A Resolução 013, que subordinava ao comando da UPP o autorização ou não para a realização de eventos culturais, artísticos e esportivos nas favelas ocupadas, foi revogada oficialmente há quatro anos pelo então Governador Sérgio Cabral, mas a prática de controle da vida social dos moradores ainda é realidade. Na quinta-feira, dia 7 de julho, moradores das favelas de Manguinhos, Rocinha, Jacarezinho e Cidade de Deus que fazem parte do Movimento Favelas Contra a Violência e do Movimento Popular de Favelas, se reuniram com representantes da Subsecretaria de Segurança Pública e da Secretaria de Cultura para debater as dificuldades nas quais a organização de manifestações culturais nas favelas esbarra.
“Ainda há uma determinação expressa do Comando da Polícia Pacificadora de que a UPP deve regular os espaços da favela. Eles acham que são donos da favela”, disse uma moradora de Manguinhos. “A polícia está fazendo papel de juiz decidindo o que se pode e não fazer. Quem deveria fazer isso é a prefeitura. Não queremos ficar à mercê da boa vontade do policial”, disse outra.
Mas a própria prefeitura vem dificultando a operacionalização dos mecanismos legais que regulam tais manifestações culturais. Como coloca o advogado e pesquisador de Cooperação Social da Fiocruz, Djefferson Amadeus, o direito à realização dos eventos é garantido, dentre outros mecanismos, pela lei municipal 5429/2012, na qual está prevista apenas a notificação à região administrativa sobre o dia e o local da realização de manifestações em espaços públicos por grupos culturais.
Uma das barreiras colocadas por Crivella à operacionalização dessa lei consiste no decreto 43.219/17 do final de maio desse ano, que estabelece uma comissão ligada ao gabinete do prefeito para aprovar eventos com público superior a 1000 pessoas. O veto dessa comissão poderá se dar inclusive durante a realização do evento, mesmo que ele possua as licenças necessárias. Além de burocratizar o processo, abre espaço para a proibição com base em motivos políticos ou ideológicos. Logo depois do decreto, a prefeitura publicou a resolução Nº58, isentando celebrações religiosas dos procedimentos de Consulta Prévia e de emissão de Alvará de Autorização Transitória. Crivella ainda regulamentou no início do mês uma lei que prevê multa de até R$5000,00 por barulho excessivo em bares, festas e praças.
O que mais incomoda alguns moradores é a não padronização das regras. “Algumas determinações parecem só valer para as favelas”, disse uma moradora também do local. “Vamos ver se essas leis vão se aplicar igualmente para o evento da Universal e o baile funk”, completou.
“Além dos barraqueiros que ficam sem emprego, a proibição deixa de gerar renda para os moradores que alugam seus banheiros durante os eventos. Isso sem contar que simboliza a criminalização da cultura da favela”, disse um morador. É preciso reconhecer essas atividades como geradoras de emprego e renda dentro da comunidade, além de seu papel no reforço da sensação de segurança do local e no estímulo à autoestima da população, dando-lhes uma opção de lazer.
Na favela do Mandela 2, em Manguinhos, a tradicional festa de Natal do ano passado não aconteceu, porque a então comandante da UPP alegou 3 dias antes da festa, durante o recesso de natal, que era preciso obter licenças da 21ª Delegacia, da prefeitura e do Corpo de Bombeiros. A assessoria das UPPs disse que isso está de acordo com a “Resolução Nº013 da Seseg e Resolução conjunta Seseg/Sedec Nº134” – a primeira é justamente a resolução que foi revogada em 2014.
Hoje as coisas estão um pouco melhores. “A antiga comandante da UPP era inflexível, não queria diálogo. Fizemos várias reuniões e colocaram um novo comandante. Aí ele liberou um show e um baile semana passada no Mandela para amansar os moradores”, disse uma moradora da comunidade. Ainda assim, os organizadores enfrentam obstáculos e buscam formas de contorná-los. Uma delas tem sido renomear o “baile funk” de “pagofunk”, que eles alegam ter mais chance de ser aprovado. Isso apesar do funk ter sido reconhecido pela Alerj como patrimônio cultural em 2009.
“A UPP diz que não pode autorizar baile por questão de segurança, pelo risco de violência, mas os policiais não prezam nem fazem nada pela nossa segurança no dia a dia. Só ficam lá, entocados na base”, disse outra moradora. Além disso, mesmo quando a autorização é dada, não há nenhuma garantia de não haver operação no dia, o que necessariamente suspende as atividades, seja por determinação expressa da polícia, seja pelo medo de confronto.
“A gente apenas está cobrando o que está previsto na lei, incluindo o direito do morador a trabalho, lazer e renda”, disse um morador de Manguinhos. Nesse sentido, reafirmou-se na reunião do dia 7 de julho a necessidade de coordenar os esforços das duas entidades para que a cultura possa se desenvolver nas favelas sem interferência injustificada da polícia. Foi proposto o encaminhamento de uma Ordem de Serviço aos comandantes de UPPs e aos Batalhões orientando qual o procedimento a ser adotado, para que as decisões não sejam arbitrárias. Os moradores da região de Manguinhos reivindicaram ainda a realização de uma visita ou plenária na comunidade por parte da Subsecretária de Segurança.