Um ano depois das Olimpíadas no Rio de Janeiro, pouco se fala do legado Olímpico deixado para os moradores do conjunto de favelas da Maré, um dos maiores complexos do Rio, com mais de 140 mil moradores.
Mobilidade
Desde os preparativos das Olimpíadas, as obras e mudanças passaram a fazer parte da rotina dos cariocas. Uma das iniciativas do transporte público que impactou o território foi a construção do BRT TransBrasil, que teve sua obra parada durante os Jogos e retomada em abril deste ano, na Avenida Brasil. O BRT não é o ônibus convencional. Inicialmente ele contará com ônibus biarticulados, cerca de 16 estações e 18 passarelas. A expectativa de um trânsito mais acessível ainda é a esperança de muitos, como Willian Gomes, 22 anos que mora na Maré e circula de ônibus diariamente. “Minhas expectativas são positivas, isso ajudará bastante o povo a chegar no trabalho, faculdade e casa, por exemplo, uma vez que o transporte público não nos favorece junto com o trânsito encontrado na pista em horários e dias de pico”, afirma ele.
A Maré já tem duas estações próximas: a Estação Santa Luzia e Estação Maré, que funcionam 24h, assim como suas bilheterias–o que facilita a circulação de pessoas dos bairros próximos. Enquanto as obras não são concluídas, o engarrafamento se mantém caótico. A CET-Rio informou a interdição de acessos ao bairro da Penha e da Rodovia Washington Luiz na primeira semana de agosto, que teve trânsito lento no primeiro dia útil da ação.
Segurança Pública
O governo e a imprensa têm relacionado à diminuição do investimento em segurança pública ao aumento da violência no asfalto e nas favelas. Porém, a experiência da Maré em 2014 não representa essa relação. Foram gastos R$600 milhões em um ano e meio de ocupação militar, em busca do controle do território e das pessoas que vivem nele, para depois instalar a UPP. Porém a instalação foi desmarcada em 2016 pelo ex-secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, que alegou falta de dinheiro para dar continuidade ao projeto. Por outro lado, em sete anos, a prefeitura investiu apenas R$350 milhões em programas sociais. Valores que refletem o contraste de prioridade das autoridades com a população.
Com uma pressão social e moral, o gasto com segurança pública continua. O ministro da Defesa Raul Jungmann confirmou a presença do Exército, Marinha e a Aeronáutica como apoio das Forças Armadas e da Polícia em operações até dezembro de 2018. Eles já estão nas ruas de Copacabana, outros bairros e nas vias expressas Linha Vermelha, Linha Amarela e Av. Brasil. E o comportamento nas atuações é questionável e diferente em áreas ricas e pobres da cidade, como o desrespeito na hora de revistar homens negros, por exemplo.
Quando a ocupação na Maré ocorreu, ao mesmo tempo foi feita uma pesquisa sobre seu impacto e dela, o livro “A Ocupação da Maré pelo Exército Brasileiro: Percepção de Moradores sobre a Ocupação das Forças Armadas“, lançado em maio deste ano pela Redes de Desenvolvimento da Maré. Na pesquisa, um dos dados levantados mostra que, de mil pessoas entrevistadas, 60% delas se sentem mais seguras na favela do que no restante da cidade. E com esse sentimento de pertencimento, ações locais foram realizadas após os Jogos, e potencializadas para fazer o que militarização nenhuma conseguiu: fomentar a cultura, o lazer, a educação e o comércio.
Iniciativas Comunitárias, Jovens e Estudos
Uma das iniciativas que deu certo foi a loja Maré 0800 inaugurada em setembro de 2016, com o objetivo de reunir livros, roupas, calçados e outros objetos doados–forma de compartilhar com outros moradores locais e do resto da cidade–como uma rede solidária. Os próprios moradores e comunicadores comunitários organizam o evento, que segue com sua oitava edição marcada para este sábado 12 de agosto na Vila do João, uma das favelas da Maré. Cada encontro acontece em um lugar diferente da comunidade, como forma de democratizar a ação. “Materiais infantis como brinquedos, roupas e livros são os que mais fazem sucesso”, conta um dos colaboradores Anderson Caboi, que acredita no incentivo à leitura.
Quanto mais, melhor. Segundo estudo do Instituto Data Popular, 5% de moradores de comunidades pelo Brasil têm o ensino superior. E em 2017, a juventude da Maré mostra a força que tem para melhorar as estatísticas, estudando e compartilhando aprendizado.
Uma das ferramentas usadas são as aulas do Curso Pré-Vestibular Redes da Maré, que já ajudou mais de mil moradores a realizarem o sonho de fazer faculdade sem pagar por ela. Amanda Araújo mora no local e faz Comunicação Social na UERJ. “Passar no vestibular foi um momento muito feliz. Eu estudava um pouco todos os dias. A parte cultural das aulas era muito rica. Comecei a estudar de forma bem diferente”, conta ela, ansiosa para o retorno às aulas.
Em meio a todos os problemas sociais que estão presentes na Maré e em todo o Brasil depois das Olimpíadas, a força popular se mostra visível com suas próprias lutas e a busca diária nos motiva para continuar resistindo.
A jornalista comunitária Thaís Cavalcante foi nascida e criada na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. Ao atuar como comunicadora comunitária em sua comunidade, decidiu cursar jornalismo na universidade e acredita no poder da informação para mudar para melhor sua realidade.