória e a história; ele também alcança comunidades que, anteriormente ou atualmente vivem a experiência de remoção. Ao longo da cerimônia, foram lembradas favelas como Via Parque, Cidade de Deus e Morro do Castelo. Foi importante para os moradores da Vila Autódromo que seu Museu das Remoções tenha transcendido o espaço e, além do acervo, a MHN reservou um espaço, para o Museu das Remoções, na sua próxima exposição de longo prazo intitulada Cidadania em Construção. Como ressaltou o representante da MHN na cerimônia, esse espaço “não será uma invenção da MHN, mas uma contribuição da Vila Autódromo para o MHN”.
Apesar da dolorosa lembrança da luta da Vila Autódromo mostrada na apresentação feita por Sandra Maria, a cerimônia também contou com muita alegria, determinação e esperança. A Vila Autódromo e a luta que ela representa transcendem espaços, agora ocupa o Museu Histórico Nacional, trazendo mais esperança para a mobilização e capacitação de moradores de favelas e para uma eventual transformação social. Como defendem os moradores da Vila Autódromo: “a história não deve ser apagada”.