No dia 1 de julho, o assentamento indígena urbano Aldeia Maracanã organizou uma oficina de agroecologia e reflorestamento com a organização Educação Popular na Cinelândia. Cerca de quinze pessoas se reuniram para manter o jardim da ocupação. Os voluntários adicionaram material verde no composto, plantaram plantas doadas e, literalmente, quebraram o concreto para preparar o solo abaixo para plantar. Ao longo do processo, o grupo aprendeu sobre insumos para sistemas agroflorestais e ervas medicinais.
A Educação Popular na Cinelândia foi fundada para rejeitar à monetização dos conhecimentos sobre permacultura e bioconstrução–muitas vezes as aulas destes saberes chegam a custar R$1000 e são estruturadas como sessões de dia inteiro em locais remotos, uma condição que remove esse conhecimento do contexto urbano cotidiano, onde poderia ser aplicado, e exclui pessoas incapazes de investir dinheiro e tempo. As aulas gratuitas de sexta-feira na Cinelândia, no Centro do Rio, são oferecidas como um curso aberto e como uma alternativa às aulas caras de bioconstrução e permacultura. A oficina de sábado deu ao grupo a oportunidade de aprender e praticar esses princípios, ao mesmo tempo em que apoiava os esforços da Aldeia Maracanã.
Após o mutirão, Urutau Guajajara, líder da Aldeia, pesquisador de linguística do Museu Nacional da UFRJ e professor de linguística na FAETEC-ISERJ, falou sobre a história e ocupação da terra. O prédio do Museu do Índio, fundado por Darcy Ribeiro, foi abandonado na década de 1970, depois foi usado pelo Ministério da Agricultura para armazenar sementes e realizar pesquisas e, finalmente, reocupado em 2006 pela resistência indígena. A ocupação foi removida pelo governo estadual em 2013, no início da Copa do Mundo, e muitas famílias foram reassentadas em habitação pública como parte do programa Minha Casa Minha Vida. A Aldeia foi reocupada novamente em 2016 por famílias que estão vivendo no local e alguns trechos do terreno do estacionamento foram recuperados com jardins. O prédio em si precisa de manutenção–a prefeitura prometeu restaurar o prédio, mas logo depois agendou sua demolição.
Guajajara criticou a percepção “Xinguan” dos povos indígenas–a crença de que eles apenas vivem em assentamentos rurais, só falam línguas indígenas e não podem ser considerados em um contexto contemporâneo ou urbano. Ele enfatizou que é imperativo que o governo veja a comunidade indígena como ela é, com sua multiplicidade de experiências. Até que isso ocorra, a política e o diálogo permanecerão desiguais e prejudicados. Sobre a injustiça nas tentativas do Estado de expulsar a ocupação da Aldeia, Guajajara explica: “é cruel saber que o único espaço que temos é isso aqui”, especialmente porque “a nossa questão aqui é cultural, e tudo o que é feito aqui dentro da [Aldeia] diz respeito a questão indígena”.
O movimento de resistência tem esperanças de um dia criar uma Universidade Indígena no local, dedicada ao estudo da língua, da cultura, e da agricultura como outra forma de aprendizagem e conservação da cultura indígena. Guajajara explica que “sendo uma Universidade Indígena, cabem outros projetos, como: um Centro Cultural, Pontos de Cultura e projetos de várias outras etnias e povos indígenas”. No entanto, se somente um Centro Cultural for criado, não haveria oportunidade de haver tantos programas e funções, como permitiria uma estrutura universitária “pensada, gerida e ministrada por indígenas”.
Guajajara explicou que a localização e o contexto da Aldeia tornam-na ideal para atividades agrícolas, com a proximidade de quatro universidades, sua história com o Ministério da Agricultura, e porque “vários cursos [estão] retornando à questão da agricultura familiar, agricultura urbana, agroecologia. Por isso, o espaço é uma localização ideal”, explica Guajajara.
Na sequência da discussão, os líderes do projeto Educação Popular realizaram um círculo de conversa sobre o tema dos agrotóxicos e produtos químicos utilizados na agricultura. A discussão relacionou a questão tanto com os benefícios de plantar organicamente em casa, bem como os temas dos direitos e a saúde dos trabalhadores, poluição e destruição da vida selvagem. Depois disso, quando a noite caiu, Guajajara conduziu o grupo em um passeio pelo antigo edifício do Museu do Índio. As luzes do celular ricocheteavam nas paredes, iluminando murais de protesto, poemas e outras imagens de resistência. Para concluir, a comunidade da Aldeia Maracanã convidou os participantes da oficina para se unirem em torno de uma fogueira com músicas tradicionais da cultura guarani e de indígenas peruanas.