Trajetos, um filme produzido pelo coletivo audiovisual Canal Plá, estreará amanhã, 12 de agosto, às 20 horas, na Praça dos Direitos Humanos de Nova Iguaçu. O filme usa sequências anteriormente não editadas da série de mesmo nome do YouTube, que possui seis vinhetas que exploram o papel do transporte público na vida de moradores do Grande Rio, da Zona Norte do Rio, Baixada Fluminense e Niterói. Ao contrário da série web, o filme não estará disponível na internet. A exibição será realizada no CineClub Buraco do Getúlio, um cineclube dedicado à projeção de curta-metragens e realização de eventos culturais em Nova Iguaçu.
O lema do Canal Plá é “produzindo memória” e, dada a quantidade de horas diárias que pessoas passam nos deslocamentos casa/trabalho–a Região Metropolitana do Rio tem um dos piores índices de mobilidade urbana do Brasil–as histórias capturadas em Trajetos mostram que memórias valiosas são frequentemente produzidas nos lugares mais corriqueiros. Um dos episódios do YouTube da “série rodoviária”, “Mesquita x Central do Brasil”, apresenta uma jovem mulher e um homem de Mesquita que costumam se encontrar nessa linha específica. No começo foram muito tímidos para falar um com o outro, mas eventualmente acabam iniciando um relacionamento, e se casam depois de finalmente quebrar o gelo no ônibus.
O diretor do filme e fundador do Canal Plá, José Alsanne, cresceu em Nova Iguaçu. “Filmar dentro dos ônibus que circulam pelas cidades é uma ideia que queremos executar desde 2015, logo quando o Canal Plá surgiu”, disse José release do filme. “Durante anos da minha vida perdi seis horas diárias no trânsito [indo para a PUC] e essa experiência me motivou a contar essas histórias. Mais do que falar sobre mobilidade urbana e suas deficiências, buscamos apresentar as histórias e as relações que existem [no transporte público]. Quais são as válvulas de escape das pessoas para esse estresse diário e as contradições nas relações afetivas que as pessoas criam com sua linha ou ramal? Isso que fomos buscar.”
A série no YouTube começou com chamadas para histórias na página do Canal Plá no Facebook. Eles receberam tantas que foi difícil escolher somente seis histórias para contar. O filme e a série passam por cinco cidades da Grande Rio, quatro linhas de ônibus (uma dentro dos limites da cidade do Rio, uma dentro de Duque de Caxias, e dois intermunicipais), uma linha de trem (linha Japeri de Austin, bairro de Nova Iguaçu, até a Central do Brasil), e um trajeto diário de bicicleta em Niterói seguido por um passeio de barca, dando a sensação de múltiplas formas pelas quais os moradores podem se deslocar e experimentar a região metropolitana.
Além de histórias de romance, muitos dos protagonistas usam seu tempo no trânsito, como o próprio José Alsanne que passa até seis horas por dia no trajeto, conversando com outros passageiros e motoristas de ônibus, escrevendo poesia e raps ou refletindo sobre uma série de questões que eles enfrentam, desde racismo e transfobia à obesidade. Isso reflete a própria missão do Canal Plá de “levar ao conhecimento do espectador pautas, realidades e demandas de grupos e causas sociais historicamente ignoradas pelos veículos da grande mídia, por falta de interesse e, principalmente, pela linha editorial de vários destes, nas mídias impressa e televisiva”.
O transporte público torna muitos desses estigmas sociais ainda mais agudos, pois acentua as desigualdades do Rio metropolitano. “Para mim, é através do ônibus que eu acabei tendo acesso a coisas que aqui não tenho. E isso é muito dolorido, sabe”, explica Lidi de Oliveira, que toma o ônibus do Parque Paulista em Duque de Caxias para a Central do Brasil. “O ônibus simboliza muito a separação desses territórios, mas também é a ponte entre esses territórios. Uma ponte que tá caída, tem uma parte que precisa ser ajeitada, mas que essa ponte existe e que a gente vai pegando essas brechas para fazer essas pontes entre os territórios”.