No dia 13 de julho, o Rio de Encontros organizou o debate “Juventude, Segurança e Violência“, no Museu de Arte do Rio (MAR) na Região Portuária do Rio de Janeiro. Durante o evento, ativistas sociais, acadêmicos e moradores de favelas discutiram o impacto da violência sobre os jovens e as perspectivas de mulheres sobre a violência, juntamente com o papel das UPPs e dos meios de comunicação nas favelas. O debate incluiu um painel de palestrantes que compartilharam perspectivas e conhecimentos sobre violência e juventude. Participaram do evento: Charles Siqueira, Coordenador do Nave do Conhecimento em Triagem; Guilherme Pimentel, um advogado que escreve para Nossas e coordena o Defezap; Marciel de Freitas, policial da UPP; e Betinho Casas Novas, fotógrafo especializado em conflitos urbanos.
Nascido e criado no Complexo do Alemão, Betinho Casas Novas compartilhou suas experiências pessoais com a polícia e a violência relacionada ao tráfico. Vivendo no Alemão, Betinho, amigos e familiares foram freqüentemente cercados por conflitos entre facções de drogas em que as vítimas comuns eram civis, gerando uma vida cotidiana perigosa. Durante o debate, Betinho lembrou as perdas que teve. “Eu cresci nesta época violenta no Alemão. As pessoas eram atingidas por tiros, tínhamos medo de sair de casa”.
Além do perigo constante e o medo de perder amigos, os conflitos entre facções rivais e policiais limitou o acesso à educação para Betinho e outros estudantes. Muitas vezes, lutas entre facções colocam alunos em risco ao caminhar para ou da escola e causam bloqueios freqüentes. “Morei em um lugar chamado Beco da Morte, onde aconteciam as execuções. Perdi um ano de estudo por não poder ir à escola, porque eu saía e tinha pedaços de corpos na minha porta”, lembrou Betinho. A constante exposição às facções, o fechamento das escolas e condições de vida difíceis levam alguns jovens a se envolverem com as facções e perpetuarem o ciclo de violência. Muitos dos amigos de infância de Betinho sucumbiram a essas pressões. “Eu represento a estatística quem não entrou no tráfico, mas cresci com muitas pessoas que entraram. Faltam aulas, recursos, serviços para os jovens. Eu acho que existe um preconceito que acha que todos os jovens da favela vão ser vendedores ou empregados, mas eles podem ser atletas, jornalistas, professores”. Betinho explica que é essa falta de oportunidade que muitas vezes leva os jovens à atividade do tráfico.
Além de falar sobre suas experiências de infância, Betinho discutiu as conseqüências negativas que a intervenção da UPP, nos últimos anos, causou em sua comunidade ao oprimir os moradores e desestabilizar o bairro. O que levou a uma depressão econômica de longo prazo no Alemão, que só piorou as condições dos moradores, e enquanto isso os combates entre policiais e traficantes continuam. Betinho comentou: “O Alemão não foi a primeira favela pacificada, mas é a mais emblemática. As UPPs vieram para a comunidade com programas sociais e serviços públicos, mas todos acabaram depois de uns meses. Depois de oito meses, todos os negócios foram fechados e a gente ficou dependente das ONGs”. Ele enfatizou a necessidade de um novo começo com novas metodologias que repensem o papel do policiamento e adotem uma abordagem mais holística das intervenções comunitárias, a fim de serem mais sensíveis às necessidades dos moradores e evitar consequências não desejadas. “Pobreza não é caso de polícia. Precisamos parar de falar que as UPPs não deram certo. Isso acabou. O que precisamos agora é de uma nova política de segurança pública”.
Os outros painelistas discutiram suas experiências nas áreas de juventude, segurança e violência, incluindo de que forma o município poderia interagir com os jovens a fim de criar espaços mais seguros. Guilherme Pimentel tem trabalhado para melhorar a responsabilidade da polícia, e para fornecer ferramentas aos jovens para se protegerem contra a violência policial através da rede que ele coordena, o Defezap. Ele comentou sobre a questão da opressão do Estado e da violência policial: “As autoridades trabalham para melhorar a educação e os cuidados de saúde, mas por que esses exercícios de cidadania não se aplicam quando se trata de segurança?” Segundo Pimentel, “as favelas são ilhas, com uma cultura e estrutura específica. Você tem que realmente conhecer a favela se você quer fazer alguma coisa. Você não pode chegar com planos prontos para implementar”. Ele continuou a explicar que o Defezap fez um projeto para os moradores denunciarem incidentes de violência do Estado e contribuir para as percepções sobre segurança pública e direitos humanos. Esse é um exemplo de “uma maneira discreta, usável e confiável de conscientizar e dar atualizações sobre a violência em tempo real”. Os moradores podem registrar qualquer forma de violência ou violação do Estado e posteriormente enviá-los anonimamente através do WhatsApp, após o qual as autoridades responsáveis são notificadas.
Vários painelistas enfatizaram ainda mais o papel que as tecnologias podem desempenhar na construção da participação comunitária e na democratização do conhecimento. Como parte das tentativas de disponibilizar tecnologias para os moradores da Zona Norte, Charles Siqueira reconheceu os desafios enfrentados por jovens de favelas que, muitas vezes, não possuem os recursos necessários para ter sucesso. Ele descreveu sua posição sobre o tema da violência juvenil: “Não sou juiz de nada. Isso me abriu um canal de diálogo na comunidade. Sou um interlocutor com credibilidade com a polícia e o tráfico sem ter envolvimento com ninguém”.
Como membro da UPP, Marciel de Freitas está em uma posição muito diferente, comentando sobre como ele é visto: “As pessoas dizem que eu não tenho o rosto de um policial. Eles dizem isso por causa dos estereótipos existentes. Ser policial é ser um profissional e não um rosto feio”. Ao longo do debate, Marciel conseguiu dar um “rosto” para UPP, além de levantar os problemas da instituição: “No mundo todo, a violência está diretamente ligada à corrupção. Onde uma cresce, a outra também aumenta”.
Além da discussão, o debate foi aberto para comentários e perguntas do público. Durante este tempo, Luis Fernando Pinto, morador de Senador Camará, leu um poema que escreveu para refletir sobre a violência vivida pelos moradores da favela. Mais tarde comentou: “Este poema foi inspirado por minhas experiências, vivência nesse território. Tenho 27 anos morando em Senador Camará. Então são experiências e histórias a partir da minha janela, a partir de minhas andanças das ruas do território. Eu vejo a questão da sobrevivência. Todo dia tem estas questões: Será que vou dormir? Será que vai ter um amanhã?” Outros membros do público também contribuíram com poemas, opiniões e perguntas, aos quais os painelistas responderam. Um morador de uma favela da Zona Oeste comentou que no evento “houve um senso de revolução, e todos tinham o poder de falar, e também haviam pessoas de várias partes da cidade. Acho que o diálogo sempre é válido. Mesmo que falem de coisas muito complicadas e pesadas, sempre é válido”.